MÍDIA & PRESIDENCIÁVEIS
Luiz Weis (*)
Dos sete jornalistas que sabatinaram o candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no programa Roda Viva (25/3/02), da TV Cultura de São Paulo, apenas três ? o apresentador Carlos Alberto Sardenberg, Ricardo Noblat, do Correio Braziliense e Rodolfo Fernandes, de O Globo ? trataram o entrevistado como se deve ? chamando-o de "senhor", não de "você".
Depreciaram o candidato, depreciaram-se os jornalistas.
O candidato foi discriminado. Nas três rodadas anteriores da série com os presidenciáveis, ninguém se dirigiu a José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes com essa intimidade, incompatível com o saudável respeito protocolar que deve haver no diálogo público entre entrevistadores e entrevistados ? pelo menos enquanto depender dos primeiros.
O fato de Lula permitir, apreciar, ou, quem sabe, achar que essa forma de tratamento favorece a sua imagem, ajudando o povão a percebê-lo como um dos seus, não autoriza jornalista nenhum a adotá-la. Não quando tem gente vendo ou ouvindo.
Numa das vezes em que se candidatou a presidente, um assessor seu confidenciou, lamentando, que o à-vontade do pessoal da mídia diante de Lula vinha do fato de que "depois de 10 minutos de papo com um repórter a quem nunca tinha visto, ele já está convidando o cara para tomar uma cachaça no boteco".
Isso, decerto, o presidente de honra do PT não faz mais. Como tampouco aparece em mangas de camisa em situações que pedem terno e gravata. No entanto, ainda que ele fosse ao Roda Viva camiseta-regata, bermuda e sandália de dedo, não passaria pela cabeça de ninguém que os jornalistas pudessem se vestir igual.
Nem que, pela palavra, eles fizessem o equivalente a bater na barriga do entrevistado. Quem não percebeu ou já esqueceu, veja a fita. Às folhas tantas, há quem procure chamar a sua atenção, disparando um espantoso "Ô, Lula".
Tratamento correto
Está bem. Desde que o petista deixou o Congresso Nacional para nunca mais voltar, depois de uma única experiência como deputado ao Congresso Constituinte de 1988, e dado o fato de que nesses anos todos não exerceu função pública alguma, fica difícil chamá-lo pelo cargo que ocupa, pelo mais recente ou mais importante que já ocupou, como é de praxe. Para ficar no Roda Viva: "senador" (Serra), "governador" (Garotinho) "ministro" (Ciro Gomes). Ou "governadora", se a senhora Roseana Sarney não tivesse fugido da raia (por 1 milhão e 340 mil óbvios motivos, ao que tudo indica).
Ora, sendo impensável chamar Lula de deputado, presidente de honra, ou presidenciável, nem por isso ficaram os entrevistadores dispensados de se dirigir a ele como "senhor" ? por engomado e esquisito que soe um "senhor Lula", já que seria absurdo um "senhor da Silva".
Quanto mais não seja, não daria espaço para o vexame do "Ô".
Mas que mal há nisso? Não somos todos brasileiros e, por extensão, cordiais, informais, irreverentes, sem afetações nem medo de sermos felizes?
Não seria ótimo ? absolutamente coerente com a índole do povo e a essência do nosso invejável modo de ser, além de saudável para a democratização das relações entre governantes e governados ? se um jornalista pudesse tratar o presidente da República, ao vivo, por "você"?
Seria, nada. Na França revolucionária, as pessoas eram obrigadas ? repita-se, obrigadas ? a chamar umas às outras de cidadão, cidadã. Nas ditaduras do socialismo real, "camarada" era de rigueur, como um título nobiliárquico. Tudo hipocrisia, sabidamente, porque, no primeiro caso, um cidadão podia mandar guilhotinar o outro e o outro não podia mandar gilhotinar o um e, no segundo, porque uns eram mais iguais que os outros, na estupenda definição do escritor George Orwell. E está para nascer o jornalista cubano que se dirija na TV a "El Comandante" Fidel Castro por "tu", em vez de "usted".
Mas o essencial é isso: se a democracia pudesse falar, ela diria que "respeito é bom e eu gosto". É o respeito devido às instituições republicanas que lhes dá o desejado vigor e determina a forma correta de tratamento das figuras públicas, em situações públicas. É dessas coisas também que se faz um sistema político civilizado.
E é o respeito que a imprensa deve fazer por merecer da sociedade ? antes de mais nada, mostrando-se séria e independente ? que vai para o espaço quando alguns de seus representantes graduados, como os entrevistadores do Roda Viva, se dão o direito de tratar um candidato a presidente da República não só diferentemente dos outros, por diferente que ele seja, mas com uma sem-cerimônia beirando a grosseria que seria constrangedora mesmo se o seu interlocutor fosse o criado da casa.
(*) Jornalista