Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma revista que se julga pela capa

LEITURAS DE ÉPOCA

James Görgen (*)

Um velho ditado dos seguidores das leis de mercado já dizia: "Quem não tem competência não se estabelece". Em três anos de insistência no mercado de publicações semanais, é hora de a Editora Globo desistir de fazer revista se não dispõe de cacife editorial para tanto. Está mais do que em tempo de Época parar de vender número atrás de número valendo-se de jogadas de marketing que pouco têm a ver com jornalismo. Seria menos vexatório assumir que não tem notícia do que abusar da tática de entregar ao público embalagens elaboradas sem conteúdo que as justifique. Nos últimos meses, as capas da revista têm servido mais como propaganda enganosa de material informativo do que qualquer outra coisa. Somente em janeiro, mês em que as vendas tradicionalmente são decepcionantes, a revista apelou três vezes para a polêmica como instrumento de venda.

Comenta-se isso em virtude de mais uma reportagem-laboratório parida levianamente por Época. Em sua edição de 7 de janeiro de 2002 (número 190), a revista resolveu estampar na capa foto do publicitário Washington Olivetto, seqüestrado em 11 de dezembro. Até então, o desaparecimento do publicitário mais conhecido do Brasil era um caso de polícia. Pouco se avançara, informativamente, porque a negociação efetiva vem sendo mantida distante da mídia a pedido da família. Mostra de total descaso com a vida de Olivetto, Época "resgatou" o drama de forma gratuita. Fez o que no jornalismo se chama "esquentar" a notícia. E o pior: fez sem ter notícia.

Na reportagem de 16 páginas, apenas 10 linhas e um box com outras seis fazem referência ao publicitário. Revelando a fragilidade de seu projeto editorial, a revista valeu-se do apelo comercial da imagem de Olivetto na manchete para ocupar o espaço restante com depoimentos de outros seqüestrados famosos. O único desagravo pela falta de tato partiu da W/Brasil, a agência do publicitário, que abriu mão da conta da editora das Organiza&ccedccedil;ões Globo.

A reboque da TV

Este poderia passar como mais um dos tantos arroubos de uma imprensa viciada em insuflar escândalos não fosse Época reincidente. Em 11 semanas, pelo menos cinco edições da revista apelaram para o mesmo expediente na hora de chamar a atenção do leitor. A provocação mais barulhenta foi a reportagem com testemunho de personalidades que usam maconha. Depois de assumir que fumava a erva, a apresentadora de TV Sonia Francine foi demitida da TV Cultura. Como no caso de Olivetto, o depoimento de Soninha (em 19 de novembro, edição 183) ocupou 42 linhas de um box inserido na reportagem de oito páginas. A repercussão tomou a proporção conhecida porque a ex-VJ da MTV, sem seu consentimento, foi pinçada entre tantos entrevistados para estrelar os outdoors de promoção da revista. Uma semana antes, a cabeça no patíbulo de Época era a da apresentadora global Ana Maria Braga, cujo câncer tornou-se caso de interesse nacional depois de explorado pela própria em conjunto com a maioria dos veículos do grupo.

Na segunda revista de 2002 (edição 191), Época coloca um menor de idade na capa ? o filho da cantora Cássia Eller, morta em 29 de dezembro – para discutir aspectos legais da união entre casais homossexuais. Na edição seguinte (número 192), a criança deixa de ser alvo e passa a vítima. É a vez de um frei franciscano e da Igreja Católica serem pré-julgados por pedofilia. Reportagem de seis páginas que se justificaria não fosse o apelo denuncista da capa. Só para lembrar: o quinto em menos de três meses.

Apesar do ditado liberal, não dá para se contentar com o argumento da falta de competência para justificar a prática. Época é filha caçula do mesmo conglomerado de comunicação que abriga em seu passivo o patrimônio de um jornal como O Globo. Valores e idéias criativas para se exercer jornalismo de interesse público não faltam aos subordinados da família Marinho. Quando a Globo não faz uso deles é porque não lhe convém. Quem está pagando por isso é Época, que perdeu 21,7% de sua circulação de maio de 2000 a junho de 2001 (dados do Instituto Verificador de Circulação), caindo para o terceiro lugar no ranking de revistas.

O mais preocupante é que neste caso a mídia impressa está sendo rebocada pela mídia eletrônica. A tática de Época para ganhar leitores se assemelha muito à rebaixada disputa por audiência na guerra dominical entre Rede Globo e SBT. As próprias semanais bateram forte no apelo ao espetáculo, ao erotismo e à violência por parte das emissoras. Agora é a vez de Época se olhar no espelho e perceber que o prestígio de um veículo impresso não se julga pela capa, mas é construído diariamente. E, certamente, a imagem de uma revista vale mais do que mil outdoors.

(*) Jornalista, editor-adjunto do serviço de jornalismo especializado em comunicação AcessoCom <www.acessocom.com.br>