Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um “jornalista-olheiro” em nosso futebol

ENTREVISTA / ALESSANDRO PENNA

Rodney Brocanelli (*)

A rivalidade entre Brasil e Itália no futebol é eterna. Os dois países já decidiram duas Copas do Mundo e se enfrentaram muitas vezes em jogos que entraram para a história. A partir de 1982, ano em que fomos desclassificados pela Squadra Azzura na Copa da Espanha, a imprensa brasileira passou a acompanhar com mais assiduidade as coisas do futebol italiano. A recíproca é verdadeira? Qual o interesse dos italianos pelo nosso futebol? Responde a essas perguntas o jornalista Alessandro Penna, milanês que completa 31 anos em agosto, é graduado em Direito e exerce o jornalismo desde 1996. Em 1999 desembarcou em Buenos Aires, para fazer pós-graduação, e no ano seguinte mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a escrever sobre o futebol brasileiro para a revista italiana Guerin Sportivo.

Nesta entrevista que concedeu da Itália, por e-mail, Penna fala das diferenças entre a mídia esportiva do Brasil e de seu país: “Para os jornalistas brasileiros, a técnica, os dribles e a arte são a coisa mais importante”, diz. “Emerson (Roma) é considerado uns dos melhores meio-campistas do mundo, enquanto no Brasil ele é visto como um brucutu. Acho uma postura legal (na Itália domina a tática), mas exagerada.” Além disso, conta que jornalista-torcedor só existe na imprensa regional italiana, mas a figura do jornalista corretor de publicidade, tão comum no Brasil, lá nem existe.

Penna não menciona, mas há outra diferença entre nossa imprensa e a deles ? determinada pela visão de mercado da cobertura italiana: seu trabalho é apresentar ao leitor da revista jovens talentos brasileiros que possam vir a se transferir para o futebol italiano. Ou seja, um jornalista-olheiro. Coisa que por aqui não temos.

Qual o tipo de reportagem sobre o futebol brasileiro que ocupa mais espaço na imprensa italiana? A saber, perfil de jogadores que poderão ser contratados no futuro, aspectos pitorescos e exóticos ou o dia-a-dia dos clubes?

Alessandro Penna ? Há três anos, a imprensa esportiva italiana é inteiramente ocupada por notícias do mercado (é o que vende jornais). As revistas tentam aprofundar: Guerin Sportivo, que é uma espécie de glória nacional (tem 91 anos e por lá passaram os maiores jornalistas que a Itália teve, como Indro Montanelli e Gianni Brera, entre outros), me manda apresentar cada semana um jogador (de preferência, jovem) que esteja despontando nos campeonatos do Brasil. Os noticiários do dia-a-dia não são freqüentes porque os italianos não entendem a quantidade de campeonatos e copas que são disputados no Brasil (estaduais, Rio-São Paulo, Mercosul, Copa do Brasil etc). Os aspectos pitorescos têm espaço, especialmente aqueles de natureza judicial (a prisão de Edmundo, Pitta e Martins foi amplamente coberta).

O Brasil é apenas mais um país na cobertura do futebol internacional ou existe um interesse especial pelas coisas que acontecem aqui devido aos laços que unem os dois países (imigração etc.)?

AP ? O Brasil é um país especial, não tanto pelos laços de que você fala, mas porque ele é visto como a pátria do futebol-arte. Outros fatores que chamam a atenção são o mercado (o jogador brasileiro é como um status symbol) e os aspectos pitorescos. Mas, como espaço, vem depois do futebol espanhol e inglês (e europeu em geral).

Quais as principais vantagens e desvantagens de se cobrir o futebol daqui? Você preferiria estar em outro país?

AP ? A vantagem é que o Brasil é uma mina de historias e talentos, nunca falta matéria. Os assessores de imprensa, os jogadores e os técnicos são muito disponíveis, atenciosos e é mais fácil entrevistá-los. Desvantagem: a falta de pontualidade (de vez em quando me prometem fotos e o material não chega). Mas gosto muito daqui; junto com a Espanha (mais perto da minha família, dos meus amigos e da minha namorada) é o meu país preferido.

Quais as melhores reportagens que você fez?

AP ? Como falei, a maioria das minhas matérias é apresentação de jogadores ainda desconhecidos na Itália. Falei de Adriano (atacante revelado pelo Flamengo que atuou pelo Intern e pelo Parma) muito antes que a Inter o contratasse. Entrevistei o Athirson no dia em que os torcedores do Flamengo tentaram agredi-lo (foi quando ele assinou pela Juventus) e o Ronaldo quando estava se recuperando na clínica do Filé (um período em que ele não concedia entrevistas).

Como está o mercado de revistas e jornais sobre futebol na Itália?

AP ? Existe um jornal chamado Tuttosport que andava muito mal das pernas e se recuperou porque passou a falar de mercado todos os dias do ano, dando noticias clamorosas e na maioria falsas (numa semana “venderam” o Diego, do Santos, para seis times diferentes).

Existe alguma diferença no modo como a imprensa brasileira e italiana cobrem o futebol?

AP ? Não tanto no modo, mas quanto ao “gosto”. Na Europa, o Emerson (Roma) é considerado uns dos melhores meio-campistas do mundo, enquanto no Brasil ele é visto como um brucutu, um jogador burocrático e incapaz de jogar bola. A mesma coisa acontece com Adriano. Para os jornalistas brasileiros, a técnica, os dribles e a arte são a coisa mais importante. Acho uma postura legal (na Itália domina a tática), mas exagerada.

Existe na Itália espaço para o jornalista que acumula a função de corretor publicitário?

AP ? Essa figura na Itália não existe (ainda).

Como a imprensa de seu país está cobrindo a adoção do Estatuto do Torcedor e suas dificuldades?

AP ? Vi pouca coisa sobre isso. Eu escrevi duas matérias: uma sobre a rebelião dos clubes e as dificuldades de implementação.

Outra figura comum aqui no Brasil é a do jornalista-torcedor, aquele que assume a sua paixão clubística. Isso é comum na Itália ou os jornalistas costumam esconder para que time torcem?

AP ? Aqui todo mundo esconde. Só nos canais televisivos regionais alguns jornalistas assumem.

Para qual time você torce?

AP ? Internazionale (fanático) na Itália e Botafogo no Brasil. Sou sofredor. O ex-diretor do Guerin Sportivo, que é juventino, pra me gozar, me mandou entrevistar praticamente todo o time da Juventus depois que ganharam o campeonato, quando a Inter, que tinha chances de ficar com o título, perdeu no último jogo. Esse episódio tem uns dois anos. Desde então, não assumo mais a minha paixão.

(*) Colaborador dos sítios Ruídos, Canal B, Esquizofrenia, 3am e Papo de Bola; blog pessoal: <http://onzenet.blogspot.com>