LIBÉRATION
Leneide Duarte-Plon, de Paris
O balzaquiano Libération mudou. Depois de um ligeiro lifting, que os jornalistas chamam de reforma gráfica, o Libé apareceu nas bancas na segunda-feira (13/10) com umas rugas a menos, relooké da primeira à última página. Felizmente, o jornal guarda nos títulos e no texto a irreverência que sempre o caracterizou. Os títulos do Libé são um exercício de humor e inteligência no jogo de palavras perseguido até as últimas conseqüências.
O jornal de hoje é, sem dúvida, mais bonito e mais moderno do que o lançado dia 22 de maio de 1973. Primeiramente semanal, depois diário. Fundado por Jean-Paul Sartre e Serge July, Libération era a evolução natural da agência de notícias do mesmo nome, nascida do movimento maoísta pós-68.
Para marcar mais profundamente os 30 anos, o jornal resolveu lançar um produto de peso: no dia 1? de outubro saiu em todas as bancas e livrarias um almanaque do tamanho da própria página do jornal-tablóide, que rivaliza com o Le Monde o privilégio de fazer a cabeça das pessoas de esquerda no país.
Ninguém menos que Oliviero Toscani foi chamado para ser o diretor de arte do almanaque 30 Ans, de 504 páginas e duas mil fotos. O resultado é a união da inteligência com a beleza num resumo, em imagem e textos, do que aconteceu nos últimos 30 anos na França e no mundo. Por 30 euros, leva-se para casa um livro enorme que ocupa espaço mas vale quanto pesa.
O almanaque revela o olhar do jornal sobre, entre outras coisas, a evolução da moda, dos costumes e das relações entre os sexos. Libé resume com textos assinados e fotos geniais as descobertas científicas que levaram à clonagem e ao bebê de proveta, além dos principais acontecimentos da política nacional, mundial e do mundo das artes. A primeira foto do almanaque é de um belo pássaro chamado Concorde em seu primeiro vôo, dia 26 de setembro de 1973. A última é do último vôo transatlântico deste prodígio da tecnologia, no dia 12 de junho deste ano.
30 Ans é inteligentemente organizado por temas e não pela ditadura da cronologia. O tema "As feridas do mundo", por exemplo, é subdividido em o terrorismo; o apartheid; o anti-semitismo; os crimes contra a humanidade; as guerras; os refugiados; os ditadores; a pena de morte; crimes e delitos. A inteligência e a irreverência estão presentes da primeira à última página do livro. O grande tema "As crenças", por exemplo, é dividido em três subtemas: o fim do comunismo; a China persiste e as religiões. Tudo com paginação de um bom gosto irrepreensível, com a assinatura de Toscani.
Entre as páginas dedicadas ao tema da globalização, duas são a reprodução das páginas do jornal de 23 de janeiro de 2003, quando o Fórum Social Mundial de Porto Alegre rivalizava com o Fórum Econômico de Davos. Numa das páginas, a correspondente Chantal Rayes relata a ida de Lula aos dois encontros. O presidente brasileiro aparece numa charge cercado de empresários, com uma auréola de santo. Na época, alguns jornais brasileiros reproduziram a página de Libé.
No fim do almanaque, "A escolha de Libération" consiste em indicar 30 filmes, discos, livros, obras de arte, de arquitetura, peça de teatro, espetáculo de dança e jogos eletrônicos que marcaram cada ano, de 1973 a 2003.
Jornal nacional
No número deste fim de semana (como no de segunda, dia 13 de outubro), um suplemento especial encartado no jornal explicou aos leitores (mais de um milhão por dia) como e por que o Libé mudou. Como ninguém reforma um jornal para tornar a leitura mais complicada, o Libération mudou, segundo seus responsáveis, para ser mais claro ? além de dar mais espaço ao leitor, ser mais informativo, mais investigativo, mais colorido. Com menos tarjas pretas e mais fotos, o jornal, feito por 246 jornalistas, ficou, sem dúvida, mais agradável de ser lido.
O Libé é lido por um número crescente de jovens (33% de menos de 35 anos agora, contra 29% em 1998; 54% têm entre 35 e 60 anos e 13% têm mais de 60 anos). Seu maior desafio hoje é, justamente, o de conquistar mais leitores jovens pois os que o acompanham desde a fundação estão envelhecendo e vão desaparecendo junto com os fundadores. A maioria dos leitores já está fora de Paris (59%), o que dá ao Libé um peso de jornal verdadeiramente nacional. Entre os estudantes universitários franceses, 12% lêem Libération e 15,4 % lêem o Le Monde.
Mas o jornal também sofre as conseqüências de um mercado publicitário em queda, como a maioria dos veículos de comunicação na França. As perdas acumuladas de 2000 até hoje chegam a de 15 milhões de euros. Com isso, as receitas publicitárias passaram a representar apenas 35% e não mais 45% do total da receita.
"As reduções drásticas dos custos deram frutos e nos levaram a um equilíbrio já no fim do primeiro semestre", informou o diretor Serge July ao anunciar as modificações que viriam transformar o jornal, cujos assalariados detêm 36,4% do capital da empresa. O restante das ações pertence a acionistas externos. Para July, seu jornal é o "o diário de todos os que fazem as coisas mudar, agitam, criam e multiplicam, resistem e transformam".
De fato, o Libération nunca será visto nas mãos de um burguês eleitor da direita ou de uma velhinha xenófoba, eleitora de Le Pen. É o jornal preferido dos cinéfilos e seu leitor tem o perfil de um eleitor de esquerda (no primeiro turno das eleições presidenciais, 58% dos leitores votaram em Jospin, no candidato ecologista ou no de extrema-esquerda).
A maior tiragem do jornal foi de 700 mil exemplares no dia seguinte à derrota de Jospin no primeiro turno (22 de abril de 2002). A capa era uma foto de Le Pen com uma tarja "NON". Por coincidência, o número um da nova paginação, do dia 13 de outubro, também traz Le Pen na capa, de costas, com a pergunta "E se o FN ressurge?" O subtítulo fala da inquietação tanto da direita quanto da esquerda com um novo crescimento da extrema-direita devido ao difícil clima social atual.
O jornal Le Monde de segunda-feira (datado de terça, 14/10) noticiou com uma página inteira a reforma gráfica de seu rival. O título dizia que o Libération dispõe de uma margem de manobra estreita para se reerguer. No subtítulo, a constatação de que o jornal sofre com a queda das receitas publicitárias e com a concorrência dos gratuitos Métro e 20 Minutes. A reportagem trata da nova diagramação, das dívidas do jornal, superadas este ano, e da ligeira queda na tiragem ? 169 mil exemplares, em 1998, e 156 mil no meio deste ano.