PUBLICIDADE NAZISTA
“As técnicas nazistas das agências de publicidade”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/03/03
“O escritor francês Frédéric Beigbeder cumpria uma brilhante carreira (redator de criação da agência Young & Rubicam, uma das gigantes da publicidade mundial, além de fundador de algumas publicações e colaborador de outras de renome) até as livrarias francesas receberem, em 2000, seu romance $ 29,99, uma crítica demolidora ao mundo publicitário.
?Coincidentemente, fui demitido da agência por falta grave?, conta Beigbeder em entrevista por e-mail ao Estado, a respeito da edição brasileira do livro, lançada recentemente pela Record ao preço sugestivo de R$ 29,99.
O romance conta a história de Octave, publicitário que trabalha em uma grande agência parisiense. Um emprego que lhe garante farto suprimento de dinheiro, mulheres e cocaína. Mais: lhe permite condicionar as vontades dos consumidores, instituindo modas e direcionando gostos. Apesar de tanto poder, Octave é um homem insatisfeito. Quer dar um passo maior, decisivo, definitivo. Como não tem coragem de pedir demissão (o salário é alto demais para simplesmente ser dispensado), ele escreve um livro sobre o meio publicitário, uma obra tão forte e crítica que, espera, obrigue seus patrões a mandá-lo para a rua.
Surge $ 29,99, mas Octave tem um destino pior que a esperada demissão: acaba na prisão. E não por causa do livro, como o leitor poderá perceber. Até chegar a esse ponto, Beigbeder apresenta uma visão arrasadora do meio publicitário, cujas técnicas de persuasão compara às utilizadas pelos nazistas – um controle indiscriminado da vontade das pessoas, determinando seus desejos e aversões. ?E acrescento que certos publicitários têm atitudes racistas e totalitárias.?
O escritor foi apenas demitido, mas soube utilizar o próprio meio que execrava para promover sua obra: depois de uma pesada campanha publicitária, $ 29,99 chegou às livrarias francesas e vendeu em poucos dias mais de 350 mil exemplares. ?O livro é a radiografia de uma atividade que é o louco motor da sociedade de consumo?, escreve Antônio Torres, no prefácio. ?Ou mais: o antianúncio do capitalismo na passagem dos 99 para os 00.?
Frédéric Beigbeder arrancou elogios de outros iconoclastas de plantão, como o escritor Michel Houellebecq, cuja receita literária é unir todas as inquietações humanas em um só caldeirão: a solidão, a incapacidade de amar, os prazeres e a frustração do sexo, a aversão e a dedicação extremada ao trabalho, tudo filtrado por uma visão sombria da sociedade.
A admiração é recíproca, mas, como bom publicitário, Beigbeder conseguiu atrair mais simpatia de seu público que Houellebecq, atacado tanto por muçulmanos como por moralistas por suas obras barulhentas e de qualidade duvidosa . ?Seu naturalismo depressivo, porém, me toca muito?, confessa Beigbeder, como mostra na entrevista a seguir:
Estado – Diversos autores (Raymond Carver, Don DeLillo, Salman Rushdie) iniciaram sua carreira na publicidade e, talvez por isso, adoram frases curtas, aforismos. Você também transitou pela crítica literária, além de ser um autor. Até que ponto essas atividades paralelas influenciaram a formação de seu estilo?
Frédéric Beigbeder – Fui demitido de minha função como publicitário quando do lançamento de $ 29,99. O motivo alegado foi ?falta grave?. Simplesmente porque eu disse a verdade sobre minha profissão. Assim, não exerço mais essa função, mas continuo a criticar os livros dos outros. Isso advém de uma curiosidade indispensável (acredito) ao trabalho de escritor. Sobre o estilo, é verdade que a publicidade foi decisiva quanto à forma de $ 29,99: slogans, fórmulas que pipocam, falsidades publicitárias que transbordam no romance. Busquei mostrar como a publicidade influencia nossa forma de viver, mas transforma também nossa forma de ler e escrever.
