NOTAS DE UM LEITOR ? I
Luiz Weis
Depois de assistir ao documentário Tiros em Columbine, numa sessão especial, na noite de sexta-feira (18/7), o primeiro cavalheiro do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, aproveitou o debate sugerido pela filha Clarisse Matheus para comandar uma sessão de linchamento moral da imprensa.
Um dia depois que 11 pessoas foram mortas numa guerra por pontos de droga em Vigário Geral e no mesmo dia em que outras duas morreram no Complexo da Maré, numa megaoperação policial, como oportunamente lembraram os repórteres Karine Rodrigues e Rodrigo Morais, de O Estado de S.Paulo, o marido da governadora Rosinha, na pele de secretário de Segurança, disse que a mídia dissemina "insegurança objetiva".
Disse também, como registrou a repórter Adriana Bittencourt, do Jornal do Brasil, que "a cultura do medo é maior do que a realidade (?) e a imprensa tem grande responsabilidade nese sentido".
[Inexplicavelmente, porque cobriu o evento e registrou a "tristeza" de Garotinho pela decisão do Congresso de condicionar a um plebiscito, em 2005, a venda de armas de fogo, O Globo não deu uma palavra sobre os ataques dele à mídia.]
No clima de pega-pra-capar jornalista que se criou, "da platéia saíam frases como ?vamos esquartejar a mídia?", registrou o Estadão.
Estado e JB anotaram ainda a denúncia do candidato a mais novo sociólogo de comunicação do Rio de que, assim como nos Estados Unidos "os crimes são atribuídos aos negros", a imprensa brasileira "trata os pobres como traficantes e os ricos como viciados".
No JB se fica sabendo também da oportuna contribuição do deputado federal e ex-secretário de Segurança Josias Quintal a tão substancioso debate. Vale a pena transcrever:
"Depois de se exaltar por ser questionado sobre como se sentia fazendo uma campanha contra as armas, após ter tido a campanha política financiada por uma companhia de armas, ele acusou a imprensa de sensacionalismo.
? Vamos controlar a produção e a venda de armamentos, mas a imprensa precisa ter responsabilidade, fazer sua parte, sendo menos sensacionalista e não procurando causar polêmicas. Os jornalistas acabam criando uma sensação de pânico que não existe ? criticou."
O "pânico que não existe" merecia estar no título.
A matéria fecha com a informação de que "a cúpula de Segurança propôs a preparação de um seminário para discutir a questão da indústria da insegurança e o papel da mídia".
O leitor só não ficou sabendo se os causadores de polêmicas e criadores de pânico poderão participar do momentoso evento, sem serem tratados por seus organizadores como bodes expiatórios do horror que é a política de segurança do casal Garotinho.
Lula, lá em 1994
Os jornais puxaram pelo que havia de mais quente na rica entrevista de uma hora que o pessoal do Jornal do Terra, do site terra.com, fez com Fernando Henrique Cardoso na quinta-feira (16/7).
Trata-se da revelação de que Lula foi o primeiro nome pensado para ser "o candidato do Real" na sucessão de Itamar Franco. "Mas o PT na época não queria saber, queria pureza", comentou o ex-presidente. "Na verdade, queria o poder."
Está certo que nas redações falta gente e nos jornais falta espaço, ainda mais numa semana dominada por um único e corpulento assunto ? a reforma da Previdência. E está certo que 1994 já é história antiga para a maioria dos brasileiros.
Ainda assim, a mídia comeu mosca, deixando de checar, com o proverbial outro lado, a versão efeagácênica.
Podia-se ao menos ter tentado perguntar ao ministro José Dirceu ? mencionado por Fernando Henrique como um dos interlocutores, além do próprio Lula, da fracassada operação ? se foi aquilo mesmo: o PT apoiaria o plano de estabilização e o seu líder máximo seria o candidato do novo Brasil sem inflação.
É uma história saborosa demais para ficar para os historiadores.
De frente para a verdade
Da série "quem não leu perdeu": as colunas de Dora Kramer "Mentes a serem reformadas" e "De costas para a sociedade", no Estadão e JB de 17 e 19/7.
Salvo engano, não saiu na imprensa diária avaliação
tão bem-feita ? e corajosa ? do comportamento da magistratura
em geral e dos presidentes do Supremo, Maurício Corrêa,
e do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto Paula de Medeiros,
em especial, diante da reforma da Previdência.
Críticos de mídia devem pensar duas vezes antes de julgar as opiniões expressas em artigos assinados ou em editoriais, a não ser quando ultrapassem o limite da responsabilidade profissional ou da ética, passando ao leitor, por exemplo, a idéia de que à noite faz sol e a lua ilumina o dia.
