IRAQUE NA MÍDIA
Paulo Lima (*)
A iconografia do pós-guerra no Iraque foi enriquecida semana que passou com a divulgação das imagens dos filhos de Saddam Hussein, mortos após violento combate com forças americanas na cidade nortista de Mosul. Indigitados como temidos criminosos, Qusay e Uday, os filhos, galgaram imediato proscênio post-mortem, em fotos divulgadas pelo xerife Bush, no melhor estilo dos cartazes “Wanted ? dead or alive” (procura-se, morto ou vivo) dos faroestes de Hollywood.
O incidente, como soe ser, repercutiu, num átimo, na imprensa mundial. Como num filme B, as fachadas dilaceradas dos procurados foram estampadas nas páginas de todos os jornais texanos. O xerife cumpriu sua missão, a cidade e os homens de bem já podem dormir em paz.
Mergulhado num bangue-bangue diário, e passados os picos de maior impacto noticioso com o fim da guerra, o Iraque tem sido alvo dos holofotes tópicos e fugazes da mídia. Não foi diferente no caso da morte dos filhos do tirano foragido. Os informes redigidos pela imprensa, à sombra do que foi transmitido pelas fontes do xerife, seguiram um padrão de obituário, com o fito único de comprovar a morte dos ditos foras-da-lei. Nas notas veiculadas, um pequeno prolongamento do obituário, conforme se pôde ler no Globo online em 24/7: “Washington espera que a morte de Uday e Qusay aperte o cerco ao próprio Saddam e ajude a reduzir o moral dos grupos de resistência, que têm atacado diariamente tropas americanas.”
Sanha de dominação
Para além do lead sobre o entrechoque, sequer um mísero box com ilustração adicional sobre o poder de polícia que os Estados Unidos vêm exercendo sobre o resto do planeta desde o segundo quartel do século 20. Caberia?
As escaramuças perpetradas pelas forças do Tio Sam propiciaram imagens que já se tornaram peças fundamentais da historiografia contemporânea. Um primeiro e ilustrativo exemplo: a foto, já clássica, das crianças fugindo em desamparo e atingidas pelo napalm numa estrada qualquer do Vietnã é peça inconteste no testemunho dos crimes de lesa-humanidade cometidos pelos predecessores de Donald Rumsfeld e cia.
E um segundo exemplo, o qual, mantidas as devidas distâncias de tempo e conflito, significa um precedente conspícuo que pode entrelaçar a ação americana da semana passada no Iraque com a que ocorreu nas selvas da Bolívia, em 1967. A correlação? Inimigos da realpolitik dos Estados Unidos caçados à unha e, no fim, sendo executados, como cowboys dissidentes da lei e da ordem nas fronteiras do Texas.
Pois nas selvas da Bolívia Che Guevara foi perseguido, localizado e fuzilado, legando à posteridade uma imagem tão forte quanto reveladora do papel de polícia que a Águia vem ditando ? impunemente ? ao planeta. A imagem de um dos filhos mortos de Saddam, barba espessa, rosto em improvável quietude, ante as condições brutais em que foi liquidado, provoca uma macabra associação com a face do Che morto, igual barba espessa, olhos abertos em improvável serenidade de quem fita a posteridade. Dois momentos distintos, dois diferentes personagens, cujo extermínio revela, no entanto, a mesma sanha de dominação perene do mundo por parte dos beligerantes Estados Unidos e seus procuradores de antanho.
(*) Estudante de Jornalismo e editor do Balaio de Notícias <http://www.sergipe.com/balaiodenoticias>