CULPA DA IMPRENSA
Chico Bruno (*)
Se no futebol, quase sempre, aos árbitros são atribuídas as derrotas, na política todas as mazelas de seus principais atores são atribuídas a imprensa. Sempre sobra para os jornalistas. Mudam os hóspedes do Poder, mas não muda a cantilena.
Os políticos viajam na maionese, derrapam nas atitudes e imediatamente creditam seus tropeços a imprensa. É comum a utilização dos verbos distorcer e manipular para justificar atos impensados, discursos mal elaborados, causas perdidas e etc.
Os últimos dias foram marcados por tal comportamento, em episódios estrelados pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), presidente da Câmara dos Deputados, pela deputada Alice Portugal (PC do B-BA) e, finalmente, pelo dirigente dos sem-terra João Pedro Stédile.
O presidente da Câmara, deputado João Paulo, chamou a Polícia Militar do Distrito Federal para garantir a ordem no Congresso Nacional, ameaçado de invasão por servidores públicos descontentes com a reforma da previdência. O ato do presidente foi tomado de comum acordo com a Mesa Diretora da Casa e a anuência de todos os líderes partidários.
A imprensa noticiou o fato como manda o figurino. No dia seguinte, o presidente da Câmara, arrependido pela repercussão da ordem, abriu o berreiro, como qualquer recém-nascido que clama pelo seio materno, escorando-se na velha e surrada tática de afirmar que a imprensa distorceu os fatos. Isso é fruto de uma chaga que assola a política brasileira há muitas décadas, a hipocrisia.
Aliás, a hipocrisia é hóspede ilustre do Congresso Nacional. Basta retroceder ao início dos anos 90, quando a casa, a título de dar satisfação à opinião pública, escolheu algumas cabeças para serem imoladas, no escândalo dos chamados Anões do Orçamento. Outros episódios de hipocrisia acontecem diariamente na política. Um deles é o sujeito se aposentar aos 51 anos, e não concordar que servidoras públicas se aposentem aos 48. O atual governo, infelizmente, tem casos desse tipo. Hipocrisia é achar que o para alguns é privilégio para outros é prerrogativa do cargo. Também é fácil encontrar tais situações no atual governo.
Quem utilizou recentemente o verbo manipular foi a deputada Alice Portugal, ao atacar a reforma da previdência proposta pelo Executivo, já devidamente retalhada e emendada pelos pares que apóiam o governo Lula, numa tentativa de satisfazer o Judiciário. A deputada baiana denunciou setores da imprensa brasileira de manipular informações da Previdência em favor do projeto governista. Em seu libelo, acusou a imprensa de leviana, parcial e desonesta.
Fórmula mágica
Agora vem o dirigente dos sem-terra João Pedro Stédile e acusa a imprensa de manipular e distorcer suas palavras com má intenção. Vale ressaltar que os trechos publicados pela imprensa não foram fruto de anotação do repórter infiltrado na reunião. Reunião na qual a participação da imprensa foi vedada, daí o jornalista estar infiltrado. Os trechos publicados das declarações de Stédile estão registrados em fita magnética gravada de seu discurso. Foram divulgadas pelas emissoras de rádio e televisão. Sua voz é inconfundível. Mas o dirigente insiste em negar. Solicita ao Ministério Público um grotesco pedido de análise da gravação para comprovar sua veracidade. Tenta transmitir à opinião pública que a gravação foi forjada.
Melhor saída encontrou o secretário nacional da Pesca, José Frischt, um dos fundadores do MST, ao declarar que o “companheiro” João Pedro discursa fazendo parábolas, uma desculpa que está envelhecendo, pois tem sido muito usada para justificar discursos improvisados do presidente. Pelo menos o ex-prefeito de Chapecó preferiu esta esfarrapada saída, em vez de usar a imprensa como remédio para as mazelas de Stédile.
Vale a pena deixar claro que a imprensa comete seus deslizes, afinal ninguém é perfeito. Casos de distorção, manipulação, má-interpretação ou o que seja são cometidos pela mídia. Não dá para tapar o Sol com a peneira. Mas são minoria.
Esse hábito de culpar sempre a imprensa está se tornando corriqueiro entre os políticos, principalmente aqueles que cultuam a hipocrisia como forma de exercitar a política. Está ficando tão constante que em breve faltará óleo de peroba para lustrar as caras de pau que pululam, infelizmente, na política brasileira.
A imprensa que se cuide. Pelo andar da carruagem dos últimos acontecimentos, tem muito político que vai continuar receitando, como fórmula mágica para seus males, o remédio que atende pelo nome genérico de Imprensa.
(*) Jornalista