Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

username: Kubanacan e laranjas via internet

TRIPÉ SATÂNICO

Rogério Gonçalves (*)

Primeiro foram as concessionárias de telefonia pública impondo a contratação de provedores de acesso internet desnecessários pra cima dos usuários, usando como justificativa uma suposta determinação da Anatel, que na realidade jamais existiu.

Depois foram estados e municípios correndo atrás dos impostos dos provedores de acesso internet que, pegando carona numa norma fajuta e inconstitucional, passaram a fazer parte de uma suspeita elite econômica que não precisa emitir notas fiscais e muito menos pagar impostos.

E, como era inevitável, as supostas irregularidades envolvendo provedores de acesso internet acabaram dando as caras na Justiça em milhares de ações, defendidas por advogados que de uma hora para outra tiveram de se transformar em especialistas em internet e fazer verdadeiros milagres para defender os interesses dos clientes utilizando apenas os artigos 60 e 61 da Lei Geral das Telecomunicações (LGT) [ver abaixo links para toda a legislação citada] e algumas definições desencontradas sobre o que seria a rede criadas por outros advogados.

Mas a bomba estourou mesmo foi no Judiciário, onde ficou evidente a dificuldade dos juízes em estabelecer a diferença entre serviços de valor adicionado (SVAs) e serviços de telecomunicações, recorrendo apenas ao texto da LGT, particularmente aos artigos 60 e 61 e partindo sempre do pressuposto da existência de provedores de acesso internet prestando um desses serviços, o que acaba prejudicando o entendimento da matéria ? pois os serviços de valor adicionado que utilizam redes de dados como suporte são apenas programas de computador (softwares), e as atividades exercidas por aqueles que comercializam o uso destes programas por terceiros são enquadradas como prestação de serviços de informática, regida pelas leis n? 7.232, de 29/10/84, e n? 9.609, de 19/2/98, do âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Ocorre também que a internet é formada através da conexão de inúmeras redes de dados espalhadas pelo mundo, operando em modo de comutação de pacotes, que podem ser enquadradas ou não como serviços de telecomunicações, dependendo da legislação dos países em que estão instaladas.

No Brasil, o artigo 69 da LGT estabelece as regras para definição dos serviços de telecomunicações:


Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos.

Parágrafo único. Forma de telecomunicação é o modo específico de transmitir informação, decorrente de características particulares de transdução, de transmissão, de apresentação da informação ou de combinação destas, considerando-se formas de telecomunicação, entre outras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens.


Com isso, as características dos terminais utilizados podem ajudar a identificar a categoria do serviço de telecomunicações ao qual pertencem e, conseqüentemente, os tipos de serviços de valor adicionado suportados por eles. Por exemplo: com os terminais telefônicos da rede de telefonia fixa podemos falar com outras pessoas, mas não podemos acessar nosso e-mail ou exibir páginas html, assim como com computadores das redes de dados sem adaptadores e programas especiais ainda não podemos dizer alô a ninguém.

Portanto, para acabar com o caos que se instaurou na Justiça, que expõe juízes a situações constrangedoras de, por dever de ofício, terem de dissertar e decidir sobre assuntos técnicos alheios as suas carreiras, dos quais, por motivos óbvios, não reúnem grandes conhecimentos, bastaria que o conselho diretor da Anatel cumprisse o texto da LGT e emitisse súmula esclarecendo de forma oficial e categórica se as redes de dados, formadas a partir de backbones internet localizados em território brasileiro, são ou não serviços especializados de comunicação de dados, que operam em modo de comutação de pacotes, de interesse coletivo, prestados em regime privado e caracterizados como serviços de telecomunicações.

Para facilitar um pouco o trabalho, os senhores conselheiros poderiam consultar os termos de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações (SRTT) emitidos em 27/7/98 para todas as concessionárias de telefonia do antigo sistema Telebrás, autorizando-as a prestar Serviços de Rede Comutada por Pacote. Outra boa fonte de consulta pode ser a Portaria MC 770/94, que estabelecia os valores para a prestação dos serviços da Rede Nacional de Comutação de Pacotes (Renpac), explorada pela Embratel desde 1985. Além de praticamente idêntica quanto a estrutura e forma de utilização, atualmente chega até a oferecer serviços baseados nos protocolos TCP/IP da internet (Renpac 2040 e 3040).

