E-NOTÍCIAS
internet em crise?
"Três grandes negócios, sem dúvida", copyright Valor Econômico / The Economist, 6/02/01
"‘Nunca tome a alta nas bolsas por inteligência’, disseram os papas de Wall Street quando a realidade, em março, veio furar a bolha pontocom. Seguindo o mesmo raciocínio, jamais confunda bolsas em queda com estupidez. Hoje, está na moda achar um caco o mercado de varejo na internet, o B2C, ou ‘business-to-consumer’. Não faltam ações de líderes de mercado que acumulam queda de 98% em relação ao preço máximo. Na lista, há ex-estrelas, como Priceline e eToys, hoje em luta para sobreviver. Mas, esqueça, por um momento, a insanidade inicial e a decepção que se seguiu e imagine a redescoberta das três empresas que, em grande parte, ditaram os rumos do B2C: Amazon, Yahoo! e eBay. À luz de qualquer parâmetro convencional, tornaram-se negócios
Em nada muda tal julgamento o fato de que, no dia 30, a maior delas – a Amazon – anunciou a demissão de 1.300 empregados, ou 15% da folha, e o fechamento de um armazém e uma central de atendimento. Junto com a reestruturação, a Amazon anunciou, pela primeira vez, uma data para alcançar lucratividade ‘pro forma’ (ou seja, descontados prejuízos com investimentos em outras empresas de internet e uma série de outros itens). Faltam apenas 11 meses para tal data – não mais um ponto indefinido num futuro distante, como acontecia com previsões anteriores. Caso a Amazon cumpra a palavra, algo possível, diante do progresso nas margens operacionais, será um feito e tanto. Pelos padrões do varejo, levar seis anos para registrar lucro, e ainda ‘pro forma’, não é de impressionar. O extraordinário, aqui, é o porte conquistado pela Amazon, e a rapidez com que chegou lá. É uma companhia que fatura quase US$ 3 bilhões e está prestes a sair do vermelho.
Olhe-se agora para as outras duas empresas, e o quadro é ainda mais impressionante. Apesar de a contração no setor de publicidade vir reduzindo seu crescimento, a Yahoo! ainda fatura mais de US$ 1 bilhão por ano e tem margens operacionais de 32%. Outro grande baluarte do universo pontocom, a eBay, também é rentável e cresce mais de 90% ao ano. O trio conseguiu crescer fora de casa e lidera quase todo mercado no qual opera. São empresas batizadas há menos de sete anos com nomes esdrúxulos que, hoje, estão entre as marcas mais populares do globo.
Nem mesmo o mercado em que a trinca opera está hoje tão turbulento quanto levaria a crer a queda nas cotações. A Yahoo!, por exemplo, foi castigada pelo temor de que a leva de pontocom que cresceu no passado às custas da publicidade nas chamadas ‘banners’ vá fechar as portas ou reduzir gastos. Só que 60% da receita publicitária da Yahoo! vêm de empresas alheias ao universo virtual e a projeção geral para o mercado publicitário este ano é de estagnação, e não de queda. E, ainda que a expansão do consumo eletrônico esteja em queda, as vendas mundiais via internet na temporada natalina de 2000 – uma das piores nos últimos anos para o comércio americano, em termos de crescimento – subiram mais de 60%. na comparação com o ano anterior. Sem contar que, ainda hoje, é uma parcela diminuta da população mundial que está on-line.
Ao que tudo indica, as líderes do mercado B2C são as que mais têm a ganhar com o colapso das pontocom. A Amazon, por exemplo, já faturou com o calvário financeiro da eToys, cujo faturamento no Natal despencou em meio a dúvidas sobre sua viabilidade. O mesmo vale para a Yahoo!, que presenciou esta semana a derrocada de mais uma rival – a Go.com, da Disney – e a consequente herança de anunciantes. Já a eBay, tira proveito da queda nas cotações em bolsa para engolir rivais estrangeiras. A compra da sul-coreana Internet Auction, no mês passado, por exemplo, deu um bom empurrão em sua expansão internacional.
Para a trinca, porém, sucesso não é tudo. As rainhas do universo on-line nasceram para ser uma nova espécie de empresa, uma máquina de lucros como nunca antes habitara o mundo. Seu valor de mercado, antes da quebra das bolsas, embutia isto e muito mais. Hoje, apesar das cotações extremamente reduzidas, seu valor de mercado continua a espelhar a crença de que constituem uma raça distinta, destinada a crescer muito mais depressa, faturar muito mais e se alastrar por mais setores do que as rivais do mundo tradicional.
