Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Viva a censura, vivam os EUA

OPINIÃO PÚBLICA

Na guerra paralela entre a mídia americana e o Pentágono, o lado militar parece estar na frente na conquista da opinião pública, segundo pesquisa do Pew Research Center. Mais da metade dos entrevistados (53%) disse que o governo deve poder censurar notícias que ameaçam a segurança nacional. Mas o silêncio do Pentágono já teve mais apoio: na Guerra do Golfo, 58% aprovavam a censura, lembrou Howard Kurtz [The Washington Post, 29/11/01].

A pesquisa, publicada em 28 de novembro, traz também boas notícias ao Quarto Poder. Agora, a imprensa é vista como meio mais preciso ? e mais pró-EUA ? do que antes de 11 de setembro. Andrew Kohut, diretor do Pew, disse que "a única mudança nos últimos 15 anos foi o direcionamento à direita". "O público precisa mais do governo federal agora, e certamente precisa mais da imprensa também." Talvez influenciados pelo figurino patriótico dos correspondentes, 69% disseram que a mídia está ao lado dos EUA, em relação a 43% no começo de setembro. Além disso, 60% afirmam que a imprensa está protegendo a democracia, comparados aos 46% de antes dos ataques.

Quanto ao que é chamado agora de front em casa, as críticas se misturaram. Enquanto 58% vêem a cobertura dos casos de antraz e outras ameaças à segurança nacional como precisas, 30% dizem ter havido muitos erros.

Apesar da melhora nos índices de aprovação, as organizações noticiosas não ganharam reputação por favoritismo, pelo menos não entre a direita conservadora, representada pelos republicanos. Atualmente, 61% vêem a imprensa como politicamente tendenciosa, em relação aos 68% de três meses atrás. Já os democratas totalizaram 42% nesta mesma postura, comparados aos 55% de antes de 11 de setembro.

Em recente discussão na Brookings Institution, Jill Abramson, chefe de redação da sucursal de Washington do New York Times, disse que as pessoas "suplicam por informações" sobre a guerra "porque vêem estas informações como essenciais a sua segurança e a sua visão do país". Durante o escândalo de Monica Lewinsky, em contraste, "sentiram que a imprensa estava sendo obsessiva quanto ao caso e que a questão já não era importante para suas vidas".

Kohut chamou atenção para o fato de que o prestígio recente da mídia poderia evaporar "se a guerra terminar e voltarmos ao normal". Mike McCurry, ex-porta-voz do governo Clinton, disse que a Casa Branca de Bush "lerá essa pesquisa como uma confirmação de que os obstáculos ao acesso à informação pública são legítimos aos olhos do povo. Mas estarão interpretando o estudo de forma equivocada se não notarem que o público também quer empresas midiáticas imparciais e reportagens aprofundadas".

Apesar do otimismo na imprensa, Abramson lembrou um dos dados mais assustadores revelados pela pesquisa: "É preocupante que o público esteja tão disposto a aceitar coisas como censura."

PETER ARNETT

Há 10 anos, poucos correspondentes de TV eram mais conhecidos que Peter Arnett. Durante semanas na Guerra do Golfo foi o único repórter de TV em Bagdá. Com imagens exclusivas da campanha militar dos EUA no Iraque, suas transmissões na CNN causaram dor de cotovelo dos concorrentes da emissora e forjaram a reputação da CNN mundialmente.

Agora, Arnett, 67 anos, está em jogo novamente, desta vez como repórter da BNN, produtora de vídeo independente. Os telespectadores serão, na maioria, de países estrangeiros. Para uma indústria que já o considerou uma de suas maiores estrelas, o novo emprego de Arnett é um lembrete de quanto caiu o jornalista, comenta Jim Rutenberg [The New York Times, 26/11/01].

Após 11 de setembro, Arnett viu-se um correspondente de guerra sem emissora, apesar da experiência invejável para qualquer repórter atualmente no Afeganistão. Seu agente contatou algumas emissoras para oferecer os serviços de Arnett durante a guerra, mas ninguém se interessou.

Antes de partir, Arnett expôs um dos segredos mais conhecidos e mais sensíveis do mundo televisivo, de que às vezes correspondentes noticiosos renomados apenas pronunciam palavras escritas por outros. Em 1998, a CNN desmentiu reportagem de Arnett, segundo a qual os americanos empregaram o gás "nervioso" contra desertores no Laos, durante a Guerra do Vietnã. Arnett disse que estava apenas lendo um script, sob ordens da emissora. Apesar de a CNN ter inicialmente apenas repreendido o jornalista, chegou a um acordo no ano seguinte, pelo qual Arnett deixaria a emissora antes de o contrato terminar.

Logo depois, a CNN passou a se dedicar mais ao noticiário doméstico. A nova dona, AOL Time Warner, é bem mais movida a audiência que o fundador da CNN, Ted Turner. Correspondentes internacionais encolheram, celebridades cresceram. A queda de reportagens internacionais, segundo Arnett, prejudicou a emissora na cobertura desta guerra contra o terrorismo.

Arnett, criticado por ter sido supostamente influenciado pelo governo do Iraque quando estava em Bagdá, disse que a CNN tem se comportado como se temesse alienar parte de sua audiência ao reportar manifestações inimigas.

Desde que saiu da CNN, Arnett passou por diversos projetos. Em 1999, assinou contrato com a ForeignTV.com, mas saiu após um ano. "Era cada vez mais entretenimento", disse. Atualmente, é editor-chefe da Global Vision, revista trimestral de negócios. Além disso, cobriu o último mês das eleições presidenciais americanas no ano passado para a ATV, emissora de TV turca.

Steve Rosenbaum, executivo-chefe da BNN, disse que a perda da CNN foi seu ganho. "Trata-se de um repórter que ganhou um Pulitzer, que cobriu tudo do Vietnã ao Afeganistão, e todos que conhecem seu trabalho afirmam que Arnett está tão afiado quanto uma década atrás", disse Rosenbaum. O executivo afirmou que Arnett partirá para o Afeganistão com uma equipe de produção nas próximas semanas.