AGÊNCIAS REGULADORAS
Rogério Gonçalves (*)
A Lei Geral das Telecomunicações (LGT) é uma espécie de procuração do Congresso Nacional que permite à Anatel legislar sobre assuntos de telecomunicações, editando normas e regulamentos técnicos necessários para implementação da política estabelecida pelo governo para a área.
Os incisos V, X e XI do artigo 49 da Constituição brasileira garantem ao Congresso Nacional o poder de controlar os atos praticados por detentores de prerrogativas delegadas por ele, como as que permitem ao Conselho Diretor da Anatel aprovar normas e regulamentos com força de lei.
O artigo 50 da Constituição autoriza o Congresso Nacional a convocar ministros de Estado ou titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para que prestem informações, viabilizando os meios de controle externo estabelecidos pelo artigo 49. O relatório da Ouvidoria da Anatel destaca os meios estabelecidos para que a sociedade possa controlar as atividades da agência:
Na regência normativa da Agência Nacional de Telecomunicações, o controle social apresenta-se sob a roupagem dos conselhos e dos comitês (reconhecimento do direito à participação individual ou coletiva nos órgãos consultivos (art. 36 do Decreto n.? 2.338, de 7/10/97 ? Regulamento da Anatel e art. 99, ??1? e 2?, do Regimento Interno ? Resolução n? 270, de 19/7/2001).
Pelo menos em teoria, era assim que a banda deveria tocar, através de conselhos e comitês, com marcante representatividade da sociedade, interagindo harmonicamente com o todo-poderoso Conselho Diretor da Anatel.
Acontece que a realidade desmente categoricamente a fantasia, pois a própria Anatel se encarrega de impedir que exista uma participação justa da sociedade em seu Conselho Consultivo, o que também não faz grande diferença, porque o Conselho Diretor da agência não tem nenhuma obrigação legal de dar ouvidos a ele.
A agência ficou mais de três anos sem ouvidor, o Comitê de Defesa dos Usuários funcionou apenas alguns meses, o Comitê de Universalização dos Serviços (que deveria elaborar o modelo a ser seguido pelo FUST) nunca saiu do papel e, para completar, o Projeto 0i00, resultado do trabalho do Comitê de Infra-Estrutura Nacional de Informações, o único que produziu algo de útil, foi devidamente sabotado pelas forças ocultas da Anatel para criar uma suspeitíssima reserva de mercado para grandes provedores de acesso internet que terceirizam todas as conexões IP nas redes das concessionárias de telefonia fixa, gerando monopólios, vendas casadas e desemprego em massa na área de internet.
Na área dos acessos internet em modo aDSL, serviço prestado de forma irregular pelas concessionárias de STFC, a Anatel produziu os antológicos Informes da SPV para dar sustentação à odiosa venda casada de provedores de acesso, desnecessários para o acesso internet nesta modalidade, imposta aos usuários deste tipo de serviço pelas concessionárias de STFC. Os informes da SPV foram o assunto da matéria "Fim do mistério dos provedores-laranja&ququot;, publicada neste Observatório [remissão abaixo].
Ignorando o DL 2.338, o Conselho Consultivo aprimorou os seus métodos de exclusão social e inovou ao arrumar um jeito de nomear o presidente de uma associação de empresas de telecomunicações como representante dos usuários no conselho.
Durante anos a Anatel vem mantendo uma farsa, procurando passar para a opinião pública uma falsa imagem de legalidade, apesar da avalanche de ações judiciais e queixas dos usuários que acabaram transformando as empresas de telefonia em campeãs absolutas de reclamações nos Procons, como todo mundo sabe ? exceto os conselheiros da agência reguladora.
Portanto, se hoje o presidente Lula reclama do excesso de liberdade das agências reguladoras, pelo menos no caso da Anatel grande parte da culpa deve-se única e exclusivamente à antiga legislatura que, mesmo diante da enorme quantidade de denúncias publicadas na imprensa não se interessou em utilizar as prerrogativas do artigo 49 da Constituição para colocar ordem na casa, com o agravante de que um dos representantes do Poder Legislativo no Conselho Consultivo da agência era o deputado federal Gilberto Kassab.