De qualquer forma, como não dá para esperar nada que se aproveite dos mesmos caras que em 1995 atropelaram a Constituição e privatizaram por conta própria os serviços de comunicação de dados com a suspeitíssima norma 004/95, revogada pela LGT junto com a Lei 4.117 em 1997 (muitos diretores da Anatel são remanescentes da equipe do falecido ministro Sérgio Motta), vão aqui algumas dicas para ajudar a abrir a caixa-preta criada pelos doutores, que tem ferrado tanto os usuários de internet com as vendas casadas de serviços desnecessários, quanto o próprio povão que nunca nem ouviu falar de internet, mas fica privado do recolhimento de impostos que poderiam ser revertidos em seu benefício.

O modelo OSI

Para poderem trocar informações entre si, os programas de comunicações dos computadores (protocolos) precisam seguir regras pré-estabelecidas válidas para todos.

As redes de dados que operam em modo de comutação de pacotes baseiam-se em modelo estabelecido pela ISO (International Standards Organization) chamado RM-OSI (Reference Model for Open Systems Interconnection), documento ISO 7.498, que estabelece sete camadas definindo procedimentos a serem seguidos pelos protocolos para transferência de informações entre computadores em rede, que são:


camada 7: aplicação

camada 6: apresentação

camada 5: seção

camada 4: transporte

camada 3: rede

camada 2: enlace

camada 1: física


Resumindo, a camada 1 corresponde à placa de rede, e na camada 7 são executados os protocolos utilizados pelos serviços de valor adicionado suportados pelas redes de comutação de pacotes.

Tanto a Renpac quanto a internet baseiam-se no modelo OSI, utilizando porém implementações diferentes: na Renpac existe o nível físico (camada 1), o nível quadros (camada 2), o nível pacotes (camada 3) e os protocolos superiores (camadas 4, 5, 6 e 7), enquanto na internet existe o nível físico (camada 1), o nível internet (camadas 2 e 3), o nível transporte (camada 4) e o nível aplicação (camadas 5, 6 e 7).

A Renpac utiliza protocolos de comunicações nos padrões da série X da CCITT (Comité Consultatif Internationale de Telegraphie et Telephonie), e a internet utiliza protocolos de comunicações que seguem os RFCs (request for comments) 791 (IP) e 793 (TCP) da IAB/IETF, reconhecidos pela ISO. Todos estes protocolos têm em comum a definição de “packet-switched” (pacote comutado), argumento mais do que suficiente para, de acordo com o artigo 69 da LGT e o artigo 22 da Resolução 73 da Anatel, caracterizar o tipo de serviço em que eles serão utilizados, quanto à forma de telecomunicação, como comunicação de dados.

Detalhes que a Anatel escondeu

** Os itens 8 a 14 do Artigo 19 em conjunto com o Artigo 75 da LGT definem os limites de autoridade da agência reguladora e deixam claro que eles se restringem aos meios físicos e às radiofreqüências utilizadas para prestação de serviços de telecomunicações entre edificações distintas separadas por vias públicas, ou seja, a Anatel detém autoridade sobre fios, cabos e demais equipamentos existentes entre os pontos de terminação de rede (PTRs) e centrais telefônicas (incluindo as centrais) ou eventuais equipamentos para conexão de computadores remotos em redes de dados (incluindo estes equipamentos), assim como sobre todos os fios, cabos e demais equipamentos existentes entre bridges e roteadores (inclusive estes) que utilizam canais de telecomunicações. Mas ela não apita nada sobre o que acontece dentro dos computadores dos usuários, pois computadores e softwares, inclusive os protocolos de comunicação que executam os serviços de valor adicionado das redes de telecomunicações, estão no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O próprio artigo 61 da LGT reafirma que a Anatel não tem nada a ver com softwares.

