Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Walter Ceneviva

ARTIGO 222

"Estrangeiros na comunicação" copyright Folha de S. Paulo, 15/12/01

"A Câmara dos Deputados aprovou, em votação próxima da unanimidade, emenda constitucional permitindo o ingresso de capitais estrangeiros nas empresas de comunicação social. A emenda, se acolhida pelo Senado, permitirá a ingerência direta de capitais privados e indireta de governos estrangeiros, apesar dos toscos remendos de sua redação.

É uma ameaça à soberania, à cidadania e ao pluralismo político, fundamentos da República, no artigo 1? da Constituição.

O primeiro princípio jurídico a invocar, no estudo da questão, é o da ampla liberdade no exercício do direito, mas nunca tão ampla que mate a própria liberdade. A comunicação social, pela mídia impressa ou eletrônica, é livre da censura oficial, mas sofre limitações impostas por interesses privados, econômicos, políticos ou sociais. O artigo 220 da Constituição proíbe a edição de lei que possa constituir embaraço à plena liberdade da informação jornalística, mas não impedirá sacrifícios a essa liberdade se surgir a poderosa intromissão das moedas fortes do mundo.

Cabe à cidadania discutir se a participação estrangeira, ainda que minoritária, será inconstitucional, por deturpar os limites da liberdade autorizada. A Carta libera de autorização a mídia impressa e reserva para a União a competência para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de rádio e televisão.

Na exploração direta, o controle da informação continuará interno, dos próprios governos. Na futura exploração concedida, permitida ou autorizada, o controle será, ao menos em parte, do capital privado, estrangeiro.

Dir-se-á que o capital nacional será sempre majoritário, controlador. A inferência é falsa. Ninguém porá valores substanciais numa empresa de comunicação sem assegurar (há muitas formas de garantir a finalidade) limites ao noticiário ou crítica que não interesse ao capital empregado. Ou sem preservar modos de difundir a massa de informações de seu interesse.

A criação de mecanismos econômicos, empresariais e administrativos será possível no jornalismo, ameaçando o equilibrado exercício de direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5?, pelos incisos IV (é livre a manifestação do pensamento) e IX (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença).

Cerceando, como? Através do poder econômico, que pode atingir os veículos de comunicação que acolherem o investimento estrangeiro. É fácil projetar, para o futuro, o exemplo recente de autocensura, aceito pela mídia norte-americana, quando parcela substancial do suporte econômico da revista, do jornal ou da rede de televisão depender do dinheiro vindo de fora, de modo muito particular no Brasil, país em que produções televisivas, oriundas do exterior, são preponderantes no mercado.

Nos termos sugeridos pelo projeto de emenda, será até possível desrespeitar a norma que proíbe o oligopólio (artigo 220, parágrafo 5?), quando consórcios, constituídos fora do Brasil, adquirirem participações, aparecendo como investidores diversificados, mas submetidos ao mesmo controle.

Há o risco de que a liberdade da manifestação das opiniões seja mais aparente do que real. Estaremos usando a liberdade formal para matar a liberdade substancial da expressão plural das idéias através dos meios de comunicação. É preciso avaliar todos os ângulos."

"Um grande avanço" copyright Veja, 19/12/01

"Dois anos depois de proposta, finalmente foi aprovada na Câmara dos Deputados, na semana passada, a emenda que altera o Artigo 222 da Constituição. Foram 406 votos a favor, 23 contra e duas abstenções. A decisão dos deputados representa um avanço considerável na esclerosada legislação que rege a vida de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão no Brasil. Depois de votada em segundo turno na Câmara e aprovada, também em dois turnos no Senado, a emenda entrará em vigor no país. Quando isso ocorrer, será admitida a participação minoritária de até 30% do capital estrangeiro nas empresas de comunicação brasileiras. Essa é uma mudança muito positiva. Ela abre a oportunidade de crescimento e modernização dos meios de comunicação no país. A emenda trouxe uma alteração ainda mais significativa: permite que pessoas jurídicas – desde a padaria da esquina e cadeias de lojas até os fundos de investimento e de pensão – possam investir nos meios de comunicação. Principalmente, possibilita que as empresas do setor se capitalizem, tendo acesso aos recursos de investidores nas bolsas e em outros mercados de valores.

