Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um caso de esquizofrenia noticiosa

 

EFEMÉRIDES & SURPRESAS

Alberto Dines

As edições dos jornalões nacionais de quinta-feira, 12/9, merecem uma reflexão. Estavam todos preparados para oferecer ampla cobertura das solenidades do primeiro aniversário do massacre de Nova York e Washington (que marcou o início efetivo do novo século) quando no mesmo dia, 11/9, iniciou-se o motim no presídio Bangu 1 (embora menos sangrento, confirmou a insurreição do narcotráfico no Rio de Janeiro).

Como equilibrar duas coberturas igualmente marcantes? De que maneira é possível envolver o leitor simultaneamente na esfera local e mundial? Ou são excludentes?

Primeira constatação: a manufatura de nossos principais jornais é geralmente improvisada ou, quando não, rigidamente engessada. Não há meio termo.

A Folha de S.Paulo concentrou no alto da sua primeira página o noticiário sobre o motim no presídio de segurança máxima do Rio, preocupada com as suas implicações institucionais, políticas e eleitorais: "Beira-Mar elimina rivais em Bangu 1; medo pára bairros".

O primeiro aniversário dos atentados terroristas nos EUA foi relegado à parte inferior da primeira. Já passou, não é novidade (mas no domingo anterior, quatro dias antes, o jornal jogou-se inteiramente na rememoração).

O Estado de S.Paulo, por vocação e tradição mais atento às questões internacionais, dedicou praticamente todo o alto da primeira página aos atentados e seus desdobramentos na conjuntura atual: "Bush: ?Vamos vencer a guerra contra o terror?".

Sobrou para a rebelião e o pânico no Rio um cantinho acima da dobra ? para não irritar os leitores cariocas.

O Globo e o Jornal do Brasil seguiram o modelito de jornalismo local: escancararam o noticiário policial e relegaram a lembrança do terrorismo aos confins inferiores da primeira página.

Segunda constatação: ainda não desenvolvemos uma imprensa efetivamente nacional. Temos, sim, jornais regionais com alguma expressão além das áreas onde operam. Dos quatro jornalões nacionais, dois deles carregam o nome do estado de origem no título. Nada demais se a denominação fosse contornada por uma atitude ou vocação verdadeiramente federal (caso do New York Times ou mesmo do Washington Post). O mesmo dá-se com os quatro semanários, ainda que não ostentem títulos geográficos: são eminentemente paulistanos.

Terceira constatação: apesar dos manuais, constantes redesenhos e custosas consultorias internacionais, nossos jornais só conseguem empenhar-se num assunto de cada vez. São unidirecionais. Devotos da segmentação. Racham a cabeça dos leitores com opções excludentes, como se um leitor preocupado com o poder paralelo do narcotráfico também não devesse preocupar-se com o novo estágio do terrorismo internacional.

Esta é a questão: na era da internet e da TV por satélite em que a massa de informações converte o leitor em seu próprio editor, nossos principais jornais não conseguem oferecer-lhe uma pauta equilibrada, polivalente, multidirecionada e uma visão ampla do que está acontecendo nos diferentes níveis de interesse.

Ao contrário dos meios eletrônicos que transcorrem na dimensão temporal e os assuntos rolam uns atrás dos outros, no jornal ? espacial por natureza ? os principais assuntos devem ser exibidos conjuntamente de modo a oferecer uma panorâmica do que aconteceu.

Como isso exige muito senso de equilíbrio e capacidade de decisão, os nossos grandes tendem para a opção monobloco e monotemática com as indispensáveis apelações e ênfases. O sensacionalismo não é apenas um estilo imoderado de fazer jornalismo, é ao mesmo tempo a exibição de uma incapacidade de produzir nuances.

O pior da manifestação de esquizofrenia jornalística da semana passada é que os dois assuntos aparentemente tão díspares e distantes são na realidade partes de um mesmo tema: o uso do terror na sociedade moderna.

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