Mas a acuidade, a consistência e o desassombro dos comentários de Dora Kramer são tantos que não apenas valem o ingresso do leitor, como merecem palmas em cena aberta de seus colegas. Uma amostra:
"Não são todas as pessoas que necessariamente ficarão frente a frente com o Executivo ou com o Legislativo alguma vez em suas vidas. Mas os que nunca dependerão de uma decisão da Justiça representam exceção. Donde o Judiciário chegou onde chegou em matéria de hermetismo e prepotência: a força do medo alimentado pela necessidade presumida".
E outra mais:
"Pode, quem não preserva a própria instituição, permitindo que nela ocorram deformações tais como o pagamento de salários astronômicos a desembargadores em Estados pobres, dar-se ao direito de usar a soberania nacional como instrumento de reivindicação salarial?"
Sem casaca nem informação
Na sua coluna de 18/7, à pagina A 2 da Folha, o repórter Clóvis Rossi bateu pesado nos "companheiros" jornalistas culpados de deixar no ar "se houve ou gafe ou uma tola resistência ideológica" por ter o presidente Lula usado terno escuro no jantar de gala oferecido pelo rei da Espanha, "em contraponto à casaca vestida pelos espanhóis presentes".
No dia anterior, na mesma A 2, Eliane Cantanhêde fechou a sua coluna com uma observação sobre as roupas e jóias caras que a mulher do presidente usa "para bem representar o país", enquanto "Lula vai de terno a um jantar black-tie para ser fiel à origem". E arrematou: "O casal precisa se entender. Ou bem segue a ?liturgia do cargo? ou bem é ?fiel à origem?. Senão [o certo é "se não"], parece puro marketing."
Ainda na mesma A 2, o escritor Carlos Heitor Cony dedicou ao assunto a sua "crônica", escrevendo que "o ex-metalúrgico se recusou a usar os paramentos da burguesia encasacada que tanto desdenhou o trabalho e aqueles que trabalham".
Enquanto isso, no Estadão, a matéria "Muita pompa, circunstância e outra gafe" abriu assim: "Sem casaca, como mandava o protocolo, mas num elegante terno escuro?".
Três boas razões para Rossi, ex-correspondente da Folha em Madri, não deixar por menos.
Depois informar que os espanhóis não fizeram a mais leve objeção ao serem informados pelo Itamaraty que Lula vestiria terno, pois "a casaca caíra em desuso fazia tempo no Brasil", até porque outros chefes de governo em visita ao país já tinham feito o mesmo, tascou:
"O caso da casaca x terno ilustra, temo, uma certa tendência para o espetáculo em vez da informação, para o frívolo em vez do essencial, para a interpretação apressada em vez da devida checagem".
À parte o fato de que, na era da chamada diplomacia pessoal, há muito de "espetáculo" nos encontros entre chefes de governo (ou de Estado), o puxão de orelhas do veterano Rossi nos seus companheiros é duplamente merecido: pelo destaque dado ao irrelevante e pela falta de apurática que os levou a falar do que não sabiam.
Mas, como o próprio Rossi diria em outra coluna a propósito de outro assunto, ele "tem razão, mas só parte da razão".
Para este jornalista, faltou ao artigo senso de proporção. Parece que o fígado de Rossi é o que o levou a escrever que o caso da casaca exemplifica a contaminação do jornalismo brasileiro "por um tipo de mentalidade parecida" com a do afamado Jayson Blair, o repórter-ficcionista responsável pelo que o New York Times considerou o maior escândalo de sua sesquicentenária existência.
A diferença é clara. O caso de Blair é de desonestidade. O caso dos repórteres e colunistas que provocaram a justa ira de um dos praticantes mais conscienciosos do ofício, no Brasil, é de terem obedecido, quando não deviam, ao princípio de que "cachorro que morde homem não é notícia, o contrário sim" ? e, o que é pior, sem terem se dado o trabalho de descobrir o que havia por trás da casaca que Lula não vestiu.
Mas dizer que isso é "síndrome de Jayson Blair" é confundir falta de ética com falta de perspectiva e de informação.
P.S. O humor do companheiro Rossi deve ter ficado ainda mais azedado quando, no mesmo dia em que ele soltou os seus cachorros, a cronista Barbara Gancia, também da Folha, teve a má idéia de abrir o seu texto com a pergunta: "Afinal, foi ou não gafe Lula ter dado as caras no jantar de gala (?) vestindo terno, quando a ocasião pedia casaca?" A sua conclusão: "Que ele ficou parecendo o patinho feio da festa, ficou mesmo. Mas antes um Lula mal-apanhado do que um Fernando Collor na estica".