CONSELHO DA ANATEL
Rogério Gonçalves (*)
No dia 16/2/2003 ocorreu a renovação do representante dos usuários no Conselho Consultivo da Anatel. Esta nomeação pode ser contestada devido à falta de publicação no DOU do edital convocatório, exigido pelo artigo 37 do Decreto 2.338, que regulamenta as atividades da agência. Diz o artigo:
Art.37. Os integrantes do Conselho Consultivo, cuja qualificação deverá ser compatível com as matérias afetas ao colegiado, serão designados por decreto do Presidente da República, mediante indicação:
I ? do Senado Federal: dois conselheiros;
II ? da Câmara dos Deputados: dois conselheiros;
III ? do Poder Executivo: dois conselheiros;
IV ? das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações: dois conselheiros;
V ? das entidades representativas dos usuários: dois conselheiros;
VI ? das entidades representativas da sociedade: dois conselheiros.
? 1? No caso dos incisos I e II, as indicações serão remetidas ao Presidente da República trinta dias antes do vencimento dos mandatos dos respectivos representantes.
? 2? As entidades que, enquadrando-se nas categorias a que se referem os incisos IV a VI, pretendam indicar representantes, poderão fazê-lo livremente, em trinta dias contados da publicação do edital convocatório no Diário Oficial da União, remetendo ao Ministério das Comunicações lista de três nomes para cada vaga, acompanhada de demonstração das características da entidade e da qualificação dos indicados.</font>
? 3? A designação para cada uma das vagas referidas nos incisos IV a VI será feita por escolha do Presidente da República, dentre os indicados pela respectiva categoria.
? 4? Na ausência de indicações, o Presidente da República escolherá livremente os conselheiros.
Após a estranha nomeação do presidente da Associação das Empresas de Telecomunicações para ocupar um dos cargos de representante dos usuários no Conselho Consultivo da Anatel, passei a acompanhar mais de perto o processo de renovação anual de seus integrantes.
Numa tentativa de dar alguma representatividade aos usuários no conselho, visando inclusive debater com mais profundidade iniciativas polêmicas da agência, como a Consulta 417 e as vendas casadas do acesso internet em banda larga, combinei com o Sr. Horácio Belfort, presidente da Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido ? Abusar, que apresentaríamos uma lista tríplice em nome da associação, composta por pessoas verdadeiramente comprometidas com os interesses dos usuários (meu nome não estaria na lista).
Assim, desde novembro vinha visitando com certa freqüência a página da Anatel para verificar a publicação do edital convocatório e, seguindo o trâmite legal, enviar a lista tríplice da Abusar ao Ministério das Comunicações, para que ela pudesse passar pelo processo de escolha do presidente da República em igualdade de condições com as demais entidades representativas dos usuários.
O mandato do representante dos usuários terminaria em 16/2/2003; faltando menos de 30 dias para que a renovação se efetivasse, o edital ainda não havia sido publicado. No dia 25/1/2003 solicitei que a Anatel me informasse a data de publicação no DOU do edital convocatório, que ficou registrada com o n? 34222.2003. Passado um mês, a Anatel não respondeu, o que me faz supor que o edital não foi publicado.
Melhor ainda foi descobrir que no DOU de 6/2/2003 consta a nomeação do Sr. Edilson Soares dos Santos para o cargo de representante dos usuários (???) no Conselho Consultivo.
Aí, o meio de campo embolou. Se existiu edital convocatório, por que a Anatel não soube informar a data de sua publicação? E se o Sr. Edilson tiver sido nomeado sem que o edital convocatório fosse publicado? Imagino que o ato jurídico não seria perfeito, por não ter sido obedecido o requisito legal da publicação do edital e a nomeação do Sr. Edilson seria nula de pleno direito.
Diante deste "achado", resolvi pesquisar mais um pouquinho as atas das reuniões do Conselho Consultivo e me pareceu que, em vez de seguir os procedimentos do Decreto 2.338, os conselheiros criaram um método próprio, prelo qual eles mesmos escolhem seus sucessores e os indicam ao ministro das Comunicações que, confiando na lisura do processo, solicita ao presidente da República as nomeações, certamente desconhecendo que para as indicações dos representantes das entidades representativas existe a exigência legal de editais convocatórios.
Situação irregular
Indícios de que este tipo de manobra pode ter ocorrido são a presença do Sr. Cleófas Uchôa na 32? reunião do Conselho Consultivo, realizada em Salvador no dia 29/11/2001 e sua conseqüente nomeação para o conselho em 15/2/2002, na condição de representante dos usuários ? mesmo sendo presidente de uma associação de empresas de telecomunicações. Ele foi empossado no cargo na 35? reunião do Conselho, realizada em 29/3/2002, a mesma que empossou o presidente em exercício da Telemar, José Pauletti, como representante no Conselho das entidades representativas da sociedade.
Vale lembrar que, na condição de conselheiros, estes senhores, mesmo tendo interesses diretos nos assuntos, serão responsáveis pela análise de importantes decisões da Anatel, como os novos contratos de concessão do STFC, o que dará a eles acesso a informações privilegiadas que poderão influir na licitação que se realizará em 2005, cuja consulta pública ora se encontra em andamento.
