Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vendem-se concessões públicas

RÁDIO & TV

Daniel Florêncio (*)

Hoje é comum hoje ligar o rádio e perceber que a boa música que ali tocava foi substituída por programação religiosa. São diversas as rádios que se tornaram rádios evangélicas. Da mesma forma, existem também os canais de TV que passaram a exibir conteúdo religioso. O que aconteceu é que essas rádios e canais foram vendidos. Basicamente, a concessão sob a qual essas empresas funcionavam foram passadas para frente, normalmente em negociações milionárias.

O mais assustador é que não há nada de ilegal nesse processo ? tudo está previsto na legislação de telecomunicações. Negocia-se a concessão ou permissão pública como se fosse propriedade particular e, assim, enriquece-se sob o aval da lei.

Na teoria, as ondas de radiodifusão são propriedades de todos e cabe ao governo federal, por meio do ministério das Comunicações, decidir democraticamente quem deve explorar essas ondas. Essa decisão é tomada através de licitações nas quais os quesitos técnicos, financeiros e intelectuais são levados em conta. Mas, na prática, quem consegue mesmo as concessões ou permissões de rádio e TV são pessoas influentes o suficiente em Brasília, em geral políticos e grandes empresários.

Nas grandes cidades é hoje difícil achar alguma faixa de sinal disponível para rádio e TV. Quando existem, são disputadas a tapa e quem tem o lobby mais forte leva o peixe. Quando se encerra o período da concessão ou permissão, é também difícil ela não ser renovada, mesmo quando quem explora aquele sinal deixou de cumprir (ou violou) algum artigo da Lei Geral de Telecomunicações.

Objetivo imediato

Junto à falta de faixas de sinal nos grandes centros, existe o interesse de grupos religiosos, católicos e evangélicos, em emissoras de rádios e TVs. E como o negócio da fé nunca vai mal, independente da situação econômica do país, esses grupos sempre têm recursos suficientes para fazer grandes ofertas com vistas ao controle das emissoras. Prato cheio para os empresários de comunicação que, aproveitando a legislação antiquada, negociam essas concessões como um produto. Tal situação, algumas vezes, é a solução para as empresas que, devido a má administração, acumulam dívidas e vêem na negociação da concessão que exploravam a resolução dos seus problemas.

Em casos mais extremos, vencem a licitação já tendo como objetivo negociar a concessão com esses grupos. Por brechas na lei e falta de fiscalização, deixam os canais ou estações concedidas sem programação ou retransmitindo um outro canal qualquer, à espera de uma oferta de quem possa se interessar.

Depois de serem beneficiados com as concessões e permissões por terem seus contatos e lobbies em Brasília, eles ainda negociam essas concessões e permissões que pertencem a todos nós, amparados por uma legislação precária. Tal legislação, que pede que você preencha "n" pré-requisitos ? inclusive relativos a tempo de programação jornalística e cultural ? para participar de uma licitação, para a transferência da concessão exige apenas a assinatura das partes envolvidas no processo. E, pior: se o ministério das Comunicações não der parecer sobre a transferência em 90 dias, o processo é automaticamente autorizado.

Em resumo: se eu tenho influência, consigo a concessão e depois a coloco em leilão. Se eu tenho dinheiro, eu compro. Nada democrático…

Não é nem um pouco saudável para o país esse cenário de privilégios para poucos, que permite que "empresários" sem escrúpulos, sem interesse em informar ou em produzir consigam emissoras de rádios e TV para serem negociadas com aqueles cujo único interesse nesses veículos é de caráter doutrinário.

Muitos desejam produzir cultura, informar e comunicar, mas acabam batendo de frente com esse cenário no qual o objetivo imediato dos envolvidos é ganhar dinheiro ? e, o mais distante, o de democratizar a informação.

(*) Diretor de vídeos