Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma seção à morte

Fabiano Golgo, de Praga

A internet permite até que um gaúcho em Praga acompanhe sua imprensa bairrista no país sulino. A Rede Brasil Sul, braço da Rede Globo nos pampas e Santa Catarina, tem agora o Clic RBS, que inclui transmissão ao vivo da TV COM (de "comunidade"; UHF e cabos NetSul) e de tradicionais programas da emissora em sinal aberto, como o Jornal do Almoço e noticiários depois de apresentados.

Muito bom, funciona. Mas me deparo com uma "campanha" da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho – leia-se o nome do fundador do grupo – para que as pessoas não dêem esmolas à gurizada nas sinaleiras (semáforo ou sinal, no país vizinho). Não que eu acredite que dar esmolas resolva algum problema. Mas imaginar de que mentes surge o esforço organizacional e financeiro da mobilização de uma outra gurizada – essa mais clara, cabelo lavado com xampu 2 em 1, labutando com orgulho de escoteiro – espalhando folhetos coloridos explicativos, mostrando como recusar os pedidos desse outro mundo que convive conosco no mesmo cenário… Enfim, o combate à desgraça que nos envolve é uma campanha para não dar esmolas… Pronto, agora tudo vai melhorar.

O comentário corrente, não de hoje, é que esses guris só estão ali, insistindo feito moscas em passar um paninho nojento no pára-brisas do carro, porque seus pais ou "vans" de máfias esperam seus trocados, usados por esses terceiros para sustentar seu álcool ou outros marginais. É o que amortece as mentes crescidas de molho na culpa dominical católica.

Lindo, mas nem tanto

A apresentadora do noticiário ainda complementou com um "para que outros percam o incentivo de vir pedir nas esquinas".

Um colega americano que trabalha aqui em Praga esteve no Brasil a convite da Folha de S.Paulo por uns 10 dias. Voltou dizendo que não tinha gostado do que vira, o que chamou de apartheid social. Que tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro seus contatos ficavam tentando convencê-lo de que o Brasil não é aquele mundo que ele via do lado de fora da janela do carro, mas sim um outro que eles descreviam. Que eles nem sabiam direito "como é que essa gente vive". Insistiam em levá-lo a "maravilhas da arquitetura moderna, nossa tradição Niemeyer" (o que Josh chamou de panelaks – acostumado que está à contribuição à base de concreto dos soviéticos para a arquitetura do século 20 por estas bandas).

Disse que o Brasil é lindo, mas nem tanto. Que os extremos são visíveis e que a atmosfera é tensa. Achou a Folha um colosso de gente interessante, o Valor resolutamente falando "americano". Mas os brasileiros que conheceu vivem in denial – em estado de negação, em atitude negativista, nihilista, auto-destruidora.