E-ZINES
Rodney Brocanelli (*)
Não é de hoje que o nível do jornalismo cultural, em especial aquele que é produzido pelos grandes veículos, está em xeque. Uma das principais reclamações por parte de leitores é quanto à mesmice de temas e enfoques nas análises, dando a sensação de que ler um caderno cultural é a mesma coisa que ler todos.
Um novo fôlego, porém, parece estar vindo da internet com os e-zines (zines eletrônicos). Abordando prioritariamente a cultura pop, as revistas eletrônicas têm procurado fugir dos padrões pré-estabelecidos da grande imprensa e vêm se destacando a cada dia.
Os e-zines são herdeiros diretos dos fanzines, publicações rudimentares feitas muitas vezes com tesoura e cola e voltadas a um público aficionado de determinado estilo musical, como o punk, na década de 70. Com o tempo, o perfil foi sendo ampliado e outros temas, fora da música, passaram a ser abordados. Com o advento da internet, a mudança do meio foi apenas uma questão de tempo. Muitos zines, além da edição em papel, passaram a ter suas versões eletrônicas. E não demorou nada para surgirem e-zines exclusivos da net.
A principal diferença entre os e-zines e os cadernos de cultura é a liberdade temática. Os grandes veículos são obrigados a cobrir de forma extensiva a agenda cultural, trazendo lançamentos de CD, estréias de cinema e teatro, bastidores da televisão, entrevistas e perfis com os nomes do momento. Talvez seja por esta fórmula que as "ilustradas" e "cadernos 2" da vida se pareçam tanto. Não que as revistas eletrônicas deixem o mainstream de lado, mas elas procuram ir além, falando de artistas independentes, que sem uma grande estrutura de divulgação acabam ignorados por jornais e revistas. "O conceito básico do ScreamYell <http://www.screamyell.com.br> era falar de coisas que outros veículos não falavam. Por isso eu comecei a fazer e-zines", conta o jornalista Marcelo Costa, um de seus idealizadores.
Uma contribuição importante dos e-zines é que o exercício da crítica não está mais limitado apenas à grande imprensa. O leitor pode buscar outras opiniões a respeito de um lançamento antes de decidir que CD vai comprar ou a que filme ou peça de teatro assistirá.
Outra característica dessas publicações é, na maioria dos casos, dar vez e voz a profissionais que estão batalhando por um lugar ao sol nas redações. É o caso do Rabisco <http://www.rabisco.com.br>. "Quando decidimos criá-lo, queríamos manter um canal para que jornalistas culturais ainda sem chance no mercado de trabalho pudessem extravasar suas opiniões e talentos", diz seu editor, Marcel Nadale. Quem confirma essa tendência de lançamento de novos nomes no jornalismo é Fabio Carbone, do Ruídos <http://www.ruidos.com.br>. "A maioria dos colaboradores é de aspirantes a jornalistas que têm no Ruídos uma oportunidade de aparecer e entrar no mercado. É uma porta de entrada para aqueles que querem fazer um trabalho de maneira competente e original. Assim, todos ganham", diz.
Os e-zines seriam herdeiros legítimos dos veículos da imprensa alternativa dos anos 70? "È bem diferente o cenário. Hoje em dia, temos uma abertura que não existia nos 70. O que causa, até, uma superexposição de material que acaba não sendo digerido. Ou seja, há tanta informação circulando que as pessoas não têm tempo para ver/ler/ouvir/atentar para tudo. E o mundo hoje é mais livre, não há bandeiras", responde Marcelo Costa. Para Fabio Carbone, "a imprensa alternativa caracterizava-se por abordar assuntos referentes à ditadura militar em publicações menores, independentes, mas com postura de ação. Por fazer oposição ao regime, o modelo foi considerado underground. O Ruídos, por mais que não tenha caráter político, pode ser considerado um veículo alternativo por priorizar assuntos específicos, dando aprofundamento maior a temas que não são muito explorados na grande imprensa."
Marcel Nadale acha correto traçar o paralelo entre os dois tipos de publicações, mas, segundo ele, a equivalência não chega a ser total. "Definitivamente, o valor semântico de ?alternativo? é respeitado: estamos à margem do mainstream da mídia, com todas as benesses e as dificuldades que isso traz", diz.
A seguir, uma seleção comentada de alguns dos e-zines mais interessantes da internet.
Esquizofrenia <http://www.esquizofreniazine.com.br> É dedicado ao rock indie e um dos melhores do gênero em língua portuguesa. Começou como zine de papel no início da década de 90, sendo um dos que mais se destacaram, com direito a ser citado em colunas de jornais especializadas em música. O Esquizofrenia é talvez o que mais se assemelha ao conceito de "publicação de fã". Gilberto Custódio Jr. procura apresentar ao leitor as bandas das quais gosta e que não têm espaço na imprensa. Só aqui é possível conhecer a banda Pale Sunday, que tem em sua formação dois moradores de Jardinópolis (a 334 quilômetros de São Paulo). O detalhe é que as letras de suas músicas são escritas em inglês. Há espaço ainda para resenhas de cinema, em especial curtas-metragens, textos sobre rádio e entrevistas com jornalistas e personalidades da cena independente.