Sobre o deputado-conselheiro, reeleito para a Câmara nas últimas eleições, cujo mandato no Conselho Consultivo da Anatel terminou no dia 16/2/2003, existe algo que precisa ser investigado, pois no DOU do dia 6/2/2003 consta sua recondução ao cargo ? o que é proibido pelo artigo 38 do DL 2.338.
Com o início da nova legislatura e depois do comentário sincero do presidente da República de que só fica sabendo dos aumentos das tarifas públicas pelos jornais, parece que finalmente a ficha caiu e o Congresso Nacional resolveu pôr um pouco de ordem nas telecomunicações.
Por enquanto, as iniciativas ainda são muito tímidas e até meio casuísticas, como o PL 56/03 do deputado Orlando Fantazzini e o PL N? 198/03 do deputado Neuton Lima, ambos autorizando as empresas de telecomunicações a prestarem provimento de acesso à internet.
O projeto de lei do deputado Fantazzini, que foi apresentado no dia 18/2, teve seu trâmite suspenso logo no dia 27 ? segundo comentários devido ao choro do presidente da Abranet no ouvido do deputado. Já o senador Artur Virgílio apresentou um projeto de lei determinando que as agências reguladoras prestem contas periodicamente ao Legislativo, visando criar um tipo de fiscalização ou controle externo das atividades das agências.
No caso da Anatel, entendo que, apesar de elogiáveis do ponto de vista do cidadão, as iniciativas foram desnecessárias, pois:
a) Qualquer empresa de telecomunicação pode se tornar provedora de acesso internet, bastando adquirir da Anatel uma autorização para prestar SCM.
b) As concessionárias de STFC incumbentes das regiões I, II e III, que dominam praticamente 98% do mercado de telefonia fixa em nosso país, são detentoras das antigas concessões que pertenciam às empresas do Sistema Telebrás, cujos contratos vencerão somente em 2005, estando por enquanto fora das restrições impostas pelo artigo 86 da LGT, que é válido apenas para novas concessões que vierem a ser outorgadas.
c) O item 7 da Norma 004/95 autoriza explicitamente que as empresas do antigo Sistema Telebrás possam atuar como Provedoras de Serviço de Conexão Internet ? PSCI, chegando inclusive a estabelecer regras para composição dos preços que serão cobrados por elas pelo serviço, para evitar que outros provedores, clientes de suas redes IP, sejam prejudicados.
d) Devido ao direito que possuem de atuar como PSCI, atualmente são as concessionárias de telefonia fixa que fazem praticamente todas as conexões internet originadas na rede do STFC, utilizando portas IP instaladas nas próprias centrais telefônicas. Os provedores de acesso tornaram-se apenas grifes, pois deixaram de possuir equipamentos e redes IP próprias para rotear o tráfego internet de seus usuários.
e) O PL do senador Artur Virgílio propõe algo que já existe, pois os artigos 49 e 50 da Constituição permitem que o Congresso Nacional exerça o controle externo sobre as agências reguladoras.
É claro que os senhores parlamentares conseguem fazer proposições muito melhores do que estas, bastando que seus assessores se empenhem com mais afinco em pesquisar as irregularidades da agência que, diga-se de passagem, não são poucas e estão amplamente divulgadas em todos os meios de comunicação possíveis e imaginários.
Um bom começo para ficarem sabendo dos fatos poderia ser uma leitura atenta e detalhada do relatório do ouvidor da agência referente ao segundo semestre de 2002 e também o documento sobre telecomunicações publicado no dia 25/2/2003 pelo sítio AE Setorial, da Agência Estado <www.agenciaestado.com.br>.
