Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um jornal a serviço do mercado

LEITURAS DA FOLHA

Marcelo Salles (*)

Em 27 de julho, a Folha de S.Paulo destacou em sua manchete de primeira página: “Crise do emprego piora no governo Lula”. No terceiro parágrafo do texto, o recorrente apelo à figura do especialista, aquele que, supõe-se, entende mais do que os outros: “Segundo eles [especialistas], o mercado de trabalho se deteriora desde 1998 devido a crises internas e externas.” E ponto. Da maneira como a questão foi colocada, induz-se o leitor a acreditar que esta opinião é definitiva sobre o tema em questão.

Poderia dizer aqui que nenhum assunto pode ser esgotado, mesmo por aqueles que mais estudaram e pesquisaram. Teorias “definitivas” vivem sendo substituídas de tempos em tempos. Mas não entrarei neste campo: pretendo restringir estas breves palavras à análise da superficialidade em que se sustenta esta matéria da Folha, bem como da subseção criada nas páginas dedicadas ao Brasil, intitulada “Trabalho em farrapos”.

Metade do espaço do primeiro caderno (10 das 20 páginas que o constituem) daquela edição foi dedicada à questão do desemprego. Sempre acompanhados de manchetes pomposas (como “Crise do emprego se agrava na gestão Lula”) e gráficos encantadores, os textos não apontam as raízes desta mazela que assola o Brasil. Em nenhuma das 10 páginas é levantado o óbvio: o brasileiro não acha emprego porque sucessivos governos adotaram a política neoliberal ? a maneira encontrada pelo sistema imperialista de manter o controle sobre o país desde a ditadura, só que agora sob um manto de ilusão democrática. E, aos neoliberais, não interessa investir em atividades produtivas (que geram empregos); eles preferem especular.

A serviço do Brasil

O exemplo da Folha se estende aos demais veículos da mídia grande. Todos eles estão presos a este modelo. Por isso, não o trazem para as manchetes. Muito pelo contrário, fazem de tudo para escondê-lo. A Argentina quebrou no ano passado justamente porque aderiu aos ditames neoliberais. E essa relação óbvia (adesão a um modelo/quebra da economia) foi escamoteada ao máximo por nossos jornais e TVs. Enquanto isso, nem uma linha sobre a Malásia que, em 1997, apenas um ano depois de romper com o FMI, passou a crescer 7% ao ano. Ou sobre a China, que cresce perto de 10% ao ano sem permitir que o dólar se sobreponha à moeda local.

A lógica de produção de notícias da Folha também obedece às regras neoliberais, embora esta publicação ostente aura de independência crítica. Revelou Rubens Valente na revista Contraponto, de setembro do ano passado:


“Não se pode desconsiderar os fundamentos da Folha, que são claros e estão no Manual de Redação, como a defesa da livre iniciativa, das privatizações e todo o receituário do capitalismo”.


E esta é uma lógica imposta por outros países. Soa portanto estranho ler no cabeçalho desta publicação o slogan “Um jornal a serviço do Brasil”.

(*) Estudante de Jornalismo da UFF