MÍDIA & PRECONCEITO
Henrique Velasques (*)
Ao longo dos últimos anos, várias vezes me senti incomodado quando o assunto homossexualidade era abordado na TV. Ainda era um tema-tabu para mim, diante do qual experimentava desconforto. Passava pela fase de autoconhecimento, auto-aceitação da minha sexualidade. Hoje, aos 19 anos, bem resolvido, entendo que a causa do mal-estar está no modo pelo qual a homossexualidade é mostrada. Se o assunto recebesse tratamento melhor, mais real e respeitoso, despertaria outra sensação em mim.
No Brasil, a televisão é o meio de informação mais difundido e, para alguns, a única fonte de informação. O que aumenta a responsabilidade do veículo com a ética, para informar e construir valores sólidos, em vez de criar estereótipos e disseminar preconceitos ? no caso da sexualidade. Lembro das primeiras vezes em que assisti a manifestações veladas de preconceito sexual em programas de humor ? humor de péssima qualidade. Via aquilo e sentia algo confuso dentro de mim dizendo que se ser homossexual era aquilo eu não o era.
O estereótipo inconseqüente contribui para bagunçar ainda mais os pensamentos já conflituosos de um pré-adolescente. Hoje vejo aquilo como um grande desrespeito. Uma afronta à personalidade e ao livre arbítrio de quem assiste, que toma tal preconceito como regra. Eu mesmo poderia ter acreditado naquela ideologia mentirosa e assumido o pensamento que me queriam impingir: repeliria o homossexualismo porque não quero ser isso. Meu caso foi diferente. Prefiro dizer "sou homossexual, e tudo aquilo que me foi mostrado é uma mentira".
O mais interessante é que um dos humoristas daquela época ? Renato Aragão ? continua na TV até hoje, levando ao ar os mesmo valores a outras crianças e pré-adolescentes com conceitos em formação. Daí a importância de um controle de qualidade, principalmente na programação infantil das emissoras. Outro humorista de caráter preconceituoso é Chico Anysio, não somente nos personagens, mas também em declarações à imprensa. Será que ele acharia engraçado se alguém o desrespeitasse da maneira grotesca como faz em seus programas? Antes de rir de suas piadas ele deveria saber que do outro lado da tela há várias pessoas que poderiam se sentir atingidas.
O medo de tratar o assunto de maneira verdadeira e digna, assim como a comodidade de apelar ao estereótipo fácil, previsível, também atinge a dramaturgia nacional. Na maior parte das vezes em que o homossexual é retratado na ficção, é na figura de um afeminado cômico e alienado da realidade masculina. Algumas felizes exceções mostraram-se bastante elogiáveis: um casal gay masculino na novela A próxima vítima, com direito a final feliz; um casal gay feminino em Torre de Babel, prematuramente retirado da trama. O autor das duas novelas, Silvio de Abreu, credita a rejeição do público ao casal de lésbicas de Torre de Babel a dois fatores: o machismo, que considera mais conceptível dois homens juntos do que duas mulheres; e o fato de que em A próxima vítima os personagens homossexuais eram revelados a partir da metade da história, enquanto Torre de Babel apresentou o casal vivido por Cristiane Torloni e Silvia Pfeiffer desde o início da história.
Respeito à diversidade
No programa Malhação houve quatro casos de homossexualidade, todos tratados com propriedade. No segundo ano da história o personagem Gabriel (Thierry Figueira) protagonizou cinco capítulos, expondo um jovem descobrindo-se homossexual. Em 1998, uma professora de dança interessava-se discretamente por outra personagem, mas o romance não teve futuro. Em 2000, o personagem Sócrates (Erik Marmo) passou pela trama em 15 capítulos, e chamou grande atenção do público. No ano seguinte, a personagem Drica (Gisele Frade) começou a se identificar com o mesmo sexo, mas sem muito futuro: duas semanas mais tarde se engajaria num relacionamento heterossexual. A aceitação do público foi positiva na caso dos personagens masculinos e negativa no caso dos femininos.
Se o público interferiu para censurar, também interfere agora para moralizar. Atualmente, associações e ONGs que apóiam a diversidade sexual e comportamental têm se mobilizado contra os comerciais de TV de conteúdo preconceituoso ? retirando-os do ar em alguns casos ? e os programas de péssimo calão com as chamadas "pegadinhas", que submetem homossexuais a posição surreal e de inferioridade.
Enquanto apresentadores e atores homossexuais se escondem atrás da fachada heterossexual, o público vem lhes dando lições de cidadania, pressionando para que programas preconceituosos percam patrocinadores e exigindo o fim da ideologia difamadora da homossexualidade. Cabe a cada um fazer a sua parte, boicotando produtos que patrocinem programas preconceituosos e manifestando reprovação, seja nos centros de atendimento ou nos sítios de internet. Só deste modo será possível construir um mundo que respeito a diversidade.
(*) Estudante de Jornalismo