Ainda não tenho dados para provar. Soube, porém, por fontes seguras que o novo representante dos usuários, nomeado no dia 6/02/2003, pertence à mesma desconhecida instituição de defesa da cidadania localizada em Uberlândia, MG, da qual faz parte seu antecessor.
Caso minhas suspeitas sejam confirmadas, talvez sirvam para explicar uma das principais causas das constantes violações de direitos que os usuários de telecomunicações têm sofrido nos últimos anos, com numerosas decisões discutíveis da Anatel, invariavelmente a favor das empresas, pois o desrespeito ao DL 2.338 elimina totalmente uma participação verdadeiramente representativa da sociedade nas decisões da agência, tornando o Conselho Consultivo uma espécie de clube fechado.
Um Conselho Consultivo inoperante permite que os dirigentes da agência fiquem liberados para atuar da forma que bem entenderem, sem o risco de terem suas decisões contestadas por órgão da administração superior. E parece ser este exatamente o objetivo da atual sistemática ilegal de nomeações, pois no próprio sítio da agência consta que nos quase seis anos de existência da Anatel o Conselho Consultivo produziu apenas um único documento, que ainda assim se resume a uma simples releitura da Lei geral das Telecomunicações.
Ao contrário do que ocorre com as pessoas comuns, é obrigação legal e moral de qualquer conselheiro da Anatel conhecer em detalhes a sistemática de sua própria nomeação, o que demonstra ter o Conselho Consultivo agido de forma suspeita ao induzir o ministro Miro Teixeira a involuntariamente renegar seu passado de luta pelos direitos dos cidadãos e indicar um novo integrante para uma elite que pretensamente se julga dona dos destinos das telecomunicações em nosso país.
Os conselheiros sabem muito bem que segundo o ? 5? do DL 2.338, a dispensa de edital convocatório só foi permitida para a escolha dos primeiros integrantes do Conselho Consultivo, na época da instalação da agência, e de forma alguma poderiam perpetuar este procedimento nos processos de renovação anuais dos representantes da sociedade.
Caso esteja correto na suposição extrema de que os editais convocatórios para renovação dos representantes da sociedade no Conselho Consultivo da Anatel nunca tenham sido publicados, isto significará que metade do atual Conselho estará em situação irregular (artigo 324 do Código Penal), não podendo portanto deliberar sobre nenhum assunto da agência.
Surpresa
A própria situa&ccediccedil;ão anacrônica destes conselheiros permitiria que a atitude de induzir um ministro de Estado ao erro fosse enquadrada como conduta incompatível com a dignidade exigida pela função, prevista no inciso I do Art.40 do DL 2.338, pelo simples fato de que devido ao ato jurídico imperfeito de suas nomeações legalmente eles não seriam conselheiros, não tendo portanto nenhum mandato a perder.
Entretanto, os demais conselheiros, nomeados legalmente, que não tomaram qualquer providência para evitar que os direitos de representatividade da sociedade no Conselho Consultivo da Anatel fossem violados, endossando procedimentos supostamente ilegais, estariam sujeitos a perda do mandato prevista no artigo 40, o que poderia reduzir o atual conselho a apenas três integrantes, que seriam aqueles que assumiram o mandato em 2003.
Como cidadão, não captei os motivos que podem levar profissionais de reputação ilibada e altamente respeitados em suas áreas de atividade a participar de um esquema mesquinho que envolve até o fornecimento de informações falsas a um ministro de Estado e ao próprio presidente da República, somente para evitar que os usuários de serviços de telecomunicações possam exercer plenamente sua cidadania, garantida em lei, através da representatividade no Conselho Consultivo da Anatel.
A coisa fica ainda mais esquisita se levarmos em consideração que a função pública de integrante do Conselho Consultivo nem sequer é remunerada. Sendo assim, quais devem ser os reais motivos para que os "conselheiros" joguem tão pesadamente, só para manter o povão fora da Anatel?
De qualquer forma, no dia 25/1/2003 eu fiz um questionamento direto à Anatel, utilizando os meios previstos em lei, e exijo que a agência me informe a data de publicação do edital convocatório referente à renovação do integrante do Conselho Consultivo, representante das entidades representativas dos usuários, cujo mandato terminou no dia 16/2/2003.
Espero sinceramente que tanto o edital do qual requeri informações quanto todos os demais editais convocatórios anteriores tenham sido publicados e tudo isso não passe de um simples mal-entendido, pois no dia 26/2/2003, durante o debate público sobre as Novas Regras dos Contratos de Concessão da Telefonia Fixa, realizado na sede da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, levei o assunto ao conhecimento do representante do ministro Miro Teixeira, Ildson Duarte, que demonstrou certa surpresa e desagrado com a possibilidade de o novo governo ter sido levado a cometer um ato lesivo aos direitos dos usuários, induzido por manobras corporativistas promovidas por pessoas acima de qualquer suspeita e nas quais o ministro depositava total confiança.
Com a palavra a Anatel e o ministro Miro Teixeira.
(*) Webmaster do sítio Atualize <http://user.atualize.net>