NEWSWORLD 2002
Antônio Brasil (*)
O conceito de guerrilha tecnológica no telejornalismo universitário do TJ UERJ Online avança ainda mais, conquista novos territórios e vitórias no Brasil e no exterior. Primeiro, foi a parceria com a CNN no projeto Student News. Depois, veio a primeira apresentação internacional no Simpósio de Exclusão Digital, promovido pela International Communication Association (ICA/IAMCR), na Universidade do Texas, em novembro de 2001. Novo ano, novas conquistas. Reconhecimento acadêmico nacional com o prêmio "Luiz Beltrão 2002" para grupos inovadores outorgado pela Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação). Agora, as experiências laboratoriais de um telejornalismo universitário brasileiro independente e de qualidade invadem um novo território na Europa.
Em meio a inúmeras propostas de grandes universidades dotadas de fartos recursos financeiros e disponibilidade de sofisticada tecnologia de ponta, o telejornalismo brasileiro na internet procura indicar soluções criativas e econômicas. Tenta mostrar ao mundo seus últimos resultados em pesquisas de linguagem audiovisual e desenvolvimento de novas tecnologias para uma nova TV. Banido das TVs universitárias brasileiras, o jornalismo universitário "independente" teve que buscar refúgio na rede para sobreviver, crescer e ser reconhecido. Hoje é uma ferramenta poderosa para o treinamento dos novos jornalistas de TV e oferece excelente oportunidade de trabalho num mercado estagnado que insiste em demitir tantos os velhos como os jovens.
Produzir telejornais diários, ao vivo, somente com alunos, professores e notícias de verdade ainda é um "sonho impossível" para quase todas as nossas TVs ditas universitárias. Apesar dos problemas, a única solução é acreditar nas possibilidades de um veículo caótico, mas ainda livre e democrático como a internet.
Todas essas dificuldades valorizam ainda mais cada conquista dos "guerrilheiros" do telejornalismo online. Tudo isso para dizer que o projeto do TJ UERJ foi selecionado para ser apresentado durante o próximo Newsworld 2002, o Fórum Mundial de Jornalismo, que acontece este ano de 19 a 21 de novembro em Dublin, Irlanda. O tema central do evento também é um alerta a todos os jornalistas do mundo sobre as ameaças que surgem no ar: "Prepare to take nothing for granted" (Prepare-se para não ter certeza sobre nada). Os jornalistas vão discutir algumas poucas certezas, como a crise no setor, e muitas dúvidas em relação às ameaças de uma guerra vale-tudo sem fronteiras, as relações cada vez mais sensíveis com os governos e a morte de tantos colegas. O debate promete pegar fogo e não poderia ter escolhido um local melhor: a velha Irlanda. Terra de contrastes dramáticos com uma história de conflitos políticos e religiosos, mas com uma cultura das mais ricas da Europa.
Os novos limites
Os encontros internacionais do Newsworld, o Mundo das Notícias, acontecem há 8 anos e já foram descritos em detalhes neste Observatório [veja remissão abaixo]. Trata-se do principal evento de jornalismo no mundo. As estrelas do telejornalismo internacional esquecem por alguns dias a tremenda competitividade típica da profissão e comparecem em peso para refletirem sobre o presente e o futuro do telejornalismo. Eles dividem o mesmo espaço de debates com os principais executivos das empresas mundiais de comunicação, editores-chefes, produtores executivos, grandes fabricantes de equipamentos para TV, pesquisadores acadêmicos renomados e muitos meros mortais.