** As redes de dados são formadas a partir de dois computadores que tenham seus dispositivos de comunicação (placas de rede) interligados fisicamente para que, utilizando protocolos de comunicações, possam transferir dados entre si.

** Para um usuário poder acessar os serviços de valor adicionado armazenados nos demais computadores das redes de comutação de pacotes como a internet, antes de tudo, é necessário que seu próprio computador passe a fazer parte da rede, operação realizada através de protocolos de comunicação envolvendo apenas as camadas 2 e 3 (enlace e rede) do modelo OSI. Assim, “prover acesso à internet” é completamente diferente de “prover conexão à internet”, pois o acesso à rede internet é condicionado a uma prévia conexão bem-sucedida do computador do usuário à rede internet, realizada diretamente entre os equipamentos dos detentores das redes e os computadores dos usuários, sem interferências externas.

** Nas redes de dados locais (restritas a uma mesma edificação ou imóvel), a interligação física dos dispositivos de comunicação dos computadores (placas de rede) pode ser feita através da utilização de cabos de redes (coaxiais, par trançado ou fibras ópticas). As redes de dados locais não precisam de autorização da Anatel para serem utilizadas (Art.3?, Resolução Anatel 65/98).

** Para conectar de forma permanente redes locais instaladas em edificações diferentes, que podem estar situadas a quilômetros de distância (claro que se as edificações forem coladinhas uma na outra, como nos condomínios, todo mundo vai preferir dar uma esticada nas redes locais), é obrigatória a contratação de canais de telecomunicações fornecidos pelas concessionárias de telefonia pública (termo SRTT), pelos autorizados do Serviço Limitado Especializado (SLE) ou pelos autorizados do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Os canais de telecomunicações terão exatamente a mesma função dos cabos de rede, servindo apenas para interligar fisicamente os dispositivos de comunicação dos computadores. Em seus extremos, porém, deverão ser instalados equipamentos de gerenciamento de comunicação de dados (roteadores ou bridges).

** Se uma pessoa contrata um canal de telecomunicações de um autorizado SRTT, SLE ou SCM para conectar sua rede local à rede internet, na realidade estará contratando dois serviços diferentes de telecomunicações: um representado pelo canal de telecomunicações (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais ? SLDD) e outro representado pela incorporação permanente de sua rede local à rede internet (Serviço de Rede Comutada por Pacote). Como, segundo a LGT, os serviços de rede comutada por pacote também devem ser prestados por autorizados do SRTT, SLE ou SCM, provavelmente os dois serviços serão fornecidos de forma conjunta por uma mesma empresa de telecomunicações.

** Uma rede de dados conectada de forma permanente à rede internet através de canais de telecomunicações torna-se parte integrante da própria internet, aumentando a sua abrangência e transformando a rede de dados em rede IP (internet protocol). A forma de exploração das redes IP é que definirá a condição de seus detentores como usuários ou fornecedores de serviços de telecomunicações.

** Caso a rede IP seja utilizada exclusivamente para prestação de serviços de informática, através da instalação de computadores (servidores web) com programas que interagem com os protocolos baseados na camada 7 (aplicação) do modelo OSI para executar serviços de valor adicionado suportados pelas redes IP como páginas de hipertexto (http), envio de e-mail (smtp), recebimento de e-mail (pop) e transferência de arquivos (ftp), o detentor da rede será considerado usuário de serviços de telecomunicações.

** Se além da prestação de serviços de informática o detentor da rede IP fornecer, através de canais de telecomunicações, conexão a sua própria rede para uma outra rede de dados não-IP ou utilizar equipamentos que permitam conexões de terceiros a sua rede IP através de linhas do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC), freqüências de rádio ou cabos de TV, estará ofertando telecomunicações, sendo considerado portanto fornecedor de serviços de telecomunicações e precisará de autorização da Anatel (SCM) para explorar o serviço.

** Computadores avulsos podem ser conectados temporariamente a redes IP, em velocidades de até 64 Kb/s, através do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC). Neste caso, devido ao modo analógico de transmissão da rede do STFC, em vez de placas de rede são utilizados modems para estabelecer circuitos comutados (ligados) entre os computadores dos usuários e dispositivos especiais das redes IP, conhecidos como Servidores de Acesso Remoto (Remote Access Server ? RAS). O conjunto formado por modem, linha do STFC e RAS serve para simular a existência de placas de rede nos computadores remotos, permitindo assim que eles passem a fazer parte das redes.

