LEI DA MORDAÇA
Sebastião Jorge (*)
O jornal Pacotilha, fundado por Vitor Lobato, foi o mais famoso periódico da segunda quadra do século 19 do Maranhão. Nele trabalhou a nossa melhor elite intelectual de todos os tempos, cujos integrantes, a relação é grande, ainda hoje são respeitados não apenas pelo que produziram em suas páginas, como pelos livros deixados e a firme atuação na política local e nacional.
O material jornalístico da folha é considerado, pela importância do conteúdo e rigorosa exigência na publicação de artigos e outras matérias, como fonte confiável nas pesquisas de qualquer natureza.
Em junho de 1885, o diário transcreveu um texto de autoria de Victor Hugo (1802-85), sobre a imprensa que, no seu entender, era "a voz do mundo". Prosseguindo, o grande escritor francês e autor do clássico dos clássicos, Os miseráveis, alertava que, "no século presente, sem liberdade de imprensa não há salvação".
Daquele ano até os dias atuais, as coisas mudaram. Mas algo permanece como antes: a tentativa de censura, a hostilidade e as medidas contra a imprensa ainda existem. Ora de maneira direta, ora disfarçada de cordeiro com garras de felino. O objetivo é um só, impedir o livre trânsito da informação, tal e qual manda a Constituição. Tudo isso vivendo-se em plena democracia.
Desde 1997 tramita no Congresso Nacional o projeto de lei conhecido por uns como "Projeto-Mordaça", por outros, "Lei da Mordaça" que, aprovado, impedirá que promotores de Justiça, juízes, procuradores da República, delegados de Polícia e outras autoridades públicas dêem notícias que violem a intimidade, a vida privada, a imagem ou honra das pessoas investigadas.
A missão é mudar
No fundo, no fundo, a medida terminará fazendo um rombo na liberdade de imprensa. Os jornalistas, sem os dados das principais fontes, aquelas consideradas como confiáveis, aliás, autorizadas, ficarão impedidos de relatar os fatos que, pela natureza, interessam à opinião pública.
Essa peça de mau gosto, ordinária pela idéia e condenável pela iniciativa, partiu dos porões maquiavélicos do Palácio da Alvorada. O presidente Fernando Henrique Cardoso não deveria ter se deixado contaminar pelo vírus da arrogância, do autoritarismo e da intolerância, o que em outros tempos tanto condenou. Esse tipo de comportamento não faz jus à sua biografia. Pelo visto, caiu e caiu feio no ridículo. Criar uma lei para intimidar autoridades e de sobra atingir os meios de comunicação, todos eles amparados pela Lei Maior, através de seus institutos, como responsáaacute;veis pela vigilância e denúncia dos desvios de conduta de pessoas engravatadas, não passa de um injustificável equívoco.
Será um erro a aprovação dessa medida. Eis que se anuncia como mais uma lei para a qual, a exemplo de muitas outras, serão criados artifícios, burlas, para não ser cumprida. No famoso caso Watergate, em que os jornais derrubaram um presidente do mais poderoso país do mundo, Nixon, as informações chegavam às redações através de alguém conhecido como "Garganta Profunda". Esta é uma expressão usada pelos americanos para identificar as fontes, entre elas, altas autoridades, que passavam preciosos dados aos jornalistas, silenciosamente, por trás dos panos. Deu no que deu.
Há quem defenda a criação da lei, como o senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, que declarou não ter a medida o fim de obstruir a informação, mas "impedir que notícias infundadas e dolosas possam ter curso". Para o ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal ? STF, "constitui estranho paradoxo impor-se, na vigência de um regime que reclama transparência, a regra do silêncio obsequioso". Tem razão de sobra o ministro ao afirmar haver o governo transformado em regra o que deveria revestir-se em excepcionalidade.
Com mais essa FHC contrariou os princípios libertários de Thomas Jefferson que, por ter fé na razão e desconfiança do poder público, dissera preferir ter jornais sem governo que governo sem jornais. O nosso presidente parece inclinado a ter governo sem jornais, sem informação e quanto mais longe das idéias controversas melhor.
O senador maranhense Bello Parga, movido pela repercussão do episódio que envolveu a Lunus, de propriedade da governadora Roseana e seu marido Jorge Murad, na qualidade de relator do projeto, ameaçou desengavetá-lo. Ainda bem que prevaleceu o bom senso do seu colega de Senado, o ex-presidente José Sarney, que recomendou deixá-lo no mesmo lugar. Confusão de mais é sobra. O senador Sarney, se não obteve a unanimidade da opinião da mídia sobre o seu último discurso naquela casa, com certeza, será aplaudido por esse gesto.
O recomendável é que se punam os excessos dos agentes públicos, mas proibi-los de falar em nome do princípio da publicidade, garantia constitucional, sobre fatos de conhecimento geral, ou que envolvam pessoas importantes, é um atentado à democracia. Que o Ministério Público, que dizem ser o alvo preferencial daquele projeto, continue cumprindo o seu papel de representante da sociedade, apesar das adversidades.
Por essas e outras acredito em Victor Hugo: a missão do nosso tempo é mudar os velhos fundamentos da sociedade, criar a verdadeira ordem e colocar em toda parte a realidade no lugar das ficções.
(*) Jornalista
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