ÁULICOS DE BUSH
Paulo José Cunha (*)
Tudo bem que a mídia dos "bons", como bem definiu Mr. Bush pouco depois daquele boeingão da American Airlines entrar com bola e tudo no WTC assuma posição de sincero e honesto alinhamento com o Pentágono. Qual é a novidade? Na Bahia, que fica aqui na esquina, é igualzinho: até hoje deputados, senadores e puxa-sacos em geral mantêm-se em estado de fidelidade canina ao Grande Pai Branco, mesmo depois de sua confissão pública em rede nacional de rádio e tevê de que teve nas mãos uma lista de votação secreta do Senado e não fez chongas pra punir os responsáveis. Até hoje a matilha carlista continua entoando a cantiga da indignação contra os responsáveis pela cassação do chefe, que se prepara para assumir mais um mandato. Eu escrevi assumir, não escrevi disputar, pois disputar nem é necessário, tamanha a maioria que lhe asseguram as pesquisas, seja para que cargo for.
São assim os áulicos, em todos os níveis, de todas as profissões ou atividades, em qualquer lugar do mundo. Então, por que aqui seria diferente? Alguém aí viu ou ouviu algum comentário mais incisivo contra o bombardeio contra os miseráveis do Afeganistão? Nem o vetusto New York Times escapou, com sua vergonhosa "covardia jornalística", na expressão de Márcio Moreira Alves, de negar ao terrorista e assassino Osama bin Laden o título de personalidade que mais influiu nos destinos do planeta no ano que se vai. O prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, por mais que a compaixão pelo seu câncer lhe faça credor de algum tributo, com certeza nem encosta na expressão mundial do saudita cavernoso. Mas ficou com o título, fazer o quê? Assim como Roberto Marinho entrou para a Academia Brasileira de Letras sem que alguém se lembre ou saiba de qualquer obra de sua autoria. Et caterva e tal. Vai por aí. Essas coisas acontecem.
Brazucas subservientes
O que mais impressiona no aulicismo descarado da mídia tupiniquim, caudatária da mídia da sede, a que um dia se orgulhou da Primeira Emenda e depois do ataque terrorista guardou-a na gaveta e jogou a chave fora, é o permanente uso de antolhos que a impedem de enxergar o óbvio. E nada mais óbvio, sem dúvida, do que o fato de que a maior potência do mundo ? sem consulta à ONU nem a ninguém ? transformou o território do Afeganistão numa tábua de pirulitos a pretexto de apanhar um tal Osama bin Laden, responsável pelos ataques terroristas do dia 11 de setembro. Só que ninguém se lembrou de dizer, até agora, que Osama, na realidade, está dando um senhor banho nos Estados Unidos. Mesmo após a saraivada de tomahawks e o desembarque dos marines, o Osama, ó, nem seu souza. Vai daqui, vai dali, e ainda se dá ao luxo de dar entrevistas e passar via al-Jazira seus recados ao mundo, ao arrepio da censura imposta por Mr. Bush.
De resto, pode-se recordar que essa incompetência americana é antiga. A CIA, pelo que registram os arquivos da imprensa mundial, fez mais de uma centena de tentativas de assassinar Fidel Castro, todas sem sucesso. No início da década de 90 moveu sua máquina de guerra num ataque anunciado a Bagdá, na tentativa de atingir o iraquiano Sadam Hussein, o Osama da éeacute;poca. E Sadam lá, até hoje, no bem bom, nem seu souza. Agora, o Grande Império utiliza a mais moderna tecnologia, com satélites que enxergam até o que acontece no miolo do planeta, tudo pra pegar Bin Laden. E o terroristão lá, dando seu show particular e se transformando em lenda, em mito, em fumaça da história. A vitória conquistada nas colinas devastadas do Afeganistão contra a Al-Qaeda e o regime talibã parece miúda diante de tanta exibição de high-tech e poderio econômico-militar. Mr. Bush precisava, sim, lavar a honra americana. Então, tá: lavou e enxaguou.
OK, mas, e o Osama? Nem seu souza.
Fosse a mídia brazuca menos subserviente à análise dirigida que nos chega dos States pronta e aquecida pela web, e alguém de algum jornal ou revista ou rádio ou tevê ou sei lá de onde já teria levantado a voz para, pelo menos lembrar que, tudo bem, o regime talibã caiu, o pessoal fez a barba, já dá pra assistir à televisão no que sobrou de Cabul, daqui a uns dias aquele emezão da McDonald?s vai aparecer por sobre a sucata dos tanques enferrujados… mas, escuta aqui: e o Osama? Nem seu souza.
(*) Jornalista, pesquisador, professor de Telejornalismo, diretor do Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico “Telejornalismo em Close”, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <upj@persocom.com.br>