A Yahoo!, por exemplo, ainda vale no mercado o mesmo que as três maiores empresas jornalísticas dos EUA, juntas. O valor da eBay é dez vezes superior ao da Sotheby ? s. Já o fator cotação/receita da Amazon é o dobro do da Wal-Mart. Manchetes de jornais podem até dar a impressão de que a febre da internet acabou. Mas o mercado continua a alimentar grandes esperanças, ao menos pela trinca.
Metas originais.
Aqui, a casa de leilões eBay é o melhor exemplo. O segredo dela é ser nada mais do que uma intermediária. Na prática, a eBay não passa de um software executado sem nenhuma supervisão por um servidor de web. O trabalho, mesmo, é feito pelo público, que compra ou vende. Quem vende paga à empresa pelo privilégio de realizar um leilão próprio. Quem compra, usa o software da eBay para fazer lances. Ao término do leilão, o vendedor e o autor da oferta vencedora negociam entre si o modo de pagamento e entrega. A mercadoria sequer passa pela eBay. Pelo serviço casamenteiro, cujo custo marginal para a empresa é praticamente nulo, a eBay leva entre 7% e 18% de comissão sobre o preço de venda.
Compare-se o esquema ao da Sotheby ? s, uma casa de leilões tradicional. Sujeita a um número limitado de funcionários e instalações físicas para operar, a Sotheby ? s dá conta de um número restrito de leilões. Já a eBay tem capacidade praticamente ilimitada, o que garante vantagens enormes de escala. Uma vez que o vendedor busca liquidez, a vantagem fica com o maior de todos os mercados, que tende a atrair mais público e, mais ainda, num círculo virtuoso. Como a eBay foi a primeira e cresceu a um ritmo acelerado o bastante em seus primórdios, foi capaz de abafar a concorrência local em todo mercado estrangeiro em que fincou pé. Parece, mesmo, ter repelido com êxito as investidas, na arena de leilões, da Yahoo! e da Amazon, que puderam começar com um público acumulado muito maior que o seu.
Os resultados são incríveis. No trimestre mais recente (encerrado em dezembro de 2000), as margens brutas da eBay eram superiores a 80%, e continuavam em alta. Apesar do colapso na Nasdaq, a receita da eBay quase dobrou no ano passado. Até suas margens operacionais, a despeito da acelerada expansão internacional e do pesado investimento em tecnologia e marketing, foram de 20%, o que gerou lucros de US$ 25 milhões no trimestre. No futuro, esperam analistas, as margens operacionais da eBay devem ficar numa média aproximada de 35%, sobre uma receita com alta entre 40% e 50% ao ano. É uma mina de ouro.
O virtuosismo da Yahoo! não chega a tanto. A exemplo da eBay, a maioria do material que preenche o site vem de fora. Só que, em muitos casos, a Yahoo! simplesmente não pode permitir que o software comande o show automaticamente. É preciso gente para organizar informações, vender publicidade e negociar contratos com parceiros. A Yahoo!, porém, também ganha, e muito, com economias de escala. Um público maior atrai não só mais anunciantes, mas também mais e melhores provedores de conteúdo e serviços. A grande maioria acaba dando seus artigos de graça à Yahoo! ou pagando para que o portal distribua tudo entre os usuários como forma de promover o serviço pago que é o ganha-pão do provedor. Tudo isso gera outro círculo virtuoso, já que um conteúdo melhor atrai ainda mais usuários. É como se explica que os três websites comerciais de maior movimento – Yahoo, AOL e MSN – tenham se distanciado ainda mais da concorrência nos últimos dois anos.
Retorno à selva
Em parte por ser a única ainda no vermelho, a Amazon é, das três, a mais polêmica. Os modelos operacionais dos primórdios da empresa insinuavam a mais efêmera modalidade de companhia virtual, aquela que usa um software autônomo para colocar à disposição do público um estoque de livros que nenhuma rival convencional seria capaz de armazenar, para aceitar pedidos via internet, para lançar a conta em cartão de crédito e repassar o pedido para distribuidoras ou editoras. Tudo com o mínimo de intervenção humana, desde que não da parte da Amazon. É como disse seu fundador, Jeff Bezos: ‘Temos poucas instalações, mas tecnologia de sobra. O custo da tecnologia cai a cada ano, enquanto o do imóvel sobe.’ É um modelo quase perfeito: a receita de um comerciante com as despesas gerais de um caixa eletrônico.
