Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Valmir Santos e Lúcia Valentim

PANELAS CULTURAIS

“Movimento teatral critica recuo do governo Lula”, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/03

“Novas diretrizes em tempos de polêmica na política cultural do governo Lula também mobilizam a chamada classe teatral.

O movimento Arte contra a Barbárie, que desde 1998 catalisa em SP ações pró-políticas públicas para o setor, com irradiação nacional, se manifesta sobre ?dirigismo cultural? e ?contrapartida social? no documento ?A Arte na Cultura do Favor?.

Assinado pelo Arte contra a Barbárie, pela Cooperativa Paulista de Teatro e pelo periódico teatral ?O Sarrafo?, que o publica na próxima edição, o texto afirma que ?a demonização da ?contrapartida social? foi uma estratégia de escândalo? que teria sido montada pelos ?libertadores das verbas do cinema nacional?.

?A recusa em pensar modos de contrapartida social corresponde à recusa em modificar as práticas dominantes de produção e de circulação, confinadas nos limites excludentes e medíocres do mercado de entretenimento?, afirma o documento.

Ao que responde o produtor Luiz Carlos Barreto, um dos líderes do movimento contra o ?dirigismo cultural?: ?O que fizemos foi uma manifestação espontânea que nasceu nas várias áreas culturais do Rio. Foi para colocar nossa discordância sobre o que estava escrito [as diretrizes de patrocínio das estatais]. Agora é que estão usando para manipular?. Para ele, é ?uma desvalorização da obra de arte dizer que ela não tem, em si, uma contrapartida social?.

Desde o início do mês, as expressões ?dirigismo cultural? e ?contrapartida social? povoam os debates entre a Secretaria de Comunicação de Governo (Secom), do ministro Luiz Gushiken, o Ministério da Cultura (Minc), de Gilberto Gil, os produtores e os artistas, sobretudo o setor cinematográfico, que rachou quanto à política de patrocínio das estatais.

Empresas como Eletrobrás e Furnas Centrais Elétricas chegaram a anunciar novos critérios para incentivo de projetos culturais por meio de renúncia fiscal em nome de uma ?contrapartida social? (ingressos gratuitos, geração de empregos, vinculação a projetos sociais como o Fome Zero etc).

As estatais recuaram diante das críticas quanto ao ?dirigismo cultural?. O Arte contra a Barbárie nasceu por iniciativa de principais companhias do teatro paulista e personalidades.

Nesses cerca de cinco anos foram lançados três manifestos centrados na defesa da produção, circulação e fruição dos bens culturais como um direito constitucional; e contra a ?mercantilização? da cultura oficial à época, nos planos federal, estadual e municipal.

Reuniões em teatros da cidade e articulações junto à Secretaria Municipal de Cultura e à Câmara Municipal resultaram na criação, em 2002, do Programa Municipal de Fomento ao Teatro.”

“Polêmica é ?tempestade em copo d?água?, diz Gil”, copyright Folha de S. Paulo, 15/05/03

“O ministro Gilberto Gil (Cultura) fez ontem um discurso na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados em que defendeu a quintuplicação dos recursos da pasta, a revisão da legislação de incentivos fiscais para o setor e o controle por parte do ministério do patrocínio das estatais às atividades culturais.

Durante 45 minutos de fala, preparada com antecedência, o ministro argumentou que o ministério dispõe de verbas apenas para o custeio e manutenção, o que teria levado o Estado a ?abdicar?, nos últimos anos, da elaboração da política cultural do Brasil, que estaria delegada ?aos departamentos de comunicação e marketing das empresas, pela via dos incentivos fiscais?.

?O ministério se demitiu de sua missão?, afirmou, argumentando que é necessário, no mínimo, que a pasta disponha de pelo menos 1% do orçamento da União, ou cerca de R$ 1 bilhão. Hoje tem R$ 173,4 milhões.

?Com apenas 0,2% do orçamento federal, o ministério praticamente não dispõe de recursos para a implementação de suas políticas, situação agravada, presentemente, com o contingenciamento de mais de 51% dos seus recursos orçamentários?, afirmou no discurso.

