Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um jornal saindo do miserê

LE MONDE

Léa Maria Aarão Reis (*)

No meio do miserê em que se encontram os jornais e a indústria da informação, aqui e lá fora, um único jornal tradicional e de prestígio anuncia crescimento, embora modesto, no ano passado: o velho Le Monde festeja o aumento de 0,5% na sua tiragem e consolida suas vendas nos 400 mil exemplares diários.

Nada mau para um panorama desastroso, na Alemanha, e preocupante, na Inglaterra ? no Brasil, calamitoso.

O envelhecimento dos leitores alemães e a crescente perda de influência (e de interesse) dos jornais entre os jovens originaram, na opinião dos analistas, a queda impressionante de 41%, em 2002, na publicidade (anúncios pequenos) na imprensa alemã e o triste desfile de conseqüências perturbadoras, nossas velhas conhecidas, neste lado instável do mundo econômico: corte no número de páginas, supressão de cadernos e várias levas de demissões.

Na Inglaterra, o que parecia ser um vôo de brigadeiro na cabina do Financial Times se mostra, na verdade, uma rota com severas turbulências. A receita do jornal caiu 2,2% em 2002 e, por isso, drásticas providências estão sendo tomadas. Uma delas é a diminuição número de correspondentes no exterior. A outra, ainda sob a forma de rumor e de boato, seria o início de uma parceria com o Wall Street Journal, a qual garantiria a operação de salvação da empresa, a satisfação dos leitores e alguma estabilidade de emprego para os funcionários do FT.

Qual é, então, dentro desse quadro desconcertante, o segredo da tendência do modesto, mas expressivo movimento de expansão do Le Monde ? apesar de o jornal continuar deficiário?

O correspondente da Folha de S.Paulo em Paris Alcino Leite Neto repercutiu, dias atrás, os palpites arriscados por observadores. Para eles, a fase de expansão dos conglomerados terminou, a bolha de euforia estourou, as perspectivas murcharam e muitos jornais se encontram quase falidos. Neste momento, a nova realidade exige repensar a linha editorial das publicações, mesmo das mais empedernidas, propriedades de grupos com testas-de-ferro providenciando cobertura para interesses específicos. A nova realidade pede reestruturação e, quem sabe, a pulverização dos jornalões em vários outros menores, mais ágeis, uns regionais e outros dirigidos a públicos segmentados de leitores.

"O jornal que não se modifica continuamente está condenado à morte", é a voz geral. Uma morte às vezes precedida de longa agonia, mas inexorável, mesmo para jornais que no passado fizeram a cabeça política e cultural de gerações inteiras. Hoje é diferente: os mais moços são os fast thinkers da internet, quando não espectadores boçais dos big brothers da TV, e os mais velhos não têm o menor interesse por fanzines. Mais: querem (como ousam?) novidades!

Adeus, UTI

O que fez, então, Le Monde ? Durante o ano passado respirou fundo, tomou coragem e, antes de mudar o principal, modernizou a embalagem [veja abaixo remissões a matérias a esse respeito publicadas no OI]: empacotou o jornal com novos e (como de hábito) bons conteúdos e se apresentou com quatro iniciativas originais e singelas, daquelas do tipo ovo de Colombo.

Aos leitores mais moços, Le Monde presenteou com uma cuidada seção intitulada "Tendências", destinada aos jovens leitores ? aquele público "antenado". Para a família ? outra vez prestigiada, especialmente na França, nestes tempos pós-Aids ?, inaugurou a editoria "Psicologia", onde questões relacionadas com a sexualidade são as molas principais. Injetou vida pensante, inteligência, relatos de aventuras e fascínio na seção de "Turismo" e investiu no jornalismo de viagem ? por sinal, o que mais cresce e adquire status profissional na imprensa do mundo globalizado. E, finalmente, com uma nova seção batizada "Seniors", dirigida a aposentados, mandou um recado aos leitores mais velhos: vocês são a nossa base, são fiéis, continuem conosco e não nos deixem porque não vamos decepcioná-los.

Amarrando, com um jornalismo de qualidade, as pontas capitais do seu patrimônio (a família e o leitor maduro), por um lado; e da modernidade (os moços e o leitor sofisticado, viajante) do outro, o que ocorreu com Le Monde? Cresceu, é claro.

O seu movimento de rejuvenescimento pode ser um tema de reflexão para comandantes dos jornais brasileiros ? os claudicantes, os falidos ou em estado terminal. E para editores mal informados, que insistem em olhar com desdém as editorias de turismo, não aceitando as potencialidades comerciais extraordinárias desses suplementos de produção barata, quando são originais e bem-feitos; e não investindo em repórteres treinados para este tipo de jornalismo.

E para os que dirigem cadernos destinados a alcançar os jovens e desprezam a vida inteligente que existe antes dos 30 anos de idade.

E para as editorias com foco nas famílias, cujo nhenhenhém pouco estimula ou instiga o leitor ? mesmo quando os cadernos vêm com embalagens sedutoras e moderninhas.

E para aqueles editores distraídos, que parecem não acreditar no envelhecimento do país. Eles esquecem de sua base de leitores: o público que envelhece junto com o Brasil e com o seu jornal, mas que se mantém vivo e querendo um tipo de informação atraente, principalmente neste ano de apaixonadas discussões sobre a reforma da Previdência. Estes são, com certeza, leitores já sem interesse pelas gastas matérias sobre tribo de terceira idade fazendo ginástica de manhã, na praia, ou pelas preguiçosas reportagens com velhos aprendendo dança de salão nas academias.

Enfim: parece que Le Monde captou a vida inteligente que há na França, em qualquer lugar, abaixo dos 30 anos, e também acima dos 50. Deste modo, o jornal está saindo da UTI.

(*) Jornalista

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