** A conexão física de computadores a redes IP remotas através de linhas discadas da rede do STFC é feita por programas incorporados aos sistemas operacionais, que utilizam protocolos de comunicação conhecidos como ponto-a-ponto para estabelecer um meio de transmissão entre os modems e os RAS (o circuito estabelecido é denominado sessão PPP). Por exemplo, o programa Dial Up de comunicação do Windows realiza conexões através do protocolo PPP (Point to Point Protocol) na camada 2 (enlace) do modelo OSI. Após o protocolo PPP estabelecer as sessões, outros protocolos da camada 3 (rede) existentes nos RAS fazem a autenticação e habilitam os computadores, fornecendo números de identificação que permitirão a troca de informações com os demais computadores da redes de dados.

** Após o Dial Up do Windows ter sido configurado com o número do telefone do RAS da rede de comutação de pacotes, o nome do usuário e a senha, basta um clique do mouse para o protocolo PPP realizar todas as tarefas de conexão automaticamente e de forma transparente para os usuários, pois ele mesmo pega a linha, disca pro RAS, negocia a forma de comunicação e completa a ligação. Quando acaba tudo, de quebra, com outro clique de mouse ele ainda desliga o telefone.

** Caso as linhas do STFC sejam utilizadas para conectar os computadores dos usuários a redes de dados comerciais, exploradas por empresas de telecomunicações prestadoras de serviços de interesse coletivo ou restrito, de acordo com o Artigo 154 da LGT elas estarão servindo apenas como rede de suporte para os serviços de comunicação de dados prestados pelas outras empresas de telecomunicações.

** Atualmente, aproveitando-se da vantagem de serem as detentoras das redes de telefonia pública, as próprias concessionárias de telefonia fixa comutada estão utilizando suas autorizações de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações (SRTT) para explorar diretamente o serviço de comunicação de dados em modo de comutação de pacotes, fornecendo conexão em suas redes IP para os computadores de praticamente todos os usuários de linhas discadas, ISDN e banda larga (aDSL). Exceto pelos oligopólios criados pelas incumbentes, decorrentes da posição dominante de mercado que elas desfrutam, pelo tráfego de dados acima de 64 kb/s em linhas do STFC (conexões aDSL) e do próprio tráfego de STFC nas redes do SRTT (também nas conexões aDSL), é possível afirmar que os serviços de comunicação de dados das concessionárias de telefonia fixa estão quase todos dentro da lei.

** Em serviços de telecomunicações não existem intermediários. Para prestar serviços de comunicação de dados de suas redes IP diretamente aos assinantes, as concessionárias de telefonia utilizam Servidores de Acesso Remoto (RAS) para estabelecer circuitos comutados com os modems dos usuários de linhas discadas e Servidores de Acesso Banda-larga (Broadband Access Server ? BAS) apenas para estabelecer circuitos lógicos com os equipamentos dos usuários de aDSL, pois a comunicação física entre os roteadores ou bridges remotas e o BAS é permanente.

** Através dos nomes de domínio e seus diretórios, podemos identificar direitinho quem são os responsáveis pelos serviços de valor adicionado da rede internet. Alguns destes serviços são pagos, porém a infinita maioria deles, além de gratuitos, são o resultado do trabalho de milhões de anônimos (entre os quais com muita honra me incluo) que dedicaram tempo, talento e esforço somente para enriquecer o conteúdo da rede, literalmente adicionando valor a ela para torná-la tão interessante a todos, pois afinal para que serviria uma rede vazia de conteúdo?

