Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Três lições de Eric Hobsbawm

FORMAÇÃO DO JORNALISTA

Paulo Lima (*)

A Festa Literária Internacional de Paraty logo ganhou um crachá de identificação na grande imprensa. "Flip" é como passou a ser chamado o meeting que reuniu alguns luminares das letras pátrias e estrangeiras. E Flip é como será aqui referida a confraria que contou com a presença de uma estrela da historiografia mundial. No Brasil, coube sempre ao inglês Eric Hobsbawm um lugar de honra no panteão dos historiadores marxistas, mesmo antes da publicação do seu cult A era dos extremos. Em Paraty, Hobsbawm pôde apreciar o néctar da fama, tendo autografado até camisas de crianças nas ruas da pequenina cidade do Sul Fluminense.

Nos dias em que esteve sob os holofotes da Flip, Hobsbawm não perdeu a oportunidade de declinar seu apreço em favor dos nossos sabores, da moqueca de peixe à bossa nova de João Gilberto e Tom Jobim. E, acima de tudo, não perdeu a oportunidade de gravar na memória do Flip algumas preciosas lições. Conforme noticiou a Folha de S.Paulo, edição de 4/8, na palestra do britânico, um jovem indagou que conselho Hobsbawm daria a um jovem historiador. A resposta:


"Nunca confundir fato e ficção, evitar pensar em termos nacionais, tentando enxergar a história de modo global, e evitar ser apenas um colecionador de fatos".


A senda que Hobsbawm gentilmente indicou ao jovem em Paraty bem poderia ser também referência para os jovens aspirantes a jornalista. Aliás, por garantia, a aspirantes e efetivos, jovens ou velhos. Se há dúvidas de que o jornalismo guardaria uma relação com a história, não seriam de Camus, para quem o jornalista é o historiador do presente. Quão fidedignamente este presente tem sido documentado, esses são outros quinhentos.

Vamos às lições de um grande historiador.

"Nunca confundir fato e ficção."

Para um jornalista, a primeira lição de Hobsbawm poderia soar como uma sensaborona obviedade, vez que o primeiro mandamento jornalístico guarda muito do teste de São Tomé. O "ver para crer", contudo, ganharia aqui sua devida conotação: só se pode escrever sobre aquilo que se pode apurar, sobre a informação que se pode registrar (não é o objetivo deste breve arrazoado discutir os offs e os for the records da questão). Sabemos, porém, de que forma essa regra mater foi escandalosamente negligenciada no qüiproquó sobejamente discutido envolvendo o New York Times. Além de sua aparente inocuidade, a fronteira entre fato e ficção oculta alguns complicadores nada desprezíveis, vez que "tudo que é dito é dito por um observador", conforme insight de Humberto Maturana, aqui citado via Mohammed Elhajji, em Por um jornalismo auto-reflexivo (Raquel Paiva, Ética, cidadania e imprensa, Editora Mauad, Rio de Janeiro, 2002). Ou seja, tudo que dizemos não passa de uma construção simbólica do fato em si, reconstruído em função dos nossos referenciais culturais. Portanto, nada tão simples assim.

"Evitar pensar em termos nacionais, tentando enxergar a história de modo global."

Este segundo ensinamento de Eric Hobsbawm pode soar como um desafio ingente, se consideradas a brutal massa de informações e a cadeia de acontecimentos a que está submetido este incipiente e ultraveloz início de século. Mas deveria soar também como uma espécie de elixir contra o reducionismo e a açodada relação de causa e efeito mediante a qual a imprensa traduz ? e procura nos impingir ? muitos episódios dramáticos da história recente. Narrar os fatos que ocorrem sem referir minimamente as razões que o constituíram historicamente é tomar o todo pela parte, é destituí-los de sua natureza complexa. Para o jornalista, poderia valer então a lição: a de almejar ampliar os limites da própria observação, procurando aprofundá-la para além dos meros limites da relação de causa e efeito, estabelecida unicamente a partir de uma realidade muito próxima e comezinha.

"Evitar ser apenas um colecionador de fatos."

A um jornalista, a terceira lição de Hobsbawm corre o risco de desdizer a própria condição de jornalista, senão um empilhador de frases (vide Balzac), ao menos um empilhador de fatos. Se esta deveria ser a sina do jornalismo, não haveria por que o jornalista ater-se meramente a listar informações em série, como se atuasse na esteira (sem trocadilho) de um abominável fordismo. Cabe e deve ao jornalista a tentativa de realizar vôos mais altos, mergulhando em questões investigativas, estudando mais, fugindo do óbvio, desconfiando de tudo sempre, garimpando pautas quentes e diferenciadas, esmerando o texto e ? acima de tudo ? mantendo desfraldada a bandeira da ética.

(*) Estudante de Jornalismo e editor do Balaio de Notícias <http://www.sergipe.com/balaiodenoticias>