DEVER DE CASA
Cláudia Zardo de Souza (*)
O jornalismo hoje não é sinônimo de narrativa, mas será quando olharmos para ele no futuro. Hoje, a sua função é relatar fatos, desvendar boatos e, de certa forma, registrar o itinerário ? diário ? da história de um país, do mundo e de seus protagonistas. Amanhã, o jornalismo será a narrativa do passado: nos registros da nossa história, a qual foi documentada pelo jornalismo, a geração atual encontra os nomes daqueles que escreveram (alguns ainda estão escrevendo) "a história certa; mas, usando e abusando das linhas tortas".
Percebe-se que a história e seus protagonistas fundem-se num emaranhado de versões e de "causos" inacabados e mal contados. A exemplo, temos um clássico do jornalismo: a história de Samuel Wainer. Entre versões, boatos, histórias e nomes encontra-se um protagonista que foi e é história. Wainer contou histórias e estórias como repórter. Foi "a" história mal contada da época da ditadura e é história, pois seu nome e seu legado estão para sempre imortalizados. Mas, como Samuel Wainer conseguiu se destacar? O que e como ele fez para merecer o papel principal numa parcela da história nacional?
A título de curiosidade podemos esmiuçar alguns fatos e o perfil do personagem. Foi o único jornalista sul-americano presente no julgamento dos generais de Hitler em Nuremberg, Alemanha, 1945. Em 1949, a serviço dos Diários Associados, entrevistou Getúlio Vargas quando ele resolveu quebrar silêncio de cinco anos. Imparcial? Quem é? Samuel Wainer não era e não escondia seu politiquismo. Não escondia sua face de jornalista-empresário preocupado em sobreviver às restrições impostas pelo Estado. Não tinha o estilo hipócrita de Assis Chateaubriand nem manipulador de Carlos Lacerda; mas, tampouco era dotado somente de qualidades nobres. Na década de 50, fundou o jornal Última Hora. Deixou claro que sua motivação estava atrelada a pedido do governo Vargas, e enfrentou abertamente as adversidades e os adversários.
Junte-se a ele
Mas, isso teria pouca ou nenhuma relevância num país cheio de histórias e de pouca memória. O judeu pobre, nascido no Bom Retiro, São Paulo, virou história pela polêmica gerada em torno dele. Os ortodoxos justificam dizendo que ele sabia tirar proveito do contraditório e do dúbio. As más línguas afirmam que na verdade ele era um corrupto.
Analisando resenhas do livro Minha razão de viver: Memórias de um repórter, encontramos fragmentos da fonte geradora de interpretações tão ambíguas:
"(…) Como uma confissão, Samuel Wainer mistura relato jornalístico, depoimento passional e algumas meias verdades para servir como seu próprio juiz. Mistura sua vida à de Getúlio Vargas e mostra como toda a sua trajetória foi influenciada pelo ?Pai dos Pobres?. Se Vargas foi do fascismo aos braços dos comunistas, Wainer não deixa por menos. Vai do jornalismo correto, combativo, ao papel de dono de jornal que por seu negócio ? Última Hora ? submete-se a qualquer negócio." (Leandro Beguoci, 2? ano de Jornalismo, Cásper Líbero).
Talvez se possa justificar tais motivações: "Se você não pode vencer o inimigo junte-se a ele". Afinal, o silêncio tomava conta do cenário nas redações, mas o show do jornalismo não podia parar. Bem ou mal, Samuel Wainer, literalmente, teve seu "papel" na história do jornalismo nacional. Bem ou mal conseguiu fazer do jornal Última Hora parte da memória, das conquistas e do engatinhar rumo à profissionalização da classe, numa época hostil em que o jornalismo, apesar das dificuldades, tornou-se popular e vanguardista. Para o bem ou para o mal, ele fez acontecer aquilo que outros não conseguiram. E não há dúvida de que escreveu a história certa usando e abusando das linhas tortas.
(*) Estudante de Jornalismo da Unit, Minas Gerais