GAVETA 11 DE SETEMBRO
Edição 141 # 3/10/2001
Alberto Dines
Três semanas "clássicas", para entrar em qualquer tratado de patologia jornalística ou qualquer manual sobre o que não fazer.
A mídia brasileira conseguiu confirmar tudo o que se esperava dela em matéria de falhas. Tendo por cenário um dos momentos cruciais da história mundial desde o fim da Segunda Guerra, conseguiu repetir todos os seus erros anteriores:
** Os cadernos especiais evaporaram, exceto na Folha de S.Paulo.
** A cobertura dos desdobramentos desconcentrou-se. Economia num canto, investigações locais no outro, ação diplomática em outro mais. Assim, a célebre "testemunha da história" acabou correndo atrás de coisinhas isoladas e fragmentadas sem oferecer ao cidadão a magnitude do que está vivendo.
** O suporte analítico sumiu, restou apenas o que vem do exterior. O meio acadêmico esgotou o seu estoque de especialistas em coisa nenhuma. Ou foram os editores que caíram em si e perceberam o número de bobagens que estavam divulgando? No último fim de semana, numa rádio paulistana classe A, um deles (oriundo de um núcleo de estudos estratégicos) tentava provar, exaltado, que os atentados só tiveram êxito porque os aeroportos de onde partiram os aviões eram privatizados…
** Abundam infográficos e o jornalismo de quadrinhos ? o que engrandece e equaliza a desinformação já que todos fazem a mesma coisa na direção errada.
** Como as operações militares tornaram-se secretas, aumentou o recurso das "imagens simbólicas" que nada têm a ver com o que efetivamente sucede.
** Abandonou-se de forma ostensiva a cena da tragédia. Poucos estão interessados em contar o que continua acontecendo em Nova York. Para não parecer pró-vítima e, portanto, pró-EUA, nossa mídia já enterrou os mortos. E finge que corre atrás dos culpados.
De forma dramática juntam-se aqui dois problemas: o viés político comandando a parte noticiosa e o noticiário funcionando na base de espasmos, inconsistente, quase sempre claudicante por falta de recursos materiais, espaço (ou tempo) e, sobretudo, gente experimentada.
O viés político está levando a mídia brasileira a retornar aos tempos da "cascata". E num tremendo acontecimento como esse, com dimensões e conseqüências mal divisadas.
Como a situação internacional vai afetar decisivamente o curso dos acontecimentos nacionais (pelo menos ao longo dos próximos 12 meses) poucos são os opinionistas ou editores com coragem para ir fundo. Ficam todos cheios de dedos.
De certa forma repete-se hoje na mídia brasileira o acontecido em 1939-41, quando muitos jornalistas ligados ou simpáticos ao PCB ? e obedecendo à "linha justa" do pacto Hitler-Stalin ? assumiram uma posição álgida, olímpica, diante do avanço nazi-fascista.
Só em julho de 1941, quando os alemães invadiram a URSS, é que a esquerda brasileira acordou e botou a boca no trombone. Pouco antes dos submarinos alemães começarem a afundar os barcos mercantes brasileiros.
Foi a imprensa dita "liberal" (com o apoio dos trotsquistas), e não a "progressista" de então. que acordou a sociedade brasileira para o avanço do terror hitlerista. Isso poucos anos depois do massacre de Guernica, perpetrado por Franco com apoio da força aérea alemã.
Há um medo generalizado de sofrer por causa dos mortos de Nova York e de Washington. Há uma intimidação tácita para impedir o repúdio ao terrorismo. No Brasil de hoje não é politicamente correto condenar o uso da violência. Temos que nos acovardar diante dela.
Do seqüestrador de Patrícia Abravanel ao bandido da esquina, são todos Robin Hoods merecedores das nossas simpatias.
Só porque Bush é um rematado idiota, o público brasileiro ? ou sua parte pensante ? está sendo induzido a aceitar a premissa de que o horror ao terror é coisa de ianques ou seus servos.
Há várias fórmulas para classificar o comportamento da mídia brasileira nas três últimas semanas. Falta de perspectiva e desnorteamento são algumas delas. Mas se o diagnóstico ficar muito complicado basta dizer: "Lembrai-vos de 1939".