RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Boanerges Lopes (*)
O Brasil é um país de contradições. Possui um dos mais altos índices de analfabetismo do mundo ? 22,8 milhões de brasileiros, o que corresponde a 13,8% da população com mais de 15 anos de idade. Além dos analfabetos propriamente ditos (ou absolutos), que não sabem ler nem escrever, existem 30,5% de analfabetos funcionais, aqueles com menos de quatro anos de escolaridade, de acordo com IBGE. Ao mesmo tempo, o país é detentor de um dos mais amplos sistemas de radiodifusão. São 3.421 emissoras de rádio espalhadas por todo o território nacional, segundo o Ministério das Comunicações. Diante deste quadro, algumas reflexões são imprescindíveis.
O rádio pode assumir um papel importantíssimo, como mídia educadora coletiva, para reverter esta situação ? principalmente através das emissoras comunitárias, presentes a cada dia em mais municípios. Tanto para os analfabetos, que mesmo sem saber ler nem escrever podem ouvir, quanto para os demais cidadãos, já que o rádio atua como multiplicador de informações, prestador de serviços, facilitador do diálogo entre os indivíduos e divulgador da cultura, das crenças e dos valores regionais.
Uma pesquisa realizada para a Central de Rádio do Interior, no Rio Grande do Sul, apontou que 94% dos entrevistados preferem ouvir as emissoras de sua cidade ou região. Na pesquisa foram ouvidas 1.350 pessoas, com idade entre 16 e 65 anos, em 24 cidades.
Segundo dados do Grupo de Mídia/IBGE, no Brasil 99,9% dos cidadãos ouvem rádio e 89,6% dos domicílios possuem aparelhos. No Nordeste, por exemplo, 81,8% dos domicílios são cobertos por 784 emissoras, das quais 53 educativas. Não foi por outro motivo que o maior grupo de cutelaria do Brasil, Tramontina, escolheu o rádio como forma de alcançar seu público-alvo na região, que representa 15% do volume total de negócios da organização. O objetivo, segundo os dirigentes da empresa, é, por meio de programações especiais, fidelizar o consumidor e divulgar a marca de ferramentas e equipamentos (enxadas, por exemplo), cuja distribuição é pulverizada em milhares de pequenos pontos de venda e cooperativas.
Assunto polêmico
O rádio é sem dúvida o meio de maior abrangência e cobertura do país, e oferece possibilidades ilimitadas de segmentação. Mas não é só. O que muitas vezes os números não contam é que o rádio é também o veículo de maior credibilidade. Todos os anos são realizadas pesquisas para aferir a credibilidade dos vários setores da sociedade junto ao público. Em recente pesquisa do Ibope, o rádio foi apontado como a segunda instituição em credibilidade, logo atrás da Igreja Católica, sete posições acima dos jornais e 17 posições acima da televisão. Para os milhões de brasileiros que ouvem rádio diariamente, ele é cúmplice, amigo e companheiro. É ágil, interativo, participativo e polêmico. Encanta, emociona e seduz.
A demanda para obter concessões de emissoras de rádio cresceu muito nos últimos anos devido ao expressivo número de pedidos relacionados com as rádios comunitárias a partir da aprovação da lei n? 9.612, de fevereiro de 1998, que define o serviço de radiodifusão comunitária. Atualmente existem mais de quatro mil processos tramitando no Ministério das Comunicações que precisam cumprir etapas que vão desde a comprovação de representatividade da associação no bairro, até a capacidade técnica de colocar a emissora no ar.
As rádios comunitárias têm um princípio muito positivo e interessante que pode servir para educar comunidades locais. No entanto, nos últimos anos, tiveram suas imagens arranhadas pela picaretagem que dominou o meio. Boa parte dessas emissoras serve a interesses escusos em áreas como a política e a religião. Muitas também são conhecidas ainda hoje como "rádios piratas", pois funcionam ilegalmente. Hoje, as "piratas" chegam a 10 mil em todo o Brasil. Quase 50% desse total se concentram no estado de São Paulo. Foz do Iguaçu é, proporcionalmente, a cidade com o maior número de "rádios piratas" do Mercosul. São 25 estações para uma população inferior a 700 mil habitantes, segundo estimativas da Anatel.
O assunto permanece polêmico. O novo governo promete reverter esse quadro o mais rápido possível, regularizando as situações pendentes, e apela para as associações das rádios comunitárias em cada localidade para que auxiliem na fiscalização. O intuito é restringir o funcionamento daquelas que não cumprem o bom propósito a que se destinam: servir uma comunidade, prestando serviço, informação, educando e entretendo.
O Ministério das Comunicações mantém informações atualizadas e orientações sobre radiodifusão nos sítios <www.mc.gov.br< e <www.anatel.gov.br>.
(*) Jornalista, doutor em comunicação pela UFRJ e professor da UFAL