Na verdade, a Amazon nunca foi tão virtual assim. Desde o começo, foi preciso armazenar por conta própria todos aqueles livros, já que ficou patente que nenhuma distribuidora queria lidar com pedidos unitários e os custos do frete exigiam que os pedidos fossem consolidados num único despacho. Hoje, a empresa tem sete centrais de distribuição nos EUA, e uma no Reino Unido, na França, na Alemanha e no Japão.
Empilhadeiras e plataformas de carga à parte, a Amazon conta com parte dos benefícios da ‘economia de rede’ desfrutados pela Yahoo! e pela eBay. A exemplo das duas, muito do ‘conteúdo’ do site da Amazon custa, à empresa, quase nada. Vem dos próprios usuários, na forma de críticas do público, ou de editoras e fabricantes.
As grandes vantagens da Amazon, no entanto, são mais visíveis quando contrastadas com adversárias da velha guarda. Graças à rede centralizada de armazéns e às prateleiras virtuais, a empresa pode manter um número pequeno de cada produto em estoque, sem precisar manter um punhado em cada loja. E já que as despesas de frete tendem a se equiparar, independentemente da natureza do produto, há a esperança de lucrar mais com a venda de artigos mais caros. As margens no setor de eletroeletrônicos, por exemplo, são sabidamente baixas em virtude dos custos de estoque e depreciação. Com estoques centralizados e despesas de processamento relativamente fixas, a Amazon é capaz de tornar tal negócio muito mais atraente.
Bezos, sabidamente, ergueu a empresa sobre a filosofia do ‘crescimento acelerado’. Ou seja, enquanto o mercado de capitais tolerasse, o mote da Amazon seria tocar o barco à toda, sem pensar em lucro. Até hoje, a empresa já levantou US$ 2 bilhões. Perdeu, no intervalo, praticamente a mesma cifra. O colapso na Nasdaq encerrou o repasto da Amazon no cocho das bolsas. O banquete também foi interrompido por uma seca correspondente no mercado de ‘junk bonds’ (títulos de alta rentabilidade e risco). Não surpreende que, no ano passado, muito analista tenha manifestado o temor de que a empresa ficaria sem caixa antes de atingir um equilíbrio nas contas.
A informação, divulgada na semana passada, de uma data certa para a Amazon chegar à lucratividade, e de um caixa disponível de US$ 1,1 bilhão – pelo menos o dobro do que precisa para chegar ao fim do ano – deve dissipar aqueles receios. Há, porém, outros motivos para questionar o modelo da Amazon. Um deles é que a empresa acumula fracassos além da conta. Vários dos membros da ‘Amazon Commerce Network’ – pequenas pontocom nas quais a Amazon tem participação e que promove no site – fecharam as portas, em geral arrastando o investimento da empresa junto: na semana passada, a Amazon fez o abatimento contábil de US$ 339 milhões referentes a perdas com essas participações.
Além disso, grande parte da eficiência na cadeia de fornecimento da qual o modelo operacional da Amazon depende, está à mercê do ritmo ao qual suas parceiras – de fornecedoras a transportadoras – modernizam seus sistemas para complementar os da Amazon. Esse problema, que já é motivo de frustração para a Amazon nos EUA, é ainda mais grave em outros países.
Mudança indispensável
Para a eBay, o principal problema está na lentidão com que procurou expandir-se para setores distintos do que a originou, seis anos atrás. Apesar da aquisição, no ano passado, da Half.com, do crescimento no setor de veículos usados e da proliferação de pequenos comerciantes no site, a eBay ainda é, grosso modo, um mercadão para a troca de bricabraque. E fraude, ali, é queixa comum.
Se não tivessem ajustado seu modelo operacional, tais empresas, hoje, mereceriam o escárnio de que é alvo o setor. Mas mudaram, e hoje estão numa transformação ainda maior. A Yahoo! é praticamente irreconhecível: de mera lista de endereços, passou a potência integrada de comunicações e comércio, líder eletrônica em tudo, de dados financeiros a classificados pessoais. A Amazon avançou de livros para eletroeletrônicos, carros e celulares. A eBay começou leiloando quinquilharias de fundo do baú e, hoje, é cada vez mais uma vitrine para pequenos comerciantes de todo tipo de mercadoria.
Ironicamente, a trinca, que começou de forma tão distinta, agora compete em vários setores. As três mexem com leilões e servem de vitrine para outras empresas. As três vendem espaço publicitário: ‘banners’ no caso da Yahoo!, comissão pela exibição de produtos nos casos da Amazon e da eBay. As três, cada vez mais, cobram pela oferta de versões de seus serviços a terceiros. E as três, de uma forma ou outra, entraram na arena de serviços financeiros.