Apesar de patrocinado por megaempresas como a BBC e APTN, o Newsworld é um evento restrito, caro e muito selecionado. Não se parece com nada que conhecemos no Brasil. É produzido como um programa de TV ao vivo, com um âncora experiente que comanda os grandes debates e um diretor num ponto eletrônico, com a participação efetiva de um auditório repleto de "feras". Mediar um evento dessa ordem e com esse tipo de público altamente crítico não é tarefa fácil. Todos são jornalistas experientes, qualquer comentário ou deslize encontra respostas cruéis. Mas no Newsworld só tem "cobra criada" e ninguém pode se descuidar um minuto sequer. Qualquer vacilo traz o risco de cair na boca do povo e no desagrado de tantos observadores poderosos do jornalismo internacional.
Este ano, o principal apresentador do evento será uma celebridade: sir David Frost, um dos mais prestigiosos jornalistas, produtores e apresentadores de programas de sucesso da TV britânica. Ele dividirá a cena com jornalistas tão ou mais importantes, como o presidente da CNN, Chris Cramer, e o principal correspondente de guerra da BBC, Martin Bell. Este surpreendeu o mundo há alguns anos ao abandonar uma carreira de sucesso e cometer a ousadia de tentar ser eleito para um assento no Parlamento inglês. Uma heresia para um jornalista de muitos países, mas muito comum aqui no Brasil. Bell foi eleito com facilidade com o auxílio da TV. Após 4 anos de muitas polêmicas e poucos resultados, tentou se reeleger e teve uma derrota humilhante.
Martin Bell é um profissional carismático. Cobriu desde a guerra do Vietnã ao conflito na Bósnia com muitos riscos pessoais, mas sempre com enorme competência. O público britânico o respeita muito. Ele também é autor de um dos melhores livros já publicados sobre o trabalho de um correspondente de guerra e seus ideais para uma TV melhor. Tem o título de In Harm?s Way (Ed. Hamish Hamilton, Londres, 1995). Ele e seus convidados prometem incendiar os debates sobre os limites delicados entre a velha ética profissional, o bom jornalismo e o novo cenário político internacional.
Todos também vão participar dos debates de abertura que tem o sugestivo título de "Count Down to Conflict" (Contagem regressiva para o conflito) sobre a escalada americana contra o Iraque. O convidado principal será o jornalista Ibrahim Helal, editor-chefe da TV al-Jazira, a ousada resposta do mundo árabe ao monopólio das redes de notícias americanas e britânicas. Também haverá outro debate com tema polêmico e título apropriado: "Dont trust the rich" (Não confie nos ricos), que discutirá os escândalos das íntimas e conflituosas relações entre alguns jornalistas famosos com os empresários de grandes corporações americanas. Muitos jornalistas americanos prestavam serviços para essas empresas quando foram surpreendidos com as notícias do envolvimento desses empresários "ricos" em falências fraudulentas que causaram enormes prejuízos a tantos investidores. Será uma boa oportunidade para debater os novos limites profissionais para os jornalistas que ainda não decidiram se vão trabalhar para as empresas ou para o público. Trabalhar para os dois é quase sempre impossível.
Garantia de credibilidade
No Mundo das Notícias discute-se intensamente as questões relacionadas com a ética, a prática profissional, as novas tecnologias e as finanças de um jornalismo em processo de mudanças dramáticas. Temas gerais, como o "jornalismo investigativo de qualidade" não dispensam questões práticas em relação à segurança profissional dos jornalistas em situações de perigo, ou oficinas para a utilização dos novos videofones, câmeras digitais e técnicas de videojornalismo. Mas tudo é sempre muito dinâmico como a própria TV. Os debates costumam ter sempre o tom de denúncia. Tratam de práticas jornalísticas irregulares, discutem-se as dificuldades entre os profissionais freelancers, os novos pára-quedistas e também aproveita-se a oportunidade para dirigir ataques certeiros contra os vilões: os novos patrões gananciosos que invadem o mercado. Ninguém se intimida com a presença de tantos "chefões" e tantas câmeras que transmitem tudo para um telão no auditório do evento. Todos querem aparecer e dizer algo novo. É sempre muito difícil. Mas o clima é festivo e as intervenções dos jornalistas não fogem à regra do meio: são sempre muito rápidas, meio inconseqüentes, mas muito divertidas. Em alguns momentos, até se parecem com as nossas baixarias televisivas. Os ânimos se aquecem com facilidade, mas todos procuram se comportar bem. Afinal, tudo é gravado para distribuição mundial.
