BARRIGA
Quando perguntaram a Tony Blair como ele gostaria de ser lembrado nos livros de história, sua resposta pareceu inequívoca: como o homem que mudou o socialismo e ajudou a erradicar a dívida externa nos países mais pobres do mundo. E também "como o primeiro-ministro que levou a Inglaterra à união monetária com os demais países europeus".
Esta última declaração, dada à revista Veja ? com tiragem de 1,2 milhão de exemplares ?, foi uma dinamite política, de acordo com matéria de Michael White e Alex Bellos [The Guardian, 9/8/01]. Representou um abalo sísmico na posição da Grã-Bretanha na Europa. Significou que o primeiro-ministro, sempre tão cauteloso com sua linguagem em se tratando de euro, sempre a par dos pensamentos de seu chanceler euro-cético, estava declarando velocidade máxima em direção à nova moeda européia. E declarava isso com aparente orgulho.
No entanto, enquanto assessores de imprensa de escritórios na Downing Street (rua de Londres conhecida por abrigar diversos prédios administrativos públicos, inclusive a residência oficial do primeiro-ministro) se descabelavam para entender a conversão de seu líder ao fanatismo pelo euro, um ruborizado Eduardo Salgado, jornalista da Veja, media o preço de uma palavra equivocada.
E o que teria sido a reportagem do dia tornou-se um erro vergonhoso.
Ao final da entrevista, conduzida antes do encontro tripartite com os presidentes do Brasil e da Argentina, nas Cataratas do Iguaçu, o jornalista perguntou a Blair: "O senhor tem a chance de tornar-se o primeiro líder trabalhista a completar dois mandatos à frente do governo inglês. Como gostaria de ser lembrado nos livros de história em 100 anos?"
De acordo com a revista, Blair respondeu: "Como o socialista que mudou o socialismo, como o primeiro-ministro que levou a Inglaterra à união monetária com os demais países europeus, como o líder trabalhista que se empenhou pela redução da dívida externa nas nações mais pobres do mundo."
Infelizmente, as palavras "união monetária" deveriam ter sido lidas como "União Européia". De abalo sísmico a status quo em algumas sílabas.
Na noite de 8 de agosto, Veja admitiu o erro, para alívio da Downing Street, a qual inicialmente negou a história, dizendo: "Não reconhecemos tal citação". Mas sem a gravação em fitas, Downing Street deve ter sentido uma forte onda de manchetes vindo em sua direção. Tamanha é a potência da questão de unificação monetária que qualquer leve escorregão é transformado em grande estardalhaço.
Não é a primeira vez nos últimos dias que o primeiro-ministro se mete nas turbulentas águas do euro.
Dias antes da viagem diplomática e comercial que durou seis dias, que levou Blair da Jamaica ao Brasil e à Argentina antes de começar suas férias de uma semana no México, o primeiro-ministro sofreu para negar que suas repetidas exigências de reforma econômica dentro da UE ? para dar bom exemplo de livre comércio a países em desenvolvimento ? não significam um "sexto teste" para a entrada da Inglaterra como membro do euro.
Mas a chancelaria foi supreendida com a boca na botija. Alastair Campbell, guru da mídia de Blair, não o acompanha mais em viagens do gênero. Em seu lugar, o novo secretário de imprensa Tom Kelly, veterano respeitado no governo da Irlanda do Norte, assistiu à entrevista que seguiu uma outra, menos "reveladora", com a Globo, uma das maiores emissoras de TV do mundo.