Estado – Qual é sua proximidade com Octave?
Beigbeder – Eu o adoro porque ele é mais louco, perigoso e cínico do que eu. Ele me fascina e me enoja ao mesmo tempo. Digamos que Octave é o homem em que quase me tornei…
Estado – $ 29,99 é um relato contra os atos dos publicitários (sua maneira de falar, trabalhar, sua ideologia), que você compara com os dos nazistas. Por conta disso, anuncia que o amor entre duas pessoas não poderá durar mais do que três anos. Você acredita realmente nisso?
Beigbeder – Nunca disse que os publicitários são nazistas, mas que as técnicas de propaganda utilizadas por eles foram inventadas pelos nazistas. É um fato histórico indiscutível. E eu acrescento que certos publicitários têm reflexos racistas e totalitários (o desprezo pelos consumidores, o gosto do poder sobre as massas), que nos provoca arrepio nas costas. Sim, sei que é perigoso confiar na influência desses cretinos cínicos que não pensam em outra coisa que dinheiro. E sim, acredito que infelizmente, dentro da sociedade atual (civilização do desejo, hiperconsumismo, comercialização dos corpos, etc.), o amor não poderá durar mais que três anos. E já será muito tempo!
Michel Houellebecq elogiou a ficção prospectiva de Beigbeder
Estado – O livro pode ser censurado?
Beigbeder – Sim, pois ataco nominalmente marcas poderosas, mas isso ainda não aconteceu pois os advogados dessas empresas aconselharam seus clientes a não reagir para não chamar a atenção da mídia.
Estado – Michel Houellebecq, em um texto publicado no Le Nouvel Observateur, comenta sobre sua demissão e sua livre ?autoficção prospectiva?. Esta análise vem de encontro com suas preocupações literárias?
Beigbeder – Sem dúvida. Não tenho nenhuma imaginação. Meus livros são sobre experiências próprias e o mundo no qual eu vivo. Sou minha própria cobaia! Adoro observar as conseqüências que meus livros provocam em minha vida.
Estado – A forma do romance é mesmo particular, pois cada capítulo corresponde a um pronome pessoal. Por quê? E por que a omissão do pronome ?ela??
Beigbeder – A idéia era partir de um indivíduo (?eu?) e se distanciar progressivamente, observando-o sob todos os ângulos (?você?, ?ele?, ?nós?), até, finalmente, fazer o leitor questionar a si mesmo: Octave não é um desconhecido, Octave é você, somos nós, são eles, é a nossa sociedade que fabrica homens como ele. E não utilizei o gênero feminino porque o protagonista é do sexo masculino.
Estado – Você é como o herói de seu romance, ou seja, um pecador que se arrepende?
Beigbeder – Um pecador que se arrepende: eis uma excelente definição. Considero $ 29,99 como uma confissão. (Irônico) Desejo que o leitor me perdoe. Aliás, gosto muito de inspirar a piedade, a compaixão. São valores mais humanos que a inveja e o ódio.
Estado – Você acredita, como propõe ironicamente no livro, que a criação literária logo será objeto de encartes publicitários?
Beigbeder – Infelizmente, já é o caso: meu livro foi ultrapassado pela realidade.
Estado – Quais são suas referências literárias?
Beigbeder – Admiro enormemente Michel Houellebecq: seu naturalismo depressivo me toca muito. Sua poesia, igualmente. Por outro lado, li muito os escritores americanos. Eles são demasiadamente críticos em relação a seu país e sua ideologia capitalista. Penso em Chuck Pahlaniuk, Bret Easton Ellis, Don DeLillo. Um autor inglês também muito me influencia por seu olhar aterrorizante sobre o mundo atual: trata-se de J.G. Ballard, autor de Crash.”
