Edição: Beatriz Singer (com Dennis Barbosa)
COBERTURA DO IRAQUE
A próxima tentativa dos EUA de ganhar corações e mentes iraquianos esconde-se em um prédio de dois andares nos subúrbios de Washington. A única dica do que virá a ser a construção está em um letreiro na porta da frente que diz "notícias". Dentro, equipes trabalham sete dias por semana para terminar a construção de estúdios para o mais ambicioso projeto internacional de mídia patrocinado pelo governo americano desde o lançamento da Voz da América, em 1942.
Trata-se de al-Hurra (algo como "A Independente"), emissora de TV com notícias e entretenimento em língua árabe, que será transmitida via satélite para o Oriente Médio. De acordo com Jim Rutenberg [The New York Times, 17/12/03], a iniciativa visa a ser a resposta "justa e balanceada" dos EUA a canais como al-Jazira, acusada pela Casa Branca de propagar antiamericanismo na região do Golfo Pérsico.
Muitos intelectuais do Oriente Médio questionaram se o público-alvo da nova emissora, suspeito de tudo o que vêm dos EUA, a aceitaria, especialmente sabendo que a sede fica em solo americano. Mesmo que seja aceito, esses intelectuais duvidam que uma única emissora de televisão poderia ter impacto suficiente para justificar os U$S 62 milhões gastos apenas com o primeiro ano.
A equipe por trás de al-Hurra, estranha mistura de executivos de mídia americanos e jornalistas árabes veteranos, disse que a emissora será editorialmente independente. A par dos desafios, diz que se baseará nos melhores valores do jornalismo americano e apresentará a melhor chance até agora de aprofundar o entendimento dos EUA na região. O chamariz da emissora, de acordo com seus idealizadores, é sua conduta jornalística. "Em todos os jornais árabes, a seção de opinião é a primeira página", disse o libanês Mouafac Harb, ex-chefe da sucursal em Washington de um diário árabe que circula em Londres, al-Hayat, e que assumiu a função de diretor de jornalismo da nova emissora. "Criou-se uma cultura em que não se sabe a diferença entre notícia e opinião" no mundo árabe.
Al-Hurra será transmitida a toda a região do Oriente Médio a que é transmitida al-Jazira.
A já lendária fama de "reclamão" do governo americano em relação à cobertura da mídia no Iraque deve em breve se extinguir. E isso não se deve à captura de Saddam Hussein. A novidade é uma rede do Pentágono, a partir da Autoridade Provisional da Coalizão no Iraque, que dispõe a afiliadas locais, TVs a cabo e agências do governo, informações "sem os filtros" de outras emissoras.
Não se trata de uma nova emissora com programação regular, mas de um dispositivo via satélite que torna transmissões ao vivo disponíveis do centro de imprensa da coalizão no Iraque. Estações de TV ganharão acesso ao material diretamente, e as imagens serão exibidas no Pentágono. Segundo Christopher Marquis [The New York Times, 17/12/03], a C-Span demonstrou interesse, e pode receber o serviço de graça. Até agora nenhuma estação concordou em pagar pelo acesso.
A operação pode se dar em duas mãos, eventualmente. Assim, um repórter poderá entrevistar um comandante de divisão no Iraque. O programa também poderá enviar imagens e notícias de soldados americanos documentando a campanha no Iraque.
"O povo americano precisa ouvir boas notícias do Iraque para compensar as más notícias que recebem" dos meios de comunicação tradicionais, disse um funcionário do governo. Boas notícias como a abertura de uma clínica ou de uma escola "não são muito atraentes", disse, mas compensam as notícias de morte e destruição, que formam "um quadro geral muito desequilibrado".