Um tema recorrente em tais investidas é a tentativa de tirar o máximo de um público vasto: a Yahoo! tem 236 milhões de usuários cadastrados; a Amazon e a eBay têm, respectivamente, 29 milhões e 23 milhões de clientes. Intencionalmente ou não, todas tornaram-se sites que agregam gente. E todas têm o desafio de ‘monetizar olhos’ (como se diz no infame jargão do setor). Ou seja, tirar proveito do usuário de forma mais astuta que a mera venda de ‘banners’.
Tal expansão, porém, sugere ainda os limites do potencial da trinca, uma vez que coloca, todas, diante de adversárias mais fortes. Uma coisa é conquistar o mercado deixado por minúsculas pontocom em
debandada ou o de empresas da velha guarda. Outra, bem distinta, é a Yahoo! tentar roubar da eBay o cetro de leiloeira virtual. Há, certamente, nichos de sobra em volta do núcleo operacional de cada empresa, e o trio tem razão em tentar ocupá-los quando possível. É, porém, improvável que tais nichos venham a pesar de verdade nos resultados de cada uma.
Com a expansão, as três inevitavelmente ficarão cada vez mais ligadas às empresas tradicionais com que hoje competem. Na esteira da fusão da AOL e da Time Warner, muitos sugeriam que a Yahoo! deveria ter feito um acordo semelhante (talvez com a Disney ou a Viacom) quando teve a oportunidade. É algo que ainda pode ocorrer, mas sob termos muito menos apetitosos. A Amazon hoje tem uma parceria com a Toys ‘R’ Us e atua como o braço de vendas on-line da loja de brinquedos. Já a eBay uniu-se à AutoTrader, uma concessionária de veículos usados. Mais e mais, até a mais sólida das pontocom precisa se unir ao mundo tradicional para crescer e prosperar. E com a maturidade do setor, suas líderes só fazem perder o caráter cem por cento virtual.
Para não rumar, gradativamente, para o valor de mercado de adversárias convencionais, as campeãs do B2C precisam achar um modelo que possibilite o próximo passo na expansão de forma tão eficaz quanto o primeiro. O modelo hoje encampado pela trinca é, curiosamente, semelhante ao adotado pela Microsoft. A .NET, uma iniciativa da líder do software parecida à de rivais como a Oracle, tem por meta migrar cada vez mais do modelo de venda de produtos para o de assinatura – de serviços hospedados em ‘provedores de serviços de aplicativos ‘ , incluindo ela própria.
Amazon, Yahoo! e eBay têm, em seu núcleo, um software. É com software que inovam. São empresas de software que adquirem para ter o controle exclusivo sobre determinada tecnologia. E, na medida do possível, é software que utilizam, e não gente, para tocar os negócios. Até há pouco, todas se dispunham, grosso modo, a distribuir o software de graça em troca da receita obtida com transações ou o movimento por ele gerado. Só que, para manter o hipercrescimento, é preciso buscar novas fontes de receita, e uma muito natural é oferecer sua tecnologia – preciosa que é – a outras empresas, para uso próprio.
As três já andam em tal direção. A Yahoo! cobra uma comissão para viabilizar portais com marca própria para uso interno de grandes empresas. A eBay planeja hospedar uma série de vitrines para comerciantes de pequeno e médio portes, algo bem parecido ao zShops, da Amazon. A Amazon foi além, com o acordo com a Toys ‘R’ Us, que paga para desovar seus estoques pelo software e pelos armazéns da Amazon. A Amazon espera acordos semelhantes com outras empresas cujos produtos são, como brinquedos, sazonais demais para justificar um site 365 dias por ano, ou específicos demais para sobreviver por conta própria. Dezenas de pequenas pontocom, da Ask Jeeves à Respond.com, também vêm vendendo versões privadas da tecnologia que possuem para grandes empresas, em grande parte para fugir da dependência exacerbada da receita do grande público.
O futuro das líderes do universo pontocom é cada vez mais nítido.
Na pior das hipóteses, a Yahoo! ou a Amazon acabarão entrando
numa fusão com uma potência tradicional, a exemplo da AOL. Hoje,
porém, são facilmente capazes de andar com as próprias
pernas. O futuro do trio pode não ser o que se esperava, mas nem por
isso será menos notável."
"O boom da internet malogrou", copyright Valor Econômico, 6/02/01
"Enquanto durou o boom da internet, nada parecia capaz de esvaziar a bolha. Poucas companhias de internet e ponto.com eram lucrativas, mas os investidores pareciam não se importar. Eles olhavam o número de consumidores ou assinantes como base para avaliar as ações de empresas de internet.
