Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um país ingovernável

ELEIÇÃO E REALIDADE

César Medeiros (*)

Não interessa se Regina Duarte foi à televisão para dizer que tem medo de Lula porque possivelmente voltou a receber da primeira-dama, Ruth Cardoso, uma graninha do programa Comunidade Solidária, como aconteceu anos atrás. Ao cumprir a missão que lhe confiaram ela deixou de ser a namoradinha para tornar-se a nova Miriam Cordeiro do Brasil. Sofisticada, rica e sem aborto. No problema. Artistas vivem mesmo de interpretar.

Também não interessa se Lula usa terno Armani. O burguês só pode exigir que o proletário use macacão se lhe pagar salário. Vestir-se bem não é privilégio dos ricos, e ninguém pode ser criticado por cuidar da própria aparência.

Muito menos interessa se o operário-candidato tomou um copo de vinho Romanée-Conti que recebeu de presente. Elio Gaspari, colunista de O Globo, aproveitou-se do episódio para extravasar seu ódio porque simplesmente não consegue suportar que um metalúrgico de origem humilde, descompromissado com a elite da qual Gaspari faz parte, esteja com um pé dentro do Palácio do Planalto. O vinho saiu na urina, e Elio, de tão irado, esqueceu que Lula ainda não é presidente. Será. Mas só se a direita for incompetente para fraudar as urnas.

Nessa altura do campeonato pouco interessa se o petista esqueceu tudo que pregou anos a fio e fez um acordo com Satanás para se eleger. Nem tampouco interessa se Serra vendeu mesmo uma mansão ao “laranja” Magid Bechara por R$ 1 para enganar o Fisco, e aquele a revendeu por R$ 100 mil no mesmo dia, conforme dizem constar em escritura pública no 10? Cartório de Imóveis de São Paulo, sob matrícula 34.752. Políticos são ladrões legalmente eleitos pelo povo para roubá-lo. Por isso devem ser respeitados, tanto quanto qualquer ladrão de galinhas.

Fato e catástrofe

Não interessa se Lula não tem curso superior. A legislação eleitoral não exige dos candidatos a apresentação de diplomas. Além do mais, o atual presidente FHC tem dezenas. Já foi professor-catedrático de Ciência Política, livre-docente em Sociologia, professor emérito da Universidade de São Paulo, diretor-associado na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, professor-visitante no Collège de France e na Universidade de Paris-Nanterre, ensinou em Cambridge e em outras universidades, como Stanford e Berkeley, foi presidente da Associação Internacional de Sociologia (ISA), 1982-86, membro do Institute for Advanced Study (Princeton), doutor honoris causa das universidades de Rutgers (New Jersey), Notre Dame (Indiana), Central de Caracas (Venezuela), do Porto e de Coimbra (Portugal), Livre de Berlim (Alemanha), Sofia (Japão), Lumière Lyon-2 (França), Bolonha (Itália), Cambridge e Londres (Inglaterra) e membro-honorário estrangeiro da American Academy of Arts and Sciences.

Mesmo assim prejudicou a população que atendeu a seu pedido para economizar eletricidade. Definitivamente não é a baixa escolaridade que define um mau presidente.

E finalmente não interessa se Serra mentiu quando disse que era engenheiro sem jamais ter concluído o curso que iniciou na Escola Politécnica da USP. Afinal de contas, falsidade ideológica não é um crime tão hediondo assim, e quem diz, na maior cara-de-pau, que é o melhor ministro da Saúde do mundo é capaz de dizer qualquer coisa.

O que interessa na verdade é alertar a nação para as chances de fracasso do próximo mandatário, seja ele quem for. Se as previsões e as informações divulgadas estiverem corretas, o próximo governo pagará só de juros da dívida interna uma quantia 23 vezes maior do que o valor previsto na proposta de Orçamento da União para investimentos em 2003. Resumindo: vamos continuar produzindo e empobrecendo para enriquecer nossos eternos exploradores. Independentemente de quem tiver chegado lá. É um quadro catastrófico? Pode até ser. Mas parece que também é um fato.

(*) Jornalista