Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A pauta do desencalhe da economia

O processo de impeachment, os planos e o ministério de um possível governo chefiado por Michel Temer têm sido os temas dominantes também da cobertura econômica. Os problemas de uma economia em recessão funda, prolongada e sem perspectiva de superação a curto prazo ficaram meio ofuscados, como se o importante, agora, fosse descobrir e divulgar o desenho de uma eventual nova administração. Tudo isso é compreensível e defensável, mas com uma restrição. Com ou sem mudança no Palácio do Planalto, o desafio imediato da equipe econômica, chefiada por qualquer presidente, já está basicamente definido e dia a dia se torna mais complicado.

A piora do quadro foi mais uma vez evidenciada com duas informações oficiais na última sexta-feira de abril. Pela primeira vez desde o início da série atual, em 2002, as contas públicas do primeiro trimestre foram fechadas com déficit primário, isto é, com resultado negativo mesmo sem o custo dos juros.

No mesmo dia foi confirmado o agravamento das condições no mercado de trabalho: o desemprego chegou a 10,9% da população ativa no período de janeiro a março. O levantamento registrou 11,09 milhões de pessoas em busca de ocupação.

O Estado de S. Paulo deu as duas notícias na primeira página. Folha de S. Paulo e Globo deram chamadas da matéria sobre as contas consolidadas do setor público. Na mesma edição a manchete do Globo destacou: “Temer monta equipe com foco no ajuste fiscal”. A matéria, no primeiro caderno, mencionou a projeção da atual equipe econômica de um déficit primário de até R$ 96,65 bilhões em 2016. Mas o déficit acumulado em 12 meses já bateu em R$ 136,02 bilhões em março, informou, no caderno de Economia, a notícia sobre o último balanço fiscal. Qual das duas cifras indica o desafio real para a equipe de plantão nos próximos meses?

Nos dias anteriores, os novos problemas foram mais destacados, de modo geral, que os já presentes na pauta diária. Todos os grandes jornais trataram, às vezes com diferença de um ou dois dias, da polêmica sobre os juros pagos pelos Estados ao Tesouro Nacional e do pacote de bondades (expressão usada em todas as coberturas) em preparação no Palácio do Planalto.

A decisão do Banco Central de manter os juros básicos em 14,25%, anunciada na quarta-feira à noite, foi noticiada mais discretamente. Alguns analistas interpretaram a decisão como um sinal de possível baixa dos juros nos próximos meses. Outros, como simples demonstração de sensatez diante da perspectiva de mudança no governo e no próprio BC.

Parte do pacote de bondades foi mencionada na cobertura das contas do governo central. Um representante do Tesouro criticou, moderadamente, o possível aumento da Bolsa Família, deixando evidente a inconveniência dessa medida numa fase de enorme dificuldade fiscal. O aumento foi confirmado no domingo, na festa de 1º de Maio. Os jornais também ressaltaram, durante a semana, a  decisão da presidente Dilma Rousseff de avançar nas decisões, até seu possível afastamento, dificultando a transição para um novo governo.

Os fatos poderiam, em pouco tempo, confirmar ou desmentir essas informações. No entanto, mesmo sem pacotes de gastos a pauta econômica para este e para os próximos dois anos, pelo menos, já é muito difícil e nem todos os desafios foram ainda mostrados com clareza.

Exemplo: deu-se pouca ou nenhuma atenção, de imediato, à nota sobre o potencial de expansão divulgada na sexta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A nota, contida na última Carta de Conjuntura,  examina os efeitos da redução do investimento em capital fixo, da diminuição da oferta de mão de obra e do declínio da produtividade total de fatores, no período entre 2012 e 2015.

O estudo chama a atenção – e este é um de seus aspectos mais interessantes – para um tema raríssimo na discussão pública: a evolução do investimento líquido em capital físico,  isto é, da diferença entre o investimento bruto em máquinas, equipamentos e construções e o custo da depreciação. Não é novidade a queda, nos últimos anos, da despesa bruta em capital físico. O valor caiu 14,1% de 2014 para 2015 e continua em queda neste ano. A notícia nova é a perda de 40% nos investimentos líquidos, no ano passado, segundo a estimativa de técnicos do Ipea.

Considerados todos os fatores, o potencial de expansão da economia brasileira está muito reduzido. Como há uma enorme capacidade ociosa, poderá até ocorrer um forte arranque inicial, mas faltará vigor para um crescimento sustentável na fase seguinte. Nenhuma discussão sobre as possibilidades da economia será suficiente sem uma boa exploração deste assunto.