Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vertigens da contemporaneidade

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ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

RESENHA

Leneide Duarte


A corrida para o século 21: no loop da montanha-russa, de Nicolau Sevcenko. Companhia das Letras, 140 páginas

Vivemos num mundo acelerado, que muda em velocidade vertiginosa, como se estivéssemos em pleno loop de uma montanha-russa.

Essa é a metáfora que Nicolau Sevcenko, professor de História da Cultura da Universidade de São Paulo, ex-professor da PUC-SP e da Unicamp, descobriu para descrever, no seu livro A corrida para o século 21: no loop da montanha-russa, a transição do século 20 para o 21. Essa fase de chegada a um novo século e um novo milênio é marcada por um surto de transformações que ele chama de Revolução da Microeletrônica. A escala das mudanças desencadeadas com a microeletrônica é de tal magnitude, as transformações avançam com tal rapidez, que fazem com que os dois momentos anteriores ? o primeiro que vai do século 16 ao 19 e o segundo, em torno de 1870, com a chamada Revolução Científico-Tecnológica ? pareçam projeções em câmara lenta.

Mas as inovações tecnológicas não podem, adverte Sevcenko ? professor-visitante nas universidades de Londres, de Georgetown e de Illinois (EUA), e um dos editores do The Journal of Latin American Cultural Studies, publicado em Cambridge (EUA), Londres e Sydney ? nos levar a um deslumbramento acrítico, a uma anuência passiva, cega e irrefletida, que ele chama de síndrome do loop. É preciso que a sociedade dialogue com as inovações, ponderando sobre seu impacto, avaliando seus efeitos e desdobramentos. Em suma, que faça a crítica do momento que vive. E que momento é esse?

Antes de tudo, o tempo presente é o do surto vertiginoso das transformações tecnológicas que modificam a percepção do tempo e obscurecem as referências do espaço. Essa transformação no conceito de espaço levou os técnicos a formularem o conceito de globalização, com o planeta transformado numa espécie de aldeia global conectada por uma rede de comunicações e informações.

Da perspectiva brasileira, Sevcenko garante que quem não perdeu o espírito crítico percebe que "ou a peça é uma comédia tão maluca que não dá para rir, ou é um drama em que nos deram o papel mais ingrato". As mudanças tecnológicas, afirma, embora causem vários desequilíbrios nas sociedades mais desenvolvidas que as encabeçam, também canalizam para elas os maiores benefícios. "As demais são arrastadas de roldão nessa torrente, ao custo da desestabilização de suas estruturas e instituições, da exploração predatória de seus recursos naturais e do aprofundamento drástico de suas já graves desigualdades e injustiças."

Uma pequena amostra do que é esse mundo globalizado. A dita globalização permite que o montante das transações eletrônicas do mercado financeiro mundial ultrapasse 1 trilhão de dólares por dia. Mas cerca de 90% desse total nada tem a ver com investimentos reais em produção, comércio ou serviços, concentrando-se no puro jogo especulativo. E o resultado da globalização é a concentração de renda e a exclusão. Dados dos organismos internacionais indicam que 1,2 bilhão de pessoas, um quinto da população mundial, vivem em nível de miséria absoluta.

Nesse início de século 21 a imagem reina soberana. Depois de analisar a Revolução Científico-Tecnológica que transformou o mundo em um turbilhão de imagens veiculadas pela fotografia, cinema, publicações impressas, televisões e pelo ciberespaço, o livro lamenta que o enorme potencial para a informação, o esclarecimento e a ação transformadora que existe latente na TV "raras vezes se manifesta, em meio aos rígidos mecanismos políticos e mercadológicos que o controlam". E sentencia: "O destino da TV ? pelo modo como seu desenvolvimento histórico a encalacrou entre o poder estatal e as grandes corporações de mídia ? é estar acorrentada ao entretenimento superficial, ao sensacionalismo de baixo instinto, ao festival aliciante do consumo e à mais mesquinha manipulação política".

Denso, bem articulado e bem escrito o texto é um deleite para quem quer entender o mundo contemporâneo, fruto de turbulências geradas pela tecnologia e pelas supersônicas transformações sóciopolíticas.

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