Gil citou como consequência da inoperância do ministério, nos últimos anos, a precariedade do patrimônio histórico nacional, dos museus e a ausência de uma ação nacional de ?inclusão cultural?. ?A cultura se impõe, desde logo, no âmbito dos deveres estatais. É um espaço onde o Estado deve intervir, não segundo a velha cartilha estatizante, mas distante do modelo neoliberal, que faliu?.

Para tentar implementar esse modelo, o ministro, além do aumento da verba, quer o controle pelo ministério da aplicação da verba de patrocínio cultural das estatais e a definição de ?critérios e prioridades? na orientação da aplicação desses recursos.

Há algumas semanas, as verbas das estatais estão no centro de uma polêmica sobre a exigência de ?contrapartida social? dos projetos que se beneficiam do dinheiro existente.

Eletrobrás e Furnas anunciaram novos critérios para incentivos, entre eles a ?contrapartida social?, que poderia resultar em ingressos gratuitos, geração de empregos e vinculação a projetos sociais, atitude que foi classificada por setores envolvidos como ?dirigismo cultural?.

A proposta, que era defendida pela Secretaria de Comunicação de Governo, do ministro Luiz Gushiken, acabou caindo. Gil, que se posicionou de forma contrária à intenção exposta pelas estatais, disse ontem que a história não passou de uma ?tempestade em copo d?água?.

?Eu e o ministro Gushiken somos aliados, companheiros, militantes de um governo que quer que o Brasil dê certo. Não vamos deixar nunca de debater, pessoal e publicamente, eventuais divergências?, afirmou.

Como forma de atender também a movimentos que cobram uma maior repartição dos recursos estatais, o ministro fez várias referências, em seu discurso, à necessidade de que os investimentos não fiquem concentrados nas mãos de poucos.

O ministro pregou ainda, na comissão, a revisão da legislação de incentivos fiscais para a cultura -reunidos nas leis Rouanet e do Audiovisual-, que, segundo ele, ?acumularam distorções de toda ordem, entre elas a ausência de contrapartida financeira do parceiro privado, concentração regional de benefícios e aberrações fiscais?.”

“Cultura e culturas”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“Numa espécie de discussão entre Mussolini e o papa Pio 11, logo após o Tratado de Latrão, de 1929, o ditador disse tantas e boas, prometeu céus nas alturas e paz aos fascistas e católicos de boa vontade. Como resposta, o papa apenas comentou: ?Perdemos o sentido das palavras?.

Não deu outra. O papa morreu em 1939, veio a guerra no mesmo ano, Pio 12 foi eleito, Mussolini aliou-se a Hitler. Após perder o sentido das palavras, o mundo perdeu a paz.

De uma certa forma, tudo começou com a corrupção semântica, as palavras significavam uma coisa ou outra, conforme as circunstâncias. Pureza racial significava genocídio, matar por antecipação era autodefesa -tal como agora aconteceu na guerra no Iraque.

Bem, esse blablablá introdutório, citando exemplos históricos e transcendentais, é apenas para estranhar o uso da palavra ?cultura? no recente debate entre o governo e cineastas. Usou-se a abusou-se dessa palavra, que, na realidade, passou a ser sinônimo de cinema.

Tudo bem. Cinema, segundo um slogan dos exibidores, é ainda a melhor diversão. E, segundo os cineastas, é a cultura, ou pelo menos a manifestação cultural mais importante para que o povo tenha acesso aos valores mais altos da humanidade.

Nada contra o cinema. Um filme de Eisenstein ou da Xuxa é cultura. Mas existem outras manifestações culturais importantes, como a escola, as bibliotecas, os centros de estudos das ciências aplicadas, como a medicina, o direito, a engenharia, sem esquecer os de ciência não aplicada, como a filosofia e a história, para dar dois exemplos.

É justo que o cinema, que não pode viver só de bilheteria (o certo seria isso), reivindique financiamentos e vantagens governamentais para a sua produção. Mas não precisa pleitear uma hegemonia que algumas vezes parece uma distorção cultural.”