** Na rede internet existem milhões de serviços de valor adicionado, pois até mesmo um simples blog pode ser considerado como um serviço deste tipo, por utilizar um protocolo da camada 7 do modelo OSI chamado http (hypertext transfer protocol) e o responsável por ele poder ser identificado por um domínio que poderia ser, por exemplo, “nomedocara.blog.com”. Porém, o que não pode é um pilantra qualquer querer transformar a própria rede internet em serviço de valor adicionado e, como se todo o conteúdo da rede pertencesse a ele, querer arrumar uma grana em cima dos outros cobrando para que as pessoas possam acessá-lo, pois seria o mesmo que cobrar para permitir que alguém olhe para o céu e veja as estrelas.

** A insistência da Anatel em considerar a internet como uma rede alienígena e recusar-se a cumprir a legislação brasileira, enquadrando as redes IP localizadas em nosso país que fornecem conectividade a terceiros como serviços de telecomunicações, acaba deixando o caminho livre para a fraude, cometida por empresas detentoras de redes IP que, alegando restrições legais que jamais existiram, utilizam-se de laranjas para burlar, por exemplo, o item 6.7 dos termos de SRTT, que obriga as autorizadas destes serviços a manterem registros contábeis distintos, referentes exclusivamente a sua prestação a terceiros. Ao atribuir aos laranjas serviços que foram prestados integralmente por elas, as detentoras das redes IP se livram dos impostos e podem até movimentar eventuais caixas 2, pois o movimento financeiro feito através dos laranjas provavelmente não aparecerá em lugar nenhum.

** Para viabilizar os seus “modelos de negócios”, as concessionárias de telefonia detentores de redes IP impõem a contratação dos laranjas pelos usuários de seus serviços (proibido pelo inciso XI do item 7.1 dos termos SRTT), promovendo verdadeiros festivais de vendas casadas, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.

** Porém, muito pior do que as vendas casadas é ver a própria agência reguladora atuar como bandida no filme, com iniciativas que visam justamente dar sustentação artificial às irregularidades cometidas pelos detentores de redes IP. Por exemplo:


Fornecer, quando questionada pela Justiça, informações oficiais (informes SPV) baseadas em documentos sem valor legal, como a Norma 004/95, que por detalhar a execução de supostos artigos da Lei 4.117 foi revogada junto com a sua lei maior em 1997 pelo artigo 215 da LGT.

Também nos informes SPV distorcer a interpretação do artigo 86 da LGT, passando para o MPF a idéia de que as regras contidas no artigo, válidas apenas para novas concessionárias de STFC que queiram obter concessões para o serviço, também se aplicam a empresas de STFC que já tinham concessões anteriores à LGT (empresas do antigo sistema Telebrás), que são válidas até 2005.

Usurpando prerrogativas exclusivas do Poder Legislativo, alterar através da resolução 73 o texto da Lei 9.274, ao incluir os itens I, II e parágrafo único no artigo 3?, que não existem na LGT, assim como no artigo 22? ter tornado irrelevante a tecnologia empregada para efeitos de definição de serviços de telecomunicações, atropelando o artigo 69 da LGT.

No item IX do Artigo 8? da resolução 190, tentar a proeza de transformar programas de computador em gente, pois nas redes IP os serviços de valor adicionado são executados por protocolos de comunicação (softwares) e a oferta deste tipo de serviço para terceiros é caracterizada pelo artigo 3? da Lei n? 7.232 (Lei da Informática) como serviço de informática, do âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia.

No fim do governo FHC, através da minuta de resolução contida na consulta 417, a agência chutou o pau da barraca e tentou, na maior cara-de-pau, institucionalizar as vendas casadas, inventando o Provedor de Acesso a Serviços Internet (Pasi), que não passa de um novo nome para os laranjas utilizados nas manobras irregulares dos detentores de redes IP.


O que causa estranheza nisso tudo é ver organismos representativos do poder público, como a Anatel e o Comitê Gestor da Internet, endossando e, pior ainda, até incentivando a prática de atos lesivos aos interesses da sociedade, na cara de todo mundo, e ninguém do governo ou do Congresso ligar o desconfiômetro pelo menos para saber o que anda acontecendo. O próprio MCT, que está sendo atropelado pela Anatel com a Consulta 417, parece um marido traído, que provavelmente será o último a saber o que a agência armou pra cima dele.

