Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Zuenir Ventura

ELEIÇÕES 2002

“Sabe o Collor? Sabe o Maluf?”, copyright O Globo, 10/8/02

“As pessoas estão reclamando, mas eu gostei muito do país que vi na Bandeirantes no domingo à noite. É o país dos meus sonhos, pretendo me mudar para lá: não tem violência, não tem problemas na área de saúde e a cultura vai tão bem que nem precisa ser debatida. O resto? Nada que não se resolva com um bom salário mínimo calculado em dólar, com inflação americana, evidentemente. Esses críticos não se contentam, estão reclamando de quê?

Agora, falando sério: o primeiro confronto entre os quatro candidatos foi tão chocho que o melhor aconteceu depois: nos dias seguintes, os debates sobre o debate foram mais animados do que o próprio debate. A julgar pela opinião dos assessores e cabos eleitorais, ninguém perdeu, todos se saíram muito bem. Nisso os debates são melhores do que jogo de futebol: cabe ao torcedor decidir quem venceu ou perdeu. Nem pesquisa funciona direito, porque é difícil escolher uma amostragem isenta: o eleitor do candidato X vai dizer que a performance dele foi melhor do que a de todos os outros.

Parece que a única unanimidade mesmo foi Garotinho. Se as regras funcionassem como as do Big Brother Brasil, o ex-governador iria para o paredão. Aliás, considerando que mais de 30% dos eleitores ainda estão indecisos, o pleito poderia ser decidido por exclusão. Saía um agora, outro em setembro e ficariam dois para a final. Aí, sim, é que o público escolheria o vitorioso. Conheço muita gente que está disposta a votar, não em um candidato, mas contra o outro, fazendo voto útil no primeiro turno: ?voto nesse para impedir que seja eleito aquele?.

Essa campanha deixará pelo menos um ensinamento para seus participantes. Depois do episódio do ?mais sujo que pau de galinheiro?, os políticos vão ter que aprender a pensar muito antes de insultar um desafeto. É preciso muito cuidado: ou moderam a linguagem antes, se xinga menos, ou moderam os afagos depois. Não se deve cuspir no prato em que um dia, quem sabe, poderá vir a comer. Em outras palavras, em política nem todo pau de galinheiro é tão sujo que não se possa um dia se empoleirar nele.

Ciro, por exemplo, inverteu os famosos versos de Augusto dos Anjos que todo nordestino leu em algum momento da vida: ?O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja?. No seu affair com ACM, o escarro veio antes do beijo e o afago depois das pedras.

Há semanas em que a gente morre de tédio. Mas não essa que passou, pelo menos do ponto de vista político. Que semana, hein? Um dia você abria o jornal e lia: ?Collor: ?Ciro cresceu porque se parece comigo. Somos jovens, temos compromisso com o Nordeste, que sofre com o preconceito, e somos o novo?.? As perguntas eram inevitáveis: mas o Collor não saiu daqui sujo que nem pau de galinheiro? Ele ainda está politicamente vivo? Como é que ele faz uma coisa dessas com um aliado, comprometendo-o, falando em público uma inconveniência dessas? O Ciro disfarçando, desconversando, vem ele e escancara! Ou isso não tem mais a menor importância? Como costuma me dizer um conhecido, cínico defensor dessas e de outras perigosas ligações, ?você tá muito velho, démodé , não entende as necessidades da política moderna. O Serra também não teve que segurar a mão do Roriz? E, depois, é tudo no interesse do país?.