É claro que este webmaster não poderia deixar de cumprir sua obrigação cívica de apoiar a iniciativa histórica do nosso presidente em sua luta incessante pela moralização do poder público em nosso país, esperando que as demais autoridades se manquem e façam a parte delas. Portanto, vão aqui modestas sugestões:
1) Que o Poder Legislativo exerça de fato os seus poderes constitucionais, acompanhando mais de perto a atuação da Anatel, inclusive cobrando mais resultados de seus representantes no Conselho Consultivo da agência.
2) Retirar do artigo 45 da LGT a obrigatoriedade de o ouvidor da agência submeter seu relatório de avaliação das atividades da agência aos conselhos Diretor e Consultivo, de forma a permitir que as atividades dos órgãos da administração superior da agência também possam ser apreciados e incluídos nos relatórios, expondo para a opinião pública todos os fatos, principalmente os questionáveis, como os ocorridos nos processos de indicação dos membros do Conselho Consultivo.
3) Para manter total isenção, o ideal seria que o ouvidor da agência fosse nomeado e ficasse subordinado diretamente à Presidência do Congresso Nacional.
4) Incluir no DL 2.338 um dispositivo que dê poder de veto ao Conselho Consultivo da Anatel, para que ele possa atuar de modo decisivo nas avaliações das matérias referentes a normas e regulamentos que serão submetidas à decisão do Conselho Diretor.
5) Em caso de discordância do veto, qualquer dos dois conselhos poderá requerer a suspensão da aprovação da matéria e a mediação da Câmara dos Deputados. Os vetos de qualquer dos dois conselhos poderiam ser derrubados após analise e votação pelos membros da Comissão Legislativa da Câmara correspondente ao teor das matérias vetadas.
6) Incluir no DL 2.338 um dispositivo que obrigue a apresentação para apreciação do Conselho Consultivo da Anatel de todas as propostas de normas e regulamentos, antes que elas sejam enviadas para deliberação do Conselho Diretor.
7) Afastar imediatamente dos cargos todos os membros do Conselho Consultivo que tenham sido nomeados irregularmente, no caso do procedimento legal da publicação dos editais convocatórios, previsto no ? 2? do artigo 37 do DL 2.338 não ter sido cumprido.
8) Afastar imediatamente do Conselho Consultivo por conduta incompatível com a dignidade exigida pela função, prevista no inciso I do artigo 40 do DL 2.338, os membros do conselho que de alguma forma compactuaram com os procedimentos irregulares de indicação de novos membros.
9) Averiguar as causas da desativação do Comitê de Defesa dos Usuários e também o motivo do edital do FUST ter sido publicado sem que um modelo de universalização tenha sido criado pelo Comitê de Universalização dos Serviços, no qual a sociedade teria direito de opinião.
10) Averiguar o motivo da descaracterização total do Projeto 0i00 do Comitê de Infra-estrutura Nacional de Informações, que foi transformado na polêmica minuta de regulamentação contida na Consulta 417, que transfere em monopólio para as concessionárias de telefonia fixa a tarefa de conectar usuários à internet nos acessos discados que utilizarem os novos códigos 700 e 1700.
11) Averiguar o motivo pelo qual a minuta de regulamentação contida na Consulta 417 institui vendas casadas ao impor a contratação de serviços de valor adicionado (PASI) completamente dispensáveis para a tarefa de conexão dos usuários à internet, pois a única autenticação realmente necessária para identificar os equipamentos dos usuários na rede mundial é o número de IP que. segundo a nova regulamentação, sempre será fornecido pelas redes das concessionárias de STFC e nunca pelos PASIs.
12) Caso a regulamentação da Consulta 417 seja aprovada pelo Conselho Diretor da Anatel antes que as averiguações propostas nos itens 10 e 11 sejam realizadas, o Congresso Nacional deverá sustar o ato normativo, aplicando o inciso V do artigo 49 da Constituição e submeter o texto da nova regulamentação do acesso internet à analise da Comissão de Constituição e Justiça e Comissão de Ciência e Tecnologia para eliminar os artigos que violem o Código de Defesa do Consumidor, como a obrigatoriedade de contratação dos PASIs.
