JORNAIS DIÁRIOS
Luciano Martins Costa (*)
A sensação de dèja-vu que os leitores experimentam em sua relação com os jornais diários, revelada em grande número de pesquisas realizadas nos últimos anos, tem uma relação direta com a redução da importância desse meio nos processos de escolha dos anunciantes.
Essa percepção, registrada reiteradas vezes por profissionais como Célia Belém, uma das maiores especialistas do país no estudo de marcas e comportamento do público, é um dos sinais mais antigos e persistentes das análises que têm anunciado a realidade, que afinal todos percebemos: a crise veio para transformar radicalmente o modelo de negócio que sustenta as empresas de comunicação.
O que vem por aí representa um desafio não apenas para os jornalistas, mas principalmente para os gestores e para os profissionais dos departamentos comerciais e de marketing da mídia como um todo, alcançando editoras de revistas e emissoras de rádio e TV. As experiências em curso, como o fim da departamentalização das áreas de vendas de anúncios, assinaturas e projetos especiais, dão sinais de esgotamento. Nas grandes editoras, como os grupos Abril e Globo, os profissionais de vendas agrupados em forças-tarefa resistem a partilhar suas agendas.
Na Abril, o sistema é chamado pejorativamente de "piscinão de Ramos". É uma repetição do que ocorreu com as redações durante as experiências dos "grupos temáticos", quando os jornalistas foram afastados de suas especialidades e tiveram que cobrir pautas gerais nos chamados pools de reportagem. A tese das "usinas de informação" não deu certo. O custo das folhas de pagamento caiu num primeiro momento, mas a maioria das empresas se viu obrigada a contratar especialistas e criar a casta dos "repórteres especiais" para conseguir alguma diferenciação.
Manhãs e noites
O veio criado com os tíiacute;tulos populares, surgidos com a estabilização da moeda ? que também deu origem a novas linhas de iogurte, bolachas, calçados e perfumes ? foi percebido tardiamente pelas empresas de comunicação, e as iniciativas nesse sentido também dão sinais de esgotamento precoce. Apenas o nicho de revistas femininas populares ainda revela certa pujança, sustentado pelas mulheres jovens que se tornaram arrimos de família e progressivamente ocupam postos de trabalho no setor de serviços.
Já não restam truques nas cartolas dos magos do marketing. A festa dos brindes, dicionários, coleções de fascículos e outras cenouras com que se tentou atrair assinantes para os jornais já não encontra patrocinadores. Aliás, alguém aí lembra de algum dia haver aberto e consultado um daqueles dicionários ou enciclopédias? Também já não há recursos para presentear com assinaturas de jornais e revistas os compradores de aparelhos de DVD. Ou vice-versa. No entanto, o modelo de negócio de um jornal ainda exige, como nos velhos tempos, que pelo menos 60% da carteira de assinantes se mantenha fiel ao título.
Aparentemente, ninguém ainda encontrou uma saída de emergência. A única espécie de consultor que ainda se vê nas redações é especializada em finanças e o resultado de suas atividades é o crescente medo de novos cortes. Uma certa paralisia desaconselha o início de projetos que exijam o engajamento dos profissionais e mesmo os cursos de gestão com que se pretendeu enriquecer o perfil dos editores estão sendo adiados em dois dos grandes grupos de comunicação do país. Ninguém sabe exatamente o que se deve aprender. Muitos jornalistas em cargos de chefia ainda resistem a assumir a responsabilidade pelos resultados de suas empresas.
Do outro lado do balcão, anunciantes revelam que gostariam de contar com mais flexibilidade nos formatos oferecidos. A iniciativa da Associação Nacional de Jornais, de premiar anunciantes por sua criatividade, sofreu resistências internas, pela exigência da quebra de alguns padrões de diagramação, mas a necessidade de caixa acabou se impondo. Agora, o mercado dá sinais de que receberia bem uma mudança na distribuição dos cadernos ? com mais oferta de espaço editorial para negócios, por exemplo. Seria uma forma de atrair anunciantes que pendem naturalmente para outras mídias.
Mas espaço editorial significa custo, não receita, e poucos têm condições de investir na atração dessa clientela possível. Ou seja: como numa sinuca, é preciso dinheiro para ganhar dinheiro. Enquanto isso, as manhãs continuam cada vez mais parecidas com as noites anteriores.
(*) Jornalista