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“Escritor torna-se vítima e legitima críticas aos colegas”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/03/03
“Ao ser demitido de um confortável emprego em uma grande agência publicitária e de acompanhar o silêncio das empresas que ataca em seu livro, evitando dar mais publicidade à obra, Frédéric Beigbeder conseguiu o queria: legitimar as críticas ao meio publicitário que se espalham por $ 29,99. Com isso, de algoz tornou-se vítima. E, de quebra, conquistou a simpatia do público, que se delicia com o retrato dilacerante dos publicitários e ri até da sua própria condição bovina, que tudo aceita sem contestação.
Beigbeder usa e abusa da persuasão publicitária, deixando-nos, como observa Antônio Torres no prefácio, convencidos de que ele é ou foi do ramo. ?Seu texto é frenético: você chega ao ponto final com a sensação de ter lido todas as páginas em apenas 30 segundos. O tempo de um anúncio televisivo.?
A comparação é pertinente, uma vez que a leitura dilui na mente, apagando-se em pouco tempo. O que sobra, portanto? O humor, que só é corrosivo pois destrói as aparências e revela a verdadeira condição de cada personagem.
Todos, em $ 29,99, interpretam um papel muito distante da realidade, uma situação muito semelhante ao que se acompanha nos programas de ficção apresentados pela televisão. Um mundo tão cheio de glamour que as máscaras só caem em situações excepcionais e sempre marcadas por uma pitada de humor.
A história de Frédéric Beigbeder é semelhante à de Michel Houellebecq, ou seja, a de um cara que queria se tornar um mito. O problema é que, se seu amigo veio de uma família mal estruturada, que em pouco tempo se despedaçou e influenciou seu estilo agressivo, Beigbeder teve uma infância feliz e sempre foi um vencedor, alcançando sucesso na carreira publicitária e conseguindo espaço nos meios literários, chegando a ser colaborar da revista Lire, especializada em literatura.
$ 29,99 desponta, portanto, como mais uma jogada de quem não se acostuma a viver longe do brilho e do centro das atenções. É evidente a tentativa de repetir Bret Easton Ellis que, com Abaixo de Zero, foi nomeado porta-voz de uma geração, e cuja escrita inspirada na linguagem de videoclipe fascina o escritor francês. Ele a utiliza, porém, de forma seca que, com uma pitada de humor e uma pitada de moda, consegue fazer com que $ 29,99 valha um pouco mais.”
DIPLOMA EM XEQUE
“Sindicatos listam jornalistas sem diploma”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/03/03
“Os sindicatos de Minas Gerais e São Paulo estão, aos poucos, divulgando listas com nomes de pessoas que obtiveram o registro profissional de jornalista precário. A iniciativa faz parte de uma decisão tomada pela maioria das entidades do país, que se reuniram em São Paulo nos dias 07/02 e 08/02. O SJPMG divulgou nesta sexta-feira (07/02) uma lista com 1100 nomes em seu site. Já o SJPSP avisou que 250 nomes estarão na próxima edição do Jornal Unidade, que tem 7000 exemplares. ?Estamos apenas tornando público o que tem a ver com uma profissão pública. Isso não é diferente da publicação de um expediente de jornal, por exemplo?, disse Fred Ghedini, presidente do SJPSP.
De acordo com o presidente do SJPMG, Aloízio Lopes, a decisão não é discriminatória. ?Não temos preconceito contra estas pessoas. Apenas nos opomos à decisão da juíza Carla Rister. Para nós, isso foi inconstitucional?, declara. Ele diz que a idéia é fazer com que a categoria e empresários de comunicação saibam quem possui o registro precário. ?Ter este registro não significa que a pessoa tenha capacidade de atuar na profissão. Claro que existem exceções?. O sindicato mineiro vai enviar a lista para as principais redações do Estado.
?Não se trata de perseguição?, afirma Ghedini. ?Os sindicatos não estão em guerra contra estas pessoas. Estamos contestando e queremos derrubar essa decisão. Vamos fazer o possível para que essa precariedade seja breve?, continua
Em cada edição do Jornal Unidade, o SJPSP vai publicar 250 nomes de pessoas que conseguiram o registro precário.”