Um resultado previsível das duas mudanças favorece o desenvolvimento de uma imprensa tecnicamente mais aparelhada e mais independente do ponto de vista financeiro. Como se sabe, a imprensa é tanto mais efetiva no cumprimento de suas funções mais nobres – ser os olhos e os ouvidos da sociedade – quanto menor for sua vulnerabilidade econômica. ?No que diz respeito a propriedade e capitalização das empresas de comunicação, a proposta de emenda constitucional representa um grande passo à frente?, disse Roberto Civita, presidente da Editora Abril. Por imposição dos partidos de oposição, porém, incluíram-se de última hora no texto da alteração constitucional medidas que contrariam o espírito da proposta original. São dispositivos legais que, além de estar francamente na contramão do que ocorre nesse setor no mundo civilizado, abrem flancos para que os veículos de comunicação possam ser constrangidos e até controlados pelo governo. Um desses dispositivos permite que, ao melhor estilo cubano ou soviético, sejam feitas leis para regulamentar o conteúdo das publicações. Felizmente, tais distorções retrógradas ainda poderão ser corrigidas nas próximas etapas da tramitação da medida e na feitura das leis ordinárias que vão regulamentá-las."

"Abertura da mídia para capital estrangeiro aprofundará nossa colonização cultural, avalia Jair Borin" copyright Correio da Cidadania, 15/12/01

"Como parte das últimas etapas da agenda neoliberal de desmonte do Estado nacional, foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional que pretende alterar o artigo 222 da Constituição e permitir a participação de capital estrangeiro em até 30% do controle acionário de empresas do setor de comunicações. A alteração estava na pauta da Câmara há anos, mas somente agora, sob a pressão dos grandes grupos de mídia afundados em dívidas, sua votação tornou-se prioridade. A PEC, apresentada pelo atual ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, segue para a votação em segundo turno na Câmara e depois vai ao Senado. Para avaliar o significado dessa medida no atual cenário político, o Correio conversou com Jair Borin, professor titular e chefe do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP. Para Borin, a abertura da mídia brasileira para os estrangeiros significará o seu predomínio nos postos chaves das empresas, criando ainda mais obstáculos à veiculação do discurso oposicionista e aprofundando a colonização cultural do Brasil. Confira abaixo.

Correio: Observando o atual cenário político caracterizado pela proximidade do ano eleitoral, a intensificação da agenda neoliberal e pela crise na imprensa brasileira, como o Sr. avalia a pressão para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que permite a participação do capital estrangeiro em até 30% do controle acionário dos meios de comunicação?

Jair Borin: Atualmente, os setores ligados à imprensa escrita estão sentindo uma crise muito maior do que os meios eletrônicos e é nessa área que residem as grandes famílias que detêm o cartel definido por regiões que domina a imprensa brasileira. O eixo Rio-São Paulo-Brasília está definido pela presença majoritária da Folha, do Estado de São Paulo e do Globo. Nas outras capitais, temos as presenças regionais, tal como o ACM na Bahia. Além do que resta do antigo império dos Diários Associados, que ainda contam com uma presença forte em Minas Gerais e em Brasília. Nas áreas de revistas, existem dois grandes grupos apenas: Editora Globo e a Abril. Esses segmentos estão bastante preocupados com a crise de consumo de seus produtos, uma vez que a venda de jornais está declinando no país todo nos últimos anos e as revistas estacionaram. A própria Veja está tendo dificuldade em manter o número de assinantes que angariou até agora. Essa crise vem se acentuando nos últimos três anos e disso deriva esse refluxo.

Por outro lado, há uma outra questão: hoje, a adoção das novas tecnologias está bastante vinculada à telefonia e aos demais serviços eletrônicos, com tendência à TV digital. É uma convergência de mídia violenta, já que haverá uma TV digital para substituir todas as outras. Essa preocupação faz com que o setor busque novos parceiros e, inclusive, alguns já se prepararam para oferecer novos produtos a esses parceiros há algum tempo, como é o caso do Valor Econômico. O setor precisa sair da crise e, assim, busca uma presença na nova mídia através de uma parceria que facilitaria capitais necessários para a modernização de suas estruturas administrativas e de produção Além disso, atualmente, as empresas brasileiras no setor estão relativamente baratas para o capital internacional. Por isso essas parcerias estão no horizonte desses grupos nacionais. Esse quadro fez com que os grupos pressionassem o Congresso, admitindo pessoa jurídica estrangeira para poder participar do mercado acionário.

