EXCERTO
Trecho do capítulo 8 do livro A reportagem, teoria e técnica da entrevista e pesquisa jornalística, de Nilson Lage, lançamento da Editora Record
Qualquer observador dirá, sem esforço, que a introdução dos computadores modificou bastante a prática do Jornalismo. Alguém que estude bem o assunto, no entanto, concluirá que essa modificação é mais profunda do que parece à primeira vista e que o processo de mudanças está longe de terminar: na verdade, promete tornar-se permanente.
Em artigo com título provocativo ? "Why journalism needs Ph.Ds." (por que o jornalismo precisa de doutores) ? Philip Meyer observa que as alterações vividas pela redação dos jornais foram muito poucas, nos Estados Unidos, na maior parte do século 20. Diríamos o mesmo, no Brasil, para as últimas décadas desse século.
As mudanças tecnológicas ? introdução da diagramação, alterações no planejamento das matérias e das páginas, substituição da composição em liga de chumbo-antimônio pela composição a frio e da impressão tipográfica pelo off set, ou mesmo o surgimento do rádio e da televisão ? bateram à porta das redações mas não chegaram a sentar-se diante da mesa de trabalho de repórteres e redatores.
O texto baseado no lead e na forma expositiva, com profundas raízes na maneira espontânea com que as pessoas contam histórias, resiste às tentativas de modificação, que parecem mais literatice do que outra coisa. A apuração, fundada no cultivo das fontes e nas entrevistas, parece insuperável. Tudo que se discute, na verdade, é ética ? algo determinante mas externo ao processo produtivo.
O computador chegou para mudar isso. Estabeleceu diferenciais entre o jornalista que domina a máquina e o que não domina ? isto é, entre uma nova geração e uma geração antiga. Inicialmente, foram os programas de produção: editores de texto, softwares de editoração, processamento de fotografias e gráficos. Agora, os editores não-lineares de som e vídeo e, especificamente para a reportagem, os usos da internet, as planilhas de cálculo, os gerenciadores de bancos de dados, o acesso a métodos avançados de pesquisa.
Numa profissão em que se confundiam o grande profissional e o grande artífice ? em que a experiência parecia suprir o conhecimento ?, isso já não é pouco. O que caracteriza as atividades modernas, de formação universitária, é justamente a contínua mudança de processos e valores: a medicina, a administração da Justiça, as engenharias e mesmo os conceitos em voga em filosofia ou pedagogia transformam-se rapidamente, de modo que alguém formado num desses campos e que se limite a aplicar o que aprendeu estará em poucos anos totalmente superado, isto é, fora do mercado.
O conceito de profissional, nessas áreas, é conforme a origem da palavra. Profissional vem da mesma raiz que profeta ? aquele que é capaz de se antecipar ao tempo, preparar-se para as mudanças, em oposição àquele que domina, mesmo com proficiência, procedimentos tidos como definitivos.
É o que está valendo hoje em Jornalismo. E não apenas no aspecto técnico. A informática penetrou na gestão de empresas e governos de tal forma que altera relações sociais importantes para a mídia. É cedo para apontar o sentido dessas mudanças, mas parece certo que estimulam, por um lado, o individualismo e, por outro, o surgimento de comunidades dispersas que se unem por padrões de comportamento ou preferências. Alteram, portanto, não apenas a maneira de fazer jornalismo, mas a gama de informações a ser veiculada.
Mais: a revolução cibernética baixou custos na indústria jornalística, viabilizando expansão notável de informação especializada, quer por assunto, quer pelo perfil do leitor, quer pela intenção política. Não há precedentes para a dimensão que hoje atingem a imprensa sindical, os veículos de empresas (house organs e newsletters), as publicações para adolescentes, crianças e pessoas da terceira idade, apreciadores de temas tão variados quanto a pornografia, a numismática ou a decoração de interiores ? em impressos, audiovisuais ou na internet.
Paralelamente, os processos de fusão de empresas, a pressão contínua do marketing (de produtos, de serviços, de idéias), a articulação com outros setores econômicos e associações que representam áreas de negócios parece desafiar o projeto jornalístico de produzir uma informação destinada a atender aos interesses do público.
É nesse contexto que deve ser pensada a RAC ? reportagem assistida por computador, tradução de CAR, computer assisted reporting.
(*) Professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina.