HORÁRIO ELEITORAL
Luiz Weis (*)
O compromisso primário do jornalismo é com a verdade dos fatos. O compromisso primário da publicidade é com a verdade dos anunciantes. Por causa dessa diferença, jornalistas em geral têm surtos de urticária quando ouvem falar em propaganda e consideram a palavra o outro nome da mentira.
Quando a mercadoria que a propaganda procura vender são candidatos a cargos eletivos, aí então o pessoal desanda: esbanja nas críticas e economiza nas idéias. Fica parecendo que todas as acusações da imprensa ao horário eleitoral são procedentes.
A idéia por trás dessa atitude extremada é arquiconhecida: dispostos a tudo para tomar o voto do incauto cidadão, os políticos fazem promessas que sabem que não conseguirão cumprir, destroçam a realidade (se forem da oposição) ou a enchem de botox e de silicone (se forem da situação), socam-se uns aos outros abaixo da linha da cintura, enquanto os seus marqueteiros alugam figuras populares para que digam que os seus clientes são o máximo, inventam músicas que pegam e produzem efeitos especiais que fraudam. Enfim, a propaganda eleitoral é uma espécie de crime continuado de lesa-democracia.
Na opinião deste observador, isso está mais perto do erro do que do acerto.
Primeiro, porque não se pode julgar em bloco ? e nivelar pelo fundo do poço ? o que aparece no horário impropriamente chamado gratuito, ocupado por seis candidatos a presidente da República, mais de uma centena de candidatos a governador e a senador e, nas migalhas de tempo que sobra para cada um, por milhares de candidatos a deputado federal e estadual ? um bom número deles, de fato, tipos deploráveis, ou lombrosianos.
Segundo, porque o Brasil não é o mesmo desde que, em janeiro de 1985, o último dos generais da ditadura se escafedeu pela porta dos fundos do Planalto para não dar posse ao primeiro civil a subir a rampa do palácio em 24 anos. Ao longo desse período, o país teve cinco eleições para prefeito e vereador; quatro para senador e deputados; e três para presidente ? sempre com o tal de palanque eletrônico ligado a plena carga.
Terceiro, porque, com tanta televisão e tanta votação, o povo ficou mais esperto para as espertezas dos políticos.
Lá pelo fim dos anos 80, o então senador Mario Covas defendia a idéia de que o horário eleitoral devia ser expurgado de tudo o que não fosse as pessoas dos candidatos, falando ao vivo com o eleitor. Ele temia a publicidade enganosa dos efeitos especiais e se horrorizava com os custos (que sabia que iriam chegar à estratosfera) de produção das versões para o rádio e TV dos verdadeiros programas de auditório em que se haviam transformados os bons e velhos comícios da República de 1946.
Nisso tinha absoluta razão: para os candidatos a postos majoritários nada mais caro ? portanto, nada mais desfavorável à igualdade de oportunidades eleitorais ? do que a propaganda na mídia eletrônica.
O olho do eleitor
No entanto, mesmo que ela fosse tolhida pela mais espartana das camisas-de força ? exibindo uma pobreza de eremita que, entre os espectadores, só não afugentaria a irrisória porcentagem irremediavelmente viciada em política ? nada impediria os candidatos de contar as lorotas que quisessem.
Ocorre que, ao contrário do que se supõe, algo os impede, sim ? e isso não tem a ver com o modelo da propaganda que vai ao ar. O que inibe o suposto pendor para a enganação que, segundo os céticos, estaria no DNA de todo político é o olho do eleitor.
A quase onipresença da TV no cotidiano do país, década após década, ensinou o povão a separar fantasia e realidade: novela é novela, notícia é notícia. Em matéria de capacidade de decodificação de conteúdos, como se diz em comuniquês, o brasileiro não perde para povo nenhum.
Quando, por exemplo, o programa de um candidato apresenta uma réplica de telejornal, como o Boa tarde, Brasil, de José Serra, não há quem não perceba que se trata de uma simulação. Nem ela pretende ludibriar quem quer que seja. O programa apenas se vale de um recurso que procura tornar mais eficaz a comunicação, porque o formato é conhecido ? e atraente. É um jogo limpo para quem faz e para quem assiste.
No domingo (1/9), o apresentador Boris Casoy escreveu na na Folha de S.Paulo: “Hoje quem está na tela não é o candidato. É o marqueteiro que se incorpora ao candidato; é uma espécie de encosto de aluguel. Muitos dos postulantes apenas emprestam o corpo. Fala o marqueteiro. Falanges de redatores preparam textos que supostamente o momento demanda. Eles são interpretados com cuidado teatral em teleprompters, sob luz estudada e muita maquiagem”.
O texto é bom, mas a pensata simplifica demais as coisas. A verdade é que nenhum marqueteiro que vale a sua paga se imagina no papel de ventríloquo de um candidato sério, ou cujas pretensões mereçam ser levadas a sério ? o que se aplica a pelo menos três dos presidenciáveis.
Não há força humana capaz de eleger um candidato a presidente ou a governador que se pretenda moderno e só saiba declamar as falas que os seus redatores prepararam e os técnicos puseram no teleprompter. Não é assim que as coisas funcionam. E por isso mesmo, o horário eleitoral mais ajuda do que atrapalha o eleitor.
Imaginar o contrário é subestimar o seu traquejo para filtrar o que lhe é dado ver e ouvir. Isso obviamente não significa que esse eleitor “votará certo”. Mas tampouco significa que a propaganda eleitoral é um engodo de ponta a ponta ? ou, muito menos, “um lixo”.
(*) Jornalista