MÍDIA ESPORTIVA
Antonio Carlos Teixeira (*)
E a corda arrebentou do lado mais fraco. Como se isso não fosse previsível. Na batalha judicial travada entre as TVs Globo e SBT pelos direitos de transmissão do Campeonato Paulista de 2003, o torcedor foi penalizado duplamente. O imblóglio se arrasta por quase um mês, numa sucessão de liminares em favor de ambas as emissoras. A Justiça, infelizmente, deu a deixa para que as duas partes iniciassem a disputa, ao conceder liminares à exaustão ? a última 24 horas antes da abertura do campeonato. Até os menos esclarecidos na área jurídica, como eu, sabem que liminar é uma decisão precária, de pouca duração. Num dia era o SBT o dono dos direitos de transmitir os jogos; noutro a Globo. A polêmica deixou o campo jurídico, coberto por tapetes vermelhos, e chegou aos gramados. Literalmente.
No sábado (25/1), duas horas antes do início da partida de abertura da competição, o SBT anunciou, por meio de nota oficial, que tinha conseguido derrubar outro recurso da TV Globo, até então "autorizada" a transmitir a competição. A comunicação foi feita no programa Falando Francamente, de Sônia Abrão. Confesso que vibrei. Nós, moramos em Brasília, tínhamos a partir daquele comunicado outra opção na grade de transmissão esportiva. Aqui, convém esclarecer, só se vêem jogos dos clubes do Rio de Janeiro. Overdose de Olarias, Friburguenses, Americanos. Nada contra o Campeonato Carioca, cujas equipes como Flamengo, Fluminense, Vasco e, principalmente, o Botafogo ajudaram a construir a imagem de respeito ao nosso futebol lá fora. Mas temos o direito de escolher o que queremos ver. As diferentes opções na programação das TVs são bem-vindas. Ainda mais no esporte.
Bem, depois desse breve parêntese, voltemos ao embate entre as duas maiores redes de TV do país. Sônia Abrão, dona de comentários superficiais e poucos contundentes, fez duras críticas à Globo, alegando que a emissora de Silvio Santos tinha, assim como a concorrente, o direito de transmitir grandes espetáculos. Outra nota, igualmente dura, foi lida pelo âncora esportivo do SBT Elia Júnior, minutos antes de a bola rolar em Santo André. Em ambas as intervenções, o SBT atacou o adversário. Quando todos achavam que a pendenga estava, enfim, encerrada, repentinamente surge o pior capítulo dessa triste novela. Desta vez, contudo, afetaria diretamente o torcedor.
As equipes da TV Globo estavam a postos nos estádios ? tanto em Santo André quanto em Marília, onde o Corinthians enfrentaria o time da casa, na segunda partida da rodada dupla. Foi aí que a cartolagem se uniu às TVs e ao judiciário. O criticado presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo José Farah, impôs sua mão de ferro e, num arroubo comum à maioria dos dirigentes de futebol, tentou fazer a vez de oficial de justiça, evitando que a Globo continuasse transmitindo o jogo Santos e Santo André. No intervalo da partida, chegou a ordem inusitada aos vestiários para que as equipes só retornassem ao campo depois que a Globo deixasse o estádio. E tome chá de cadeira (ou melhor, de concreto armado mesmo) nos torcedores.
Ginga e talento
Esse fato melancólico, por certo, irá ilustrar publicações futuras sobre fatos pitorescos ocorridos no futebol brasileiro. Pela primeira vez na história (pelo menos não há provas de que isso tenha existido), uma partida de futebol no Brasil teve seu intervalo ampliado para mais de meia-hora, a mando de um cartola. Estava assim fechado o duro golpe contra o torcedor, desferido ao mesmo tempo pelo judiciário, TVs e cartolas. O sr. Farah não aceitou que a Globo continuasse como o titã da história. Naquele momento, o cartola teria racionado desta forma: Se ela (Globo) é Deus, eu sou professor de Deus!
Não se sabe qual argumento utilizado pela TV Globo para entrar nos estádios e transmitir os jogos, mesmo com uma decisão judicial contrária. A emissora, por certo, alegará que não havia sido comunicada oficialmente sobre a decisão. O SBT também usou seus direitos, porque tinha em mãos uma nova liminar. A cartolagem procurou mostrar força. O judiciário não estava nem aí. Para um mesmo caso, adotou várias interpretações. A matemática é simples. Mar de liminares somado a mar de incompetência é igual a estádios vazios e torcedor desrespeitado.
E eu, na minha ingenuidade de torcedor, fico cá imaginando a razão de o judiciário ter levado adiante um processo, aparentemente, tão simples de ser solucionado. Ora, se realmente a TV Globo entregou com atraso sua proposta para transmitir o Campeonato Paulista deste ano, a decisão é límpida, serena, sem polêmica. Acabou. Venceu o prazo. Pronto. Não havia razões para essa enxurrada de liminares, que só atrapalhou o andamento de um campeonato que, por si só, se faz capenga. Mas o judiciário quis entrar em campo. E essa mistura é nitroglicerina pura. Danosa ao futebol.
Já não basta a incompetência dos cartolas, agora a mídia esportiva terá que abordar também a participação desastrosa do judiciário nas questões do futebol. Campanhas nesse sentido vão se somar às já existentes, todas pedindo a moralização do futebol: "Reforma do judiciário já" ou "Liminares nunca mais". E a pendenga, parece, não chegou ao fim naquele fatídico sábado. Quem ficará com os direitos de transmissão do Campeonato Paulista? Eu não sei. Você sabe, nobre observador? Fica apenas uma conclusão simplista, mas real: o futebol brasileiro só é ainda respeitado mundialmente graças à ginga e ao talento (nato ou adquirido) de nossos Pelé (o único), Garrinchas e Robinhos.
(*) Jornalista em Brasília