Serão precisos mais quantos processos de vendas casadas e decisões conflitantes do STJ sobre incidência de ICMS para que os altos escalões da nossa Kubanacan desconfiem que alguma coisa anda fedendo no reino da internet tupiniquim? Sei não… Daqui a pouco vai ter gente achando que existe alguma coisa por trás desta aparente incompetência. Acorda Kubanacan!

A colheita de laranjas

A esta altura do campeonato vocês devem estar se perguntando: seriam os provedores de acesso internet os laranjas desta encrenca toda? Bem, tudo indica que sim, e a discussão sobre o tipo de imposto que deveria ser recolhido por eles me parece um tanto inócua, pois é o mesmo que discutir sobre o tipo de imposto que deveria incidir sobre os serviços prestados pelos flanelinhas que tomam conta dos carros nas ruas da cidade, pois, além de clandestinos, os serviços prestados pelos provedores de acesso internet são analogamente desnecessários para a conexão de computadores a redes IP.

Portanto, em vez de especulações sobre uma prestação de serviços que tecnicamente não existe, talvez seja mais prático diferenciar os serviços de valor adicionado (informática) dos serviços de telecomunicações, de acordo com contextos nos quais eles realmente possam estar sendo explorados, bastando para isso alguns questionamentos simples, conforme abaixo:

a) Uma rede IP está sendo utilizada exclusivamente para prestar serviços de informática? Se a resposta for positiva, o detentor da rede IP será um usuário de serviços de telecomunicações prestando serviços de informática.

b) Uma rede IP está conectada por canais de telecomunicações a redes de dados de terceiros que não são empresas de telecomunicações também detentoras de redes IP? Se a resposta for positiva, aqui estará caracterizada uma oferta de telecomunicações, pois a existência de conexão a uma rede não-IP significa que o detentor da rede IP não está utilizando a conexão externa apenas para redundância de sua própria rede.

c) Uma rede IP contém equipamentos para conexões de computadores remotos feitas através da rede do STFC, como RAS ou BAS ou mesmo concentradores de redes de TV a cabo, e estes equipamentos estão sendo utilizados para prestação de serviços de conexão a terceiros? Se a resposta for positiva, aqui também estará caracterizada uma oferta de telecomunicações. Se o detentor da rede IP, porém, não estiver utilizando os equipamentos, poderá ser considerado apenas como usuário de serviços de telecomunicações.

E claro, uma perguntinha final para que não fique nenhuma dúvida:

O detentor de uma rede IP está cobrando por serviços de conexões que na verdade estão sendo prestados por uma outra empresa também possuidora de rede IP? Se a resposta for positiva, neste caso estaremos diante de um autêntico laranja.

Não fica mais fácil assim?

E, agora, com estas novas informações, qual seria a sua interpretação para o artigo 61 da LGT?


Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.


Para finalizar, caso algum dos prezados leitores conheça alguém no Ministério da Ciência e Tecnologia, por favor avise ao ministro Roberto Amaral que a Portaria MCT 148, de 31/5/1995, que aprovou a falecida norma 004/95, apesar de tratar de matéria relativa ao MCT (serviços de valor adicionado) e constar como documento oficial do próprio MCT, na realidade foi assinada apenas pelo ministro das Comunicações da época.

Também nunca é demais lembrar que, para não perder o hábito, os autores da norma 004/95 (leia-se Anatel) estão invadindo de novo a praia do MCT com a minuta de regulamentação da Consulta 417, pois, para tentar legalizar vendas casadas, estão inventando o novo tipo de laranja, o nossos conhecidos Pasi, o que continuará impedindo que o governo arrecade impostos com os serviços de informática (valor adicionado) prestados através da internet.

(*) Webmaster do username:Brasil <http://tele171.atualize.net>

Links para os documentos citados no texto

Lei 7.232, de 29/10/84

Lei 9.609, de 19/2/98

Lei Geral das Telecomunicações

Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (Resolução 73)

Regulamento do Serviço Limitado

Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia

Resolução 190

RFC 793 ? Protocolo TCP

RFC 791 ? Protocolo IP

Portaria MCT 148