13) Após a revisão e alteração do texto pelas comissões legislativas, incluir na regulamentação e submeter para aprovação, por voto de lideranças, a obrigatoriedade do uso de equipamentos e redes IP próprias para conectar usuários à internet como condição para os provedores de acesso poderem obter os recursos de numeração que permitam o acesso internet dos usuários utilizando os novos códigos 700 e 1700, o que permitirá trazer de volta para o mercado os trabalhadores que foram sendo demitidos à medida que os provedores de acesso desfaziam-se de suas redes de acesso IP e transferiam a tarefa de conectar usuários à internet para as concessionárias de STFC, com o único objetivo de maximizar o lucro das empresas.
14) Identificar os responsáveis pela emissão dos informes da SPV que omitiram da Justiça a existência do item 7 da Norma 004/95 que autoriza as concessionárias de telefonia fixa a atuarem como provedores de conexão internet, quando estas informações foram requisitadas pelo MPF.
14) Verificar a possibilidade de ter ocorrido crime de improbidade administrativa e estelionato na emissão dos informes da SPV, cujos teores não refletiam a verdade e serviram para acobertar vendas casadas.
14) Exigir o fim imediato das vendas casadas de provedores de acesso impostas pelas concessionárias de telefonia fixa para acesso internet no modo aDSL e verificar a possibilidade de terem ocorrido crimes de estelionato e prestação clandestina de serviços de telecomunicações (art. 183 da LGT), porque este tipo de prestação de serviço, além de não constar dos contratos de concessão, também viola a caracterização dada aos Processos de Telefonia pela Regulamentação do STFC, principalmente no aspecto da velocidade de até 64 kbit/s irrestrito para as informações que devem trafegar no STFC.
15) Incluir na LGT um dispositivo estabelecendo que ao atuar como meio de conexão entre dois serviços de telecomunicações o provedor de acesso internet estará trafegando informações de qualquer natureza entre dois pontos através de sua rede IP, o que é um serviço de telecomunicação, de acordo com o artigo 60 da LGT.
16) Complementando a proposta do item 15, definir na LGT que no caso do tráfego de informações ficar restrito entre a rede de um provedor e o terminal dos usuários ou entre a rede de um provedor e um serviço de telecomunicações, sem a intermediação do provedor na interconexão de dois serviços de telecomunicações, o serviço será caracterizado como provimento de conteúdo e considerado de valor adicionado.
17) Criar regulamentação específica para prestação do serviço de conexão à internet tipificado pelo item 15, voltado exclusivamente para conexões discadas ou via rádio em velocidades de até 64 kbit/s, que desobrigue seus prestadores de adquirir as caras e restritivas autorizações de SCM e que também possam até ser gratuitas nos casos de relevância na diminuição da exclusão digital em nosso país.
18) A regulamentação proposta no item 17 pode ter como ponto de partida o Projeto 0i00 original, ao qual seriam incluídos novos artigos. Vale ressaltar que neste caso o destino da regulamentação da Consulta 417 seria a lata de lixo.
19) Acabar com o Comitê Gestor da Internet, transferindo as suas atribuições para o Comitê de Infra-Estrutura Nacional de Informações da Anatel, não sem antes obrigá-los a esclarecer publicamente sobre o destino das arrecadações milionárias obtidas com o registro.br nos últimos anos.
20) Obrigar que todos os dirigentes da Anatel leiam todos os dias, até decorar, os "caputs" dos artigos 5 e 19 da LGT.
Estas são as considerações de um analista de sistemas que não concluiu o curso superior, não entende nada de direito legislativo, mas um cidadão usuário dos serviços de telecomunicações que ficou abestado ao descobrir como é fácil para o poder econômico corromper totalmente o sistema regulatório, tornando-o adequado a seus interesses e conveniências, expulsando solenemente o povão da festa.
Se nada acontecer, paciência. Não seria a primeira vez.
(*) Webmaster do sítio username:brasil <http://www.clip.m6.net/atualize/tele/jtele.asp>
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