ScreamYell <http://www.screamyell.com.br> Assim como o Esquizofrenia, começou como zine de papel e depois virou sítio na internet. Era um dos maiores, principalmente em conteúdo, resultado da idéia de se colocar um texto novo a cada dia, abrangendo qualquer tipo de manifestação cultural. A resposta do público foi mais que satisfatória. Em setembro de 2002, o SY atingiu a marca de 93 mil page views mensais para um público de mais de 23 mil usuários. O segredo para esse sucesso talvez estivesse numa fórmula simples e que definia bem a proposta: "Pessoas escrevendo sobre coisas de que gostam para pessoas que também gostam dessas coisas lerem", como conta o editor Marcelo Costa. Em outubro de 2002, o e-zine foi descontinuado devido a problemas particulares. Mesmo sem atualizações constantes, os textos incluídos partir de novembro de 2000 continuaram disponíveis, como fonte de consulta. No início de maio, alguns artigos e entrevistas recentes foram colocados no ar, o que pode ser o indício de uma volta do ScreamYell.
Trabajo Sulho <http://www.geocites.com/trabalhosujo> O nome deste e-zine não se trata de erro de digitação. É assim mesmo. Na verdade, é uma forma de seu autor, o jornalista Alexandre Matias, diferenciar o Trabajo Sulho do Trabalho Sujo, coluna dominical sobre música pop que ele próprio manteve no Correio Popular, de Campinas (SP), até 2000. O formato do TS atual oscila entre blog e e-zine. Absolutamente todos os textos são escritos por Matias, cujos temas principais são música, cinema e cibercultura. Ainda que este seja o seu primeiro projeto solo, Matias manteve um e-zine com a participação de outros convidados, o 1999 <http://www.geocities.com/CollegePark/Hall/3340/index.html>, que esteve em vigor durante todo o penúltimo ano do século 20. No ano seguinte surgiria o Ano Zero http://www.geocities.com/anozero/, com estrutura diferente, que durou quatro edições.
Lao Bar <http://www.geocities.com/soho/cafe/9195/> Este talvez seja um dos precursores dos e-zines exclusivos da internet. Em 1997 os assinantes de uma lista de discussão, coincidentemente chamada de e-zine, tiveram a idéia de lançar uma publicação na internet. Nascia assim o Lao Bar. O nome, totalmente esquisito, tem sua razão de ser. Depois de uma das freqüentes quedas do servidor que gerenciava a lista (ficava na Uerj), um dos participantes pediu para que os outros dessem um alô, a fim de saber se estava tudo normalizado. O apelo foi prontamente atendido e, num dos replys, alguém escreve a palavra lao, que nada mais é que a palavra alô digitada errado e sem acento. Alguns acharam que era uma saudação secreta. Outros, em tom de brincadeira, adotaram a palavra em seus mails. O fato é que o nome pegou e foi o escolhido para batizar a página. A primeira e única edição do Lao Bar continua no ar, com alguns ensaios e entrevistas. No entanto, há chamadas para textos que não foram incluídos até hoje.
Rabisco <http://www.rabisco.com> Para entender um pouco da proposta do Rabisco, é necessário falar antes do Quadradinho <http://www.quadradinho.kit.net>, que era formado em sua maioria por alunos de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP. Divergências editoriais colocaram fim a sua existência, em agosto de 2002. O Rabisco acabou como um dos seus herdeiros. Além de abordar temas como TV, cinema, música e rádio, o sítio mantém um blog, atualizado diariamente com notas curtas e informativas na área cultural.
B-Scene <http://www.bscene.cjb.net> Este é o outro "filho" do Quadradinho. Conta com a colaboração de nomes ilustres do jornalismo, como Alex Antunes (ex-Bizz e ex-Folha de S. Paulo) e Claudio Tognolli (colaborador deste Observatório). Também tem um blog de informações atualizadas. Cobre toda a área cultural, incluindo a dança, que quase não encontra espaço nos outros e-zines.
Canal B <http://www.canalb.com.br.tf> Sua estrutura difere muito da dos outros e-zines. Os textos estão divididos e organizados por décadas, independentemente do tema abordado, seja literatura ou música.
Revista Bala <http://www.revistabala.com.br> e 3am <http://www.firew.org/3am/00/index.php> São os caçulas desta geração de e-zines.. Lançados na rede em 2003, ambos têm em comum um visual mais limpo, o que facilita e muito a navegação do leitor.
Ruídos <http://www.ruidos.com.br> E-zine 100% musical cujo interesse está em bandas independentes ou em ascensão, grupos consagrados e música pop (alternativa). O intuito do sítio, segundo seu editor, Fabio Carbone, é "dar espaço a matérias que, certamente, não caberiam nos cadernos culturais dos principais jornais".
(*) Jornalista, colaborador de vários e-zines; blog: <http://onzenet.blogspot.com>