O que isso tem a ver com a política brasileira? Neste momento, essa política delineia esse alinhamento claro às tendências mundiais da comunicação dos grandes grupos. Como isso se refletirá na política brasileira? Esses grupos possuem uma visão neoliberal, têm hostilizado as manifestações tanto do terceiro setor que está em emergência (ONGs, fundações etc.), como dos partidos tradicionais à esquerda que apresentam propostas sociais com cunho socialista. Portanto, o fortalecimento desses grupos significa, em última instância, mais dificuldade para a veiculação do discurso social.

Correio: Nesse sentido, quais são as perspectivas para o setor de comunicações caso a proposta, que já foi aprovada na Câmara, o seja também no Senado?

JB: Teremos, cada vez mais, uma presença nas mídias de dirigentes voltados para essa visão neoliberal, pois os grandes grupos, apesar de só terem, num primeiro momento, a participação de 30% no capital, seguramente indicarão diretores chaves nas administrações dessas empresas. O controle não se faz só com o domínio acionário, faz-se também com o domínio dos postos administrativos nessas mega-organizações. Portanto, o que se pode esperar é uma maior presença da ideologia e dos valores neoliberais nos meios de comunicação, o fortalecimento de tendências neoliberais no quadro político e dificuldades crescentes para o discurso socializante, de caráter humanitário e crítico à globalização.

Correio: E isso permitirá o aprofundamento da chamada colonização cultural.

JB: Sim. O que podemos esperar é um predomínio de editores e diretores de redação com uma visão política inadequada para os países em desenvolvimento, como o Brasil e México. Isso já ocorre, por exemplo, na imprensa mexicana, que se entregou totalmente ao capital estrangeiro. Podemos esperar, então, essa ?mexicanização? na nossa imprensa, com um agravante. Hoje, nas mídias eletrônicas, existe maior audiência. E é nessa área que o capital estrangeiro tem maior interesse, porque ela está ligada às novas tecnologias e se agregará aos projetos da TV digital, que, em última instância, dominará o sistema midiático mundial.

Correio: Como o Sr. avalia a atuação da oposição com relação a essa nova proposta para o setor de comunicações?

JB: Sinceramente, é muito difícil acompanhar a movimentação, até porque, a fim de proteger seus interesses, a grande mídia não discutiu o projeto em si. Ela tem defendido a proposta, através de inserções como matéria ?paga?, mas não discute os termos do projeto em si, nem as emendas que provavelmente serão apresentadas para tentar impedir que esses 30% se convertam em postos diretores chaves dentro das empresas, com o predomínio do controle editorial por parte de estrangeiros. É importante que os nossos deputados estejam atentos para isso, para evitar que esses 30% possam ser ampliados em reformas posteriores, e se introduza um controle de postos chaves das empresas por parte do capital estrangeiro.

Correio: O Sr. acha que a entrada de recursos externos pode garantir a estabilidade financeira no setor de comunicações?

JB: O Brasil é um grande e atraente mercado midiático. Há quem aponte, para os próximos dez anos, a possibilidade de um crescimento tanto publicitário quanto de produtos midiáticos para um mercado de U$S 20 bilhões. E somos hoje a quinta maior população mundial. Há, ainda, uma tendência, até pela cobrança social, de maior alfabetização, que seguramente levará a um maior consumo de informações e produtos midiáticos. Entretanto, não é só isso. Na mídia, hoje, estão sendo agregados outros produtos, seja por sistemas fechados, através de assinaturas, seja por mídia aberta. Atualmente, a mídia não é só de informação, de produto jornalístico. Ela já agrega venda de serviços numa grande escala, o que tenderá a crescer. O produto midiático tornar-se-á um produto híbrido: alavancar vendas e serviços."