O nome do jogo se tornou levantar capital e não obter lucros. Mesmo quando ações da moda despencaram, isso espantosamente causou pouco efeito no resto do mercado. As pessoas haviam aprendido que compensava comprar as ações com preços mais baixos e não foram dissuadidas do hábito até que ele deixou de compensar.
Agora que a febre da internet baixou, ouvimos dizer que os ‘elementos básicos’ estão se reafirmando. Mas essa visão é tão meia verdade quanto a anterior de que o boom duraria para sempre. Na verdade, o ciclo expansão/queda da internet coloca em questão teorias econômicas dominantes sobre os mercados financeiros.
O que deveria ficar claro é que os chamados elementos básicos que supostamente determinam o preço das ações não são independentes. Eles são contingentes ao comportamento dos mercados financeiros. Há, na verdade, muitas maneiras pelas quais o preço das ações afeta a sorte de companhias: ele determina o custo do capital patrimonial; decide se uma companhia será comprada ou comprará outras empresas; influencia a capacidade de uma empresa se endividar e sua habilidade de atrair e remunerar a administração através de opções de ações; serve como uma ferramenta de publicidade e marketing.
Quando os mercados financeiros acreditam que uma companhia está se saindo bem, seus ‘elementos básicos’ melhoram; quando os mercados mudam de idéia, a sorte real da companhia muda com eles. As mudanças nos mercados financeiros trazem também conseqüências macroeconômicas de longo alcance.
Não é preciso ser um gênio para perceber que o boom da internet, baseado, não em expectativas de lucros, mas na expectativa de vender ações ao público a preços cada vez mais altos, se apoiou num modelo de negócio insustentável. Também não é preciso ser um gênio para perceber que o boom seria seguido de um colapso, mas era mais difícil imaginar quando esse colapso ocorreria. No verão de 1991, fiquei convencido de que era iminente um crash das ações de internet, mas elas se recuperaram de uma queda de pouca monta; algumas logo atingiram novos picos. Instituições que vivem e morrem do desempenho relativo sentiram-se obrigadas a aumentar suas posses na internet.
Apesar de seus aspectos irracionais, o boom da internet foi mais uma questão de valorizações inchadas. O otimismo dos mercados financeiros não só mudou os ‘elementos básicos’ de empresas individuais, como provocou efeitos reais e profundos em toda a economia. O boom não foi só uma decorrência do desenvolvimento da internet; ele acelerou esse desenvolvimento e contribuiu para a velocidade e extensão da inovação tecnológica. O mesmo foi verdade nas telecomunicações, nas quais o boom também acelerou a disseminação de novas tecnologias.
O colapso da internet, quando finalmente chegou, foi causado não por um modelo de negócio frágil, mas pela extensão excessiva do crédito. O presente desaquecimento está afetando tanto os elementos básicos de empresas individuais como o preço de suas ações; ele afeta também o sistema financeiro e o desempenho macroeconômico.
Em vez de uma conexão de mão única em que mercados financeiros descontam o futuro com maior ou menor precisão, existe uma conexão de mão dupla em que mercados financeiros configuram o futuro que supostamente descontar.
É irracional que os participantes do mercado baseiem suas decisões exclusivamente em suas expectativas sobre elementos básicos porque esses não determinam os preços do mercado; ao contrário, eles são moldados pelas condições do mercado. É por isso que a recente seqüência boom/queda das ações de internet e telecomunicações é tão reveladora. Esses desdobramentos não podem ser explicados em termos de mercados eficientes e expectativas racionais. Propus uma explicação alternativa baseada na conexão de mão dupla entre elementos básicos e valorizações a que chamo de ‘reflexividade’.
Causa-me espanto e me diverte que os economistas ignorem meus argumentos. Por que meu raciocínio é levianamente rejeitado? Porque ele leva à conclusão de que os mercados financeiros são inerentemente imprevisíveis. Respondo que seria melhor reconhecer as incertezas inerentes ao comportamento dos mercados financeiros do que se aferrar a uma teoria supostamente científica que distorce a realidade. Uma conseqüência da percepção de que os mercados financeiros são potencialmente instáveis é um reconhecimento da necessidade de as autoridades financeiras se ocuparem de impedir excessos. O debate sobre mercados eficientes pode ser misterioso, mas as conseqüências para as nossas vidas são, de fato, muito reais. (George Soros , autor de ‘Open Society: Reforming Global Capitalism’ (Public Affairs), é presidente do Soros Fund Management)"
e-Notícias – próximo
texto
e-Notícias – texto
anterior