Neste ano, o Newsworld está preocupado com o futuro. Segundo o último relatório produzido pelos institutos de pesquisas e universidades britânicas, com o título de "The news about the news" (As notícias sobre as notícias), os telespectadores estão perdendo interesse nos programas jornalísticos na TV. E isso acontece, apesar do surgimento de uma nova onda de programas considerados sensacionalistas e populares. Ou seja, mesmo baixando o nível, ou por causa disso, não foi possível reverter uma tendência mundial de diminuição de audiência para o jornalismo. É ainda mais assustador se considerarmos que a pesquisa reflete um dos países (a Inglaterra) com população altamente educada e politizada, e que conta com uma das melhores TVs do mundo.
Imagine essa mesma pesquisa em países como o Brasil. Não é à toa que não temos órgãos independentes de avaliação da nossa TV nem alternativas para um bom telejornalismo. Informação de qualidade sobre meios de comunicação de massa é uma arma poderosa contra os excessos do poder político e econômico em nossas emissoras.
As conclusões e recomendações dessa pesquisa encomendada pela Comissão Independente de TV da Inglaterra ao professor Ian Hargreaves, da Universidade de Cardiff, são extensas e meticulosas. Hargreaves alerta que o problema é ainda mais dramático entre os jovens. Eles se interessam cada vez menos pelos noticiários na TV e pela política em geral. Dedicam-se, no entanto, cada vez mais horas ao entretenimento e às novas tecnologias como a internet. O problema é tão grave para o futuro do telejornalismo e do próprio sistema democrático que o líder do governo no Parlamento, Robin Cook, decidiu participar dos debates do Newsworld este ano em busca de solu&ccccedil;ões urgentes para o problema.
A taxa de participação dos eleitores nas últimas eleições inglesas foi uma das mais baixas e a associação automática com o desinteresse pelas notícias na TV é inevitável. Não se mantém um regime democrático durante tantos anos somente com vagas promessas de campanha e com boas intenções no governo. Pesquisas científicas, debates regulares e soluções criativas podem ajudar muito, principalmente em relação ao futuro da democracia e da TV. Uma dessas soluções mais ousadas indica que talvez seja a hora de discutir um dos maiores preceitos e ao mesmo tempo uma das nossas maiores "ilusões" do jornalismo: a imparcialidade.
Não faltarão controvérsias num Mundo das Notícias em crise de identidade, de objetivos, com grandes dificuldades financeiras e com muitas dúvidas em relação ao seu próprio futuro. Assim como os executivos e jornalistas de TV, os organizadores do Newsworld 2002 também resolveram enfrentar de forma criativa as ameaças dos próximos anos. Pela primeira vez eles resolveram quebrar uma tradição de "panelinha" do evento e convocar a participação mais efetiva de jovens estudantes e professores de Jornalismo para buscar novas soluções para o telejornalismo durante os debates em Dublin. Com o título cinematográfico de "The next generation" (A próxima geração), os organizadores estão apostando numa proposta de renovação num Mundo das Notícias cada dia mais com cara de "Parque dos Dinosauros".
É nesse espaço de renovação que o telejornalismo universitário brasileiro participar do Newsworld 2002. A proposta é tentar contribuir para um debate menos preconceituoso e mais criativo sobre o futuro dos telejornais. Buscam-se soluções econômicas que atinjam o público mais jovem sem comprometer os velhos princípios éticos de qualidade jornalística, os quais sempre garantiram a credibilidade da profissão.
(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV da UERJ, professor de telejornalismo e doutorando em Ciência da Informação do convênio IBICT/UFRJ.
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