INDÚSTRIA DA DIFAMAÇÃO
Alberto Dines
De cada dez eventos denuncistas, oito foram produzidos pelo PFL sob a forma de fitas ou dossiês entregues à mídia e divulgados sem a menor averiguação.
Basta compulsar as edições anteriores deste Observatório para concluir que a degradação dos padrões do jornalismo brasileiro foi acelerada nos últimos cinco anos pela ação de parlamentares sem escrúpulos, protegidos pela imunidade e pela cumplicidade de seus agentes nos grandes veículos.
Não houve exceções: os três grandes semanários e os quatro jornalões participaram com o mesmo apetite e igual irresponsabilidade do grande convescote de corvos em que se transformou a prática do jornalismo político em nosso país.
A farra da fita chegou a tal ponto que o então senador ACM, para dar repercussão às suas acusações, abriu mão da tribuna da Câmara Alta para veiculá-las numa falsa gravação clandestina. Estava seguro de que a "mística da fita" seria suficiente para legitimar e validar tudo o que dissesse. Ferrou-se: falou demais, confessou um crime e foi obrigado a renunciar ao mandato. Seus parceiros jornalistas, no entanto, acabaram premiados como modelos de reportagem investigativa.
Qualquer bandido com interesses contrariados teria assegurado uma espetacular audiência desde que conseguisse contratar alguns espiões, gravar conversas telefônicas de desafetos e passar as respectivas fitas a um jornalista de confiança.
A cada ação corresponde uma reação: a arapongagem desenfreada e escancarada provocou uma resposta natural e previsível ? a contra-espionagem.
Ameaçada de desabastecimento, a mídia sensacionalista abriu o berreiro contra as medidas de proteção adotadas por ministérios, agências e empresas públicas. Sabe-se que o bom cabrito não berra, mas quando uma certa imprensa ? com a Folha à frente ? fica histérica com a adoção de sistemas de segurança em setores estratégicos, na realidade está admitindo publicamente o seu interesse na continuação do clima de chantagem que imperou até agora.
Veja, que participou com gosto e competência desta longa temporada rapinagem e violação de privacidade, arrependeu-se. Sua última capa ("A guerra dos dossiês", 20/3/02), embora omita a cumplicidade de grande parcela da mídia na pirataria, acabou convertendo-se na primeira grande denúncia do denuncismo vocalizada pela grande imprensa.
Pode ser entendida como um basta à abjeta guerra dos dossiês que compromete as mais legítimas investigações do Ministério Público e do Judiciário em defesa da sociedade.
Mas se insistir na veiculação de calúnias sem a devida investigação terá oferecido ao leitor brasileiro uma das mais contundentes evidências da hipocrisia da nossa imprensa.
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