PIERRE BOURDIEU (1930-2002)
Alberto Dines
Os diários mais do que os semanários ? e isso Das 20 obras que escreveu, a mais intensamente divulgada |
Télévision". A edição original (Liber,
dezembro de 1996) foi imediatamente acompanhada por uma edição
brasileira (Jorge Zahar Editor, agosto de 1997), numa agilidade editorial
inédita, considerando a especificidade do assunto (143 páginas
em formato de bolso).
Extraordinário best-seller (o exemplar aqui examinado é
da 10? edição, impresso em maio de 1997, seis meses
depois de lançado). Pivô de um dos mais importantes
debates travados na mídia francesa porque tratava da mídia.
E a tratava com todo o rigor. Mas, como a mídia francesa
não esconde a cabeça na areia, o debate foi intenso
e prolongado.
Obituários e homenagens aqui publicados enfatizam a ousadia,
o brilho intelectual, o inconformismo e a capacidade de Bourdieu
de dirigir seu olhar aos mais diferentes campos da vida social.
Raros foram os que se detiveram naquele que é o campo essencial
da fenomenologia social contemporânea ? o campo jornalístico.
E, como os autores são, em geral, oriundos do campo acadêmico,
não devem ter gostado do que disse o mestre a seu respeito:
"A influência
do campo jornalístico sobre os campos de produção
cultural (sobretudo em matéria de filosofia e ciências
sociais) se exerce principalmente através da intervenção
de produtores culturais situados num lugar incerto entre o campo
jornalístico e os campos especializados (literário
ou filosófico etc.). Esses “intelectuais-jornalistas”,
que se servem de seu duplo vínculo para se esquivar das
exigências específicas dos dois universos e para
introduzir em cada um deles poderes mais ou menos bem adquiridos
no outro, estão em condições de exercer
dois efeitos principais: de um lado, adotar novas formas de
produção cultural, situadas num meio termo mal
definido entre esoterismo universitário e o exoterismo
(*) jornalístico; de outro, impor, em especial através
de seus ensinamentos críticos, princípios de avaliação
das produções culturais (…). (Sobre a Televisão,
pág. 111)
[(*) Exoterismo: ensinamento
que, na Antiguidade grega, era transmitido ao público,
sem restrições, dado o amplo interesse que suscitava
e a forma acessível em que podia ser exposto. (A.D.)]
Numa excelente entrevista ao Jornal do Brasil (caderno Idéias,
11/9/00), Bourdieu explicou o conformismo dos jornalistas no tocante
à própria atividade:
"O jornalismo ? que se pensa
como um ?quarto poder?, mas crítico ? é sem dúvida
um poder que, diante das pressões de todas as ordens
que pesam sobre a atividade jornalística (sobre os jornalistas,
portanto), já não tem muita coisa de crítico
e contribui muito para reforçar as forças mais
conservadoras da economia e da política (clique
aqui para ler a
íntegra)
Mas o que interessa é a sua intervenção ?
como ela a chama ? na TV, foco e título do seu panfleto:
(…) Penso que a televisão,
através de diferentes mecanismos (…) expõe a
um grande perigo as diferentes esferas da produção
cultural, arte, literatura, ciência, filosofia, direito;
creio mesmo que, ao contrário do que pensam e dizem com
toda a boa-fé os jornalistas mais conscientes de suas
responsabilidades, [a TV] expõe a vida política
e a democracia a um perigo não menor (…). (Idem, pág.
9)
Essa integridade crítica, essa capacidade de enxergar o
conjunto de elementos que compõem o campo jornalístico,
incorporando-o ao bojo do processo sócio-cultural, distingue
Bourdieu da maioria dos pensadores e críticos contemporâneos.
Hoje, no Brasil, temos críticos que só vêem
as mazelas da TV e, como escrevem em jornais ou revistas, fecham
os olhos às mazelas específicas destes media. Ou ainda,
sendo oriundos da academia, poupam-na de qualquer responsabilidade
na difusão do tal “esoterismo universitário”.
Pierre Bourdieu viu tudo, não pode ser esquecido.