Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Gays conquistam a TV francesa

Em Paris, eles têm um bairro branché, o Marais, onde rapazes andam de mãos dadas e ninguém se espanta quando vê duas garotas se beijarem na boca ou namorarem uma no colo da outra, sentadas à beira da fonte do Beaubourg (Centre Georges Pompidou). Nesse bairro charmoso e jovem, cheio de galerias de arte, museus e lojas de moda, a maioria dos cafés e restaurantes são freqüentados por casais do mesmo sexo. As lojas de roupas exibem um estilo que não se vê em outros bairros. Em muitas delas, uma bandeira com as cores do arco íris (rainbow flag) indica que o proprietário é gay ou que naquele lugar os gays são bem-vindos.

Não longe do Marais, instalado no Hôtel de Ville, a sede da Prefeitura, trabalha o prefeito que os parisienses aprenderam a respeitar: Bertrand Delanoë, um socialista sério e discreto, gay assumido, que há um ano e meio foi apunhalado, dentro do próprio Hôtel de Ville, por um louco que não gosta de homossexuais.

A França inteira já se adaptou à lei que instituiu o Pacs, em 1999. Com ela, o casamento entre pessoas do mesmo sexo transformou-se num pacto social que reconhece certos direitos ao parceiro da união em caso de separação ou de morte. [Pacs são as iniciais de ‘Pacte civil de solidarité et du concubinage’, mas para ser sonora a sigla deixou o ‘concubinato’ de fora; algo como ‘Pacto civil de solidariedade e concubinato’, pois regulamenta a vida civil de quem mora junto e não quer –ou não pode, como os homossexuais– se casar.]

Essas mudanças na sociedade francesa, contudo, ainda estavam ausentes da televisão, salvo em um ou outro personagem gay dentro de um programa de telerrealidade ou de entrevistas. No dia 30 de janeiro, um programa inteiramente dedicado à ‘cultura gay’ foi ao ar pelo canal M6, da TV aberta, mais preocupado com audiência que com o aspecto cultural dos seus programas. Follement gay pretendia agradar ao público em geral e aos gays em particular, mostrando um pouco do que convencionou-se chamar de culture gay. Um show eclético com uma pitada de bom humor para tentar atrair o maior público possível.

Hetero brega

Gravado num grande palco de boate, com um público participante e entusiasmado, o programa passou cenas de dois filmes com personagens homossexuais (La cage aux folles e Pédale douce) e apresentou números de Dalida, Mylène Farmer e Madonna, algumas das darlings dos gays.

‘Acho que esse programa seria impossível há cinco anos. O fenômeno gay é um pouco mais compreendido e tolerado hoje em dia’, avaliou Thierry Bizot, co-produtor do show gay. ‘Quisemos reforçar um dos aspectos do universo homossexual, a festa, para propor um programa otimista e alegre’, acrescenta Yann Gazempis, diretor de entretenimento e música do canal M6.

Apesar de já ter mostrado candidatos homossexuais em programas de telerrealidade, é a primeira vez que a TV francesa dedica um programa inteiramente aos gays, apresentado por uma lourinha televisiva e por um negro gay muito conhecido do público da M6, de nome Magloire.

Se na TV os gays estavam ausentes, a presença homossexual na imprensa escrita é forte. A revista mensal Têtu, lançada em 1995 , dirigida ao público gay de língua francesa, tem uma tiragem de 48 mil exemplares e vende 10% de suas edições na Suíça e na Bélgica.

De olho num público definido pelos americanos pela frase ‘double income, no kids’ (duplo rendimento, sem filhos), a publicidade também se interessa por esse público consumidor que pode garantir a perenidade de um programa na TV. O importante é conquistar esse público sem afugentar o chamado ‘público em geral’.

Os próximos passos no sentido de mostrar o universo gay na TV francesa são os 4 ou 5 episódios um programa (as novelas francesas não duram mais que isso) na rede privada TF1, campeã de audiência. A produção, prevista para ir ao ar no verão europeu, é baseada no americano Queer eye for the straight guy, no qual cinco homossexuais especialistas em moda, decoração, cozinha, estilo e cabelo resolvem transformar um hetero brega em alguém chique e up to date.

Militantes históricos

Mas o mais radical conceito de televisão gay na França está por vir: chama-se Pink TV e vai começar a transmitir seus programas por assinatura em abril próximo. Para que o Conselho Superior de Audiovisual (CSA) francês aprovasse sua programação e desse a licença, a Pink TV teve que demonstrar paciência. O OK só veio em dezembro passado, depois de muitos meses de espera.

O novo canal gay vai ter de encontrar 180 mil clientes para não ser deficitário. Por 9 euros por mês (como 35 reais), os assinantes terão direito a uma programação diversificada, com filmes, debates e… quatro filmes pornôs por semana, exibidos depois de meia-noite.

A Pink TV não é, porém, uma grande novidade no panorama mundial. A Itália tem sua TV cor de rosa, a Gay.tv, criada em 2002, de propriedade da holding holandesa Corill – uma emissora que no panorama berlusconizado da TV italiana escapou ao controle do todo-poderoso primeiro-ministro. Nela não se passa filme X, a programação combina ficção, cinema, informação e música. Uma pesquisa mostrou que 45% dos telespectadores italianos da Gay.tv não são homossexuais, mas simpatizantes do movimento gay.

Nos Estados Unidos, a TV gay surgiu em agosto de 2003 na rede DirectTV. Chama-se Here! e se dirige aos telespectadores que querem ver filmes realizados por profissionais gays, segundo o princípio pay per view.

Mas foi o Canadá o primeiro país a ter seu canal de televisão gay, 24 horas por dia, sete dias por semana. A emissora foi inaugurada em setembro de 2001 e se chama PrideVision. Apesar de seus filmes X [na Franças, os filmes pornôs recebem classificação X], com apenas 22 mil assinantes, ela está lutando para não fechar.

A comunidade gay da Bélgica, Holanda e Luxemburgo pode vir a ter sua própria rede gay por uma assinatura de 25 a 30 euros por mês. Mas tudo ainda depende de estudos de mercado pois os interessados ouvidos querem uma programação de alta qualidade e muito variada. E o número deles tem que garantir a sobrevivência do canal.

Militantes, os gays franceses já criaram até mesmo um observatório para controlar como são tratados na mídia. No endereço www.media-g.net eles republicam artigos, reportagens e ficção que digam respeito ao homossexualismo.


 


Os franceses e a mídia

A pesquisa anual TNS-SOFRES feita para as revistas La Croix e Le Point, publicada na semana passada, mostrou que o rádio ainda é o meio de comunicação que tem maior credibilidade junto aos franceses.

A pesquisa ‘A confiança dos franceses na mídia’ mostrou que 71% dos franceses têm interesse na informação jornalística. Mas somente 47% das pessoas pensam que a televisão é totalmente fiel aos fatos. Um pouco mais numerosos, 48% acham que imprensa escrita é fiel aos fatos. Cinqüenta e cinco por cento pensam que os noticiários de rádio relatam os fatos com fidelidade.

A pesquisa também mostrou que, para ter uma primeira informação sobre um fato, 71% dos franceses vêem a TV, 34% ouvem o rádio e 32% lêem jornais e revistas. Mas quando se trata de entender um tema ou um acontecimento que é notícia, 49% procuram mais subsídios na imprensa escrita, 46% ligam a TV e apenas 13%, o rádio.