Mal refeito da surpresa, outro susto no dia seguinte, ao ler na primeira página Maluf prometendo: ?Posso até votar no Lula, não tenho preconceito?. Quer dizer, você ainda corre o risco de ser tachado de preconceituoso por estranhar o casamento. Maluf é fogo: faz qualquer negócio e quem fica mal é você. É bem verdade que o candidato favorito dos paulistas, pelo menos até agora, advertiu, impondo condições: ?Lula nunca vai me fazer engolir a invasão de terras, nem públicas nem particulares. Sou contra a invasão de prédio público?. Não tem importância, poderá responder Lula, antes do abraço de reconciliação (ou do beijo na mão, como está em moda): ?Eu também sou contra tudo isso?. De mais a mais, depois de engolir Quércia, o estômago ficou preparado para digerir Maluf. Puxando um pouco pela memória, os três vão acabar descobrindo que trabalharam juntos numa fábrica do ABC, que fizeram greve e resistiram à ditadura. Afinal, é tudo no interesse do país. Plagiando aquele velho personagem do Jô Soares, vocês não querem que eu vote.”

“Consultor explica o efeito da TV sobre o voto”, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/02

Seguir um manual de normas para ganhar votos diante das câmeras não garante a vitória nas urnas, mas, que a TV tem papel fundamental no desempenho de cada candidato, não há como negar. O poder do veículo no quesito eleições ainda tem naquele debate entre Richard Nixon e John Kennedy (1960, à presidência dos EUA) seu exemplo mais clássico. De acordo com as pesquisas, Nixon estava 100 mil votos à frente de Kennedy antes do debate na TV. De paletó escuro, contrastando com fundo branco, Kennedy permitiu que passassem pó no seu rosto. A mesma atitude não foi tomada por Nixon, que acabava de sair do hospital, estava com olheiras e vestia terno claro, que ?morreu? no cenário igualmente claro.

?Kennedy soube usar seu charme e presença física. Vestido adequadamente para a TV, usou palavras fortes e passou uma imagem de segurança?, explica Carlos Augusto Manhanelli, consultor político e presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos (Abcop).

Hoje, a Band realiza o segundo debate eleitoral da temporada, ou o primeiro com os aspirantes a governadores estaduais.

O conflito se repetirá em São Paulo, Belo Horizonte, Belém, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba – cada praça com seu time de candidatos. Em São Paulo, a mediação será de José Paulo de Andrade, a partir das 21h30.

Segundo Manhanelli, para a maioria da população o debate serve para formar, fixar ou fortalecer a imagem do candidato. ?A TV não nasceu para o debate de idéias. Ela é show, diversão. Você não chega em casa e liga a TV para aprender alguma coisa, mas sim para se divertir, se distrair. Se assim fosse, a TV Cultura teria a maior audiência do País.?

Manhanelli diz que o candidato inteligente aproveita o debate para falar com seu eleitorado, não para convencer seu opositor. ?O tempo proposto pelo debate deve ser usado para ganhar o eleitor que está em casa e não quem está do seu lado?, lembra ele, também membro da Internacional Association of Political Consultants (IAPC).

Num processo eleitoral, estudos apontam que a imagem representa mais de 50% do sucesso do candidato. Como membro da IAPC, Manhanelli explica que há quatro imagens consagradas do político no mundo inteiro: o homem simples, o líder charmoso, o pai de todos e o herói. ?Você tem de encaixar o candidato numa dessas quatro imagens e fortalecê-la com os veículos existentes, como TV, rádio e outodoors?, analisa.

Na TV, por ser um veículo ?impressionista?, o cuidado com a imagem deve ser redobrado. ?Primeiro, você analisa o tom de voz do candidato. Segundo, a expressão do rosto e, por último, as palavras, vistas apenas para compor essa imagem na TV. Quando o debate termina, a maioria nem lembra quais foram as palavras usadas e nem se pergunta quem ganhou a discussão, mas sim quem foi mais incisivo, quem demonstrou mais segurança.?

?É burrice ficar discutindo com o adversário. Em casa, o telespectador/eleitor pensa: Que proveito estou tirando por ver os dois brigando? O debate, quando usado para fortalecer a imagem, pode sim mudar uma pesquisa eleitoral?, prevê o consultor, autor de livros como Eleição é Guerra e Estratégias Eleitorais.”