Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um espa&ccccedil;o ignorado dos jornais

PÁGINAS OPINIÃO

Antônio Lemos Augusto (*)

O brasileiro deveria utilizar mais os meios possíveis para demonstrar sua opinião sobre o dia-a-dia do nosso país. Deveria inundar as páginas de Opinião dos jornais em todo o Brasil, apontando o que pensa e fomentando um debate fértil sobre a nossa conjuntura, a nossa realidade. São mais de 300 veículos impressos diariamente no Brasil que recebem menos correspondência do que deveriam sobre os problemas que afligem a sociedade nacional.

Todo veículo de comunicação tem, como preceito, a prestação de um serviço social. Dentro deste preceito, estão as páginas de Opinião, que ? como tradição ? devem estampar o que pensam os leitores, independentemente da linha editorial do veículo. Digamos que seja um princípio democrático, aberto para que o brasileiro se expresse diretamente a outros leitores. Algo como uma referência ao poderoso artigo 5? da Constituição Federal brasileira, que garante o direito à expressão, à liberdade de comunicação e demais princípios de cidadania que, para alcançarem as páginas da legislação, necessitaram de séculos de luta.

Um dos principais teóricos da atualidade em comunicação de massa e ética, o francês Claude-Jean Bertrand, em seu livro A deontologia das mídias, aborda o tema. O livro foi editado no Brasil com o apoio do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Diz Bertrand: "Uma função primordial da mídia é fornecer um ‘fórum’. Numa democracia, todos os grupos devem poder exprimir-se". Para ele, a garantia da existência do fórum é justamente a veiculação de "pontos de vista opostos sobre as questões importantes".

Somos um povo pouco alfabetizado, um limite claro à liberdade de expressão. Conforme o Ministério da Educação (MEC), de cada 1 mil alunos que ingressam no 1? ano primário, apenas 43 concluem o 1? grau no prazo mínimo de oito anos. Nesses oito anos, outros 235 terão abandonado a escola e 722 estarão atrasados nos estudos. Em 16 anos, o dobro de tempo necessário para se concluir o 1? grau, a taxa de conclusão terá chegado apenas a 60%.

A Organização das Nações Unidas (ONU) é clara em seu postulado, que garante ao cidadão o direito de buscar, em qualquer meio, a manifestação de seu pensamento, o que hoje significaria opinar sobre racionamento de energia, administração estadual, seleção brasileira ou o que mais estivesse incomodando ao leitor. Diz a ONU: "Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser incomodado por suas opiniões e o direito de procurar, de receber e de difundir, sem consideração de fronteira, as informações e as idéias por qualquer que seja o meio de expressão."

Falta a cara do leitor

Acredito que os endereços das páginas de Opinião dos jornais deveriam ser sempre usados em textos coadjuvantes a atos de insatisfação. Você foi à companhia energética e descobriu que a sua média de consumo para racionamento está equivocada, mas não foi corrigida? Além de reclamar na Justiça, mande uma carta aos jornais. Você percebeu que a prefeitura nunca se lembrou da iluminação pública de sua rua, embora os moradores estejam com o IPTU em dia? Escreva aos jornais. Você não entende como o governo do seu estado aborda tanto a pujança da economia e, no entanto, a escola estadual do seu filho está caindo aos pedaços? Relate aos jornais.

Na verdade, o pouco acesso do leitor ao setor de Opinião dos jornais também é um reflexo da irrisória circulação dos veículos impressos no país. O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal informa os seguintes dados:

1. A tiragem diária de jornais no Brasil é de apenas 3,6 milhões, para uma população de 170 milhões, tendo caído no ano de 98 para 99;

2. Existem apenas 338 jornais diários, num universo de mais de 5 mil municípios;

3. Dos dez diários com tiragem superior a 100 mil exemplares, sete estão no eixo Rio-São Paulo;

4. Cerca de 90% dos brasileiros não lêem regularmente jornais, revistas ou livros;

5. O Brasil detém uma taxa de leitores de jornais inferior à da Bolívia: apenas 27 exemplares para cada grupo de mil leitores, quando no país andino é 30 por mil.

O que se percebe é que os jornais precisam ter mais a cara do leitor, facilitando o acesso do cidadão ao meio de comunicação e, assim, difundindo idéias e debates também entre o seu público consumidor. O cidadão brasileiro está acostumado a não ser ouvido nos órgãos públicos. Constantemente apanha do Judiciário, do Executivo e do Legislativo. O propalado Quarto Poder precisa então abrir os braços e se assumir como fórum social. Caso contrário, continuará amargando as vendagens baixas em todo o país.

(*) Jornalista em Cuiabá, coordenador do boletim Imprensa Ética; email: <arlaarla@terra.com.br>