REVISTA PESQUISA
Muniz Sodré (*)
A revista Pesquisa ? ciência e tecnologia no Brasil, editada mensalmente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) vem-se revelando como uma das melhores, senão a melhor publicação do gênero em nosso país. Quem se der ao trabalho de examinar a sua seção de cartas, ou então de simplesmente de pesquisar junto a leitores da comunidade acadêmica, vai certamente se deparar com uma opinião comum por parte de professores e pesquisadores relativa à relevância das informações e à qualidade editorial e gráfica. Tudo isto é ainda mais auspicioso, quando se leva em conta, segundo informação da própria Pesquisa, que a participação nacional na produção científica mundial passou de 0,6% no período 1988-92 para 1,44% em 2000, o que indica um crescimento extraordinário do sistema brasileiro de ciência e tecnologia.
Mas também se der ao trabalho de pesquisar a revista vai poder constatar que a quase totalidade dessa produção científica provém de instituições ou de universidades públicas. Basta folhear sem maior apuro os dois últimos números (dezembro de 2003 e janeiro de 2004) para se inteirar, por exemplo, que já está em vias de ser implantada uma Rede de Biossegurança da Embrapa destinada a avaliar o impacto sobre o meio ambiente e a segurança alimentar dos primeiros organismos geneticamente modificados (OGM) plantados no Brasil: mamão, feijão e batata. Informa a publicação: "Integram a rede 120 pesquisadores vinculados a 12 dos 40 centros de pesquisa da empresa, além de cinco universidades: as federais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Fluminense, Viçosa e a da Bahia, além das universidades de Brasília, de Feira de Santana, Estadual de Campinas (Unicamp) e Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em Jaboticabal".
Lista longa
Tomando apenas como exemplo a revista de dezembro de 2003, vale a pena listar descobertas recentes e pesquisas em curso, sempre com os seus lugares de realização:
a) Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a farmacêutica Rosário Hirata identificou recentemente em brasileiros duas variações no gene responsável pela produção do hormônio leptina que favorecem o desenvolvimento da obesidade e podem servir como indicadores da propensão de cada indivíduo de ganhar peso;
b) Vilma Regina Martins, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em conjunto com especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriu que a forma normal do príon ? abreviação da partícula infecciosa proteinácea ? participa de uma série de processos essenciais à vida. O trabalho dessa farmacêutica-bioquímica ganha grande relevo internacional por causa do alcance das epilepsias humanas, que atingem cerca de 50 milhões de pessoas no mundo;
c) Nanotubos são tubos microscópicos, cuja espessura é milhares de vezes menor que a de um fio de cabelo: têm alguns bilionésimos de metro ou nanômetros. Na prática, ainda não se conseguiu que preservem a capacidade de transportar eletricidade quando depositados sobre uma superfície, propriedade fundamental para tornar possível seu uso industrial. Mas a solução para o problema parece estar próxima, graças ao trabalho em curso de Walter Orellana e Adalberto Fazzio, da USP, e Roberto Hiroki Miwa, da Universidade Federal de Uberlândia;
d) O crítico e professor Ismail Xavier (USP) faz uma magistral análise do diálogo do cinema brasileiro com o teatro de Nelson Rodrigues.
A lista é longa, na verdade. De nada adianta estendê-la de modo tão resumido, uma vez que os interessados podem acessar o texto da revista via internet <www.revistapesquisa.fapesp.br>) ou então assiná-la.
Sentido pleno
Por que então os exemplos assinalados? Apenas para indicar que, do mesmo modo que todos os outros ao longo das muitas publicações, as pesquisas responsáveis pelo crescimento da produção científica no Brasil, predominantemente no campo das ciências exatas e naturais, mas também no das ciências sociais e humanas (este último, aliás, bastante valorizado pela editora da revista, jornalista Mariluce Moura), procedem de universidades públicas federais e estaduais, quando não da Pontifícia Universidade Católica ou de institutos financiados pelo Estado.
Este é um dado de extraordinária importância no momento em que começam a aparecer na imprensa as primeiras especulações sobre a reforma da universidade. Pela grande imprensa do Centro-Sul ninguém fica informado sobre a produtividade universitária. O que se vêem são os faits-divers sobre greves por melhores salários e melhores condições de trabalho ou então as apressadas lucubrações sobre o ensino universitário que, para a mentalidade neoliberal, deveria atrelar-se por inteiro aos interesses do mercado. Não se lê em jornal nenhum que instituições privadas, com raras exceções, não costumam fazer pesquisas nem dar grande atenção à formação acadêmica de seus professores.
A revista Pesquisa impõe-se, assim, como uma das melhores coisas recentemente surgidas no panorama da informação brasileira. Por meio dela, simplesmente folheando-a, qualquer leigo pode tomar contato com o restabelecimento da verdade histórica quanto ao papel do ensino e da pesquisa nas instituições públicas, que vêm sendo barbarizadas do governo Collor para cá, com especial tônica para o governo FHC, cujo ministro da Educação contava, entretanto, com diligente assessoria de imprensa ou de relações públicas. Os que acham que o papel da universidade é formar magotes de jovens para um mercado deles sequioso, deveriam prestar atenção à revista Pesquisa. Com ela, a função jornalística ganha de fato sentido pleno.
(*) Jornalista, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro