Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Veja e Silvio Santos

Gustavo Acioli

Por motivos éticos, recuso-me a comprar aquela revista que, não contente em servir à canalhice, ainda estampa na capa: “veja!”. Mas, como o mefistofélico Silvio Santos é irresistível, usei de uma pequena artimanha e li a matéria sobre o Abravanel num exemplar pertencente a um café do Rio. Portanto, não dei dinheiro aos pulhas, apenas ao dono do café.

Entre outras pérolas, lá pelas tantas, o Sinistro Santos dispara, paradigmático: “O brasileiro é um povo humilde. A televisão é a sua única diversão. Esse povo não quer ligar a televisão para ter aula ou ter cultura. Isso quem tem de dar para ele são as autoridades competentes, por meio da escola. Nós, empresários, podemos ir a Miami, podemos ir à França ver ópera. Mas o pobre, que não tem dinheiro nem para ir ao circo, porque tem de comprar cachorro-quente para os filhos, quer é diversão grátis. Temos de dar ao povo o que o povo quer. Se for samba, será samba. Se for mulher com pouca roupa, será mulher com pouca roupa”.

Ouso afirmar que a questão da televisão no Brasil – dos meios de comunicação em geral, mas a TV acima de todos – é mesmo mais grave que a questão da terra ou do capital estrangeiro etc, porque é ela o principal instrumento de manutenção e legitimação de todo esse sistema de dominação.

Pau e circo

Não adianta muito ganhar eleição se a TV continuar sendo operada por essa elite pérfida e mesquinha. Sendo assim, qualquer pensamento político de transformação do Brasil deve pensar estratégias de intervenção na TV e na polícia, porque são as primeiras barreiras de acesso à Democracia.

É inadmissível que um biltre desse quilate, que não tem sequer o pudor de esconder sua falta de responsabilidade social, possa acumular tanto poder sendo dono, sozinho, de uma rede nacional de televisão.

Um bom começo seria forçar essas empresas a abrir capital. Que história é essa de TV Globo Ltda.? Para início de conversa, tem que ser S.A., e com um monte de limitações ao controle acionário das empresas.

O Abravanel acabou de gastar 150 milhões de dólares em um contrato com a Disney e a Warner. Com 10% dessa grana, nós poderíamos fazer, por exemplo, de 20 a 30 filmes de longa metragem. É o equivalente à nossa produção anual. É nessa grana que a gente tem que botar o olho! É dinheiro que deveria estar sendo gasto com programas produzidos por produtores independentes de todo o país, gerando empregos e possibilitanto a expressão cultural plena do nosso povo.

Certa feita, em um evento ocorrido no Centro Cultural Itaú, em São Paulo, um representante do Ministério da Cultura da França colocou as coisas em termos de simplicidade impressionante, dizendo: “Vocês querem saber por que o cinema francês continua existindo? Porque o governo francês aprovou uma lei que obriga as televisões a financiarem o cinema. E a palavra não é outra, é: obriga”. É mesmo simples assim, em se tratando de um povo que fez a revolução.

Se a tese dominante é a de que nós brasileiros construiremos uma sociedade equânime através do voto, então espero que nas próximas eleições presidenciais as forças de oposição ao sistema que aí está não caiam mais na esparrela dos debates em economês e coloquem em pauta questões fundamentais, como a democratização dos meios de comunicação.

(*) Cineasta