Foi-se o tempo em que as famílias se reuniam em torno de uma mesa de jantar para conversar sobre política, economia, esportes e futilidades em geral.
Este primitivo costume, próprio do período pré-televisivo, foi gradativamente substituído por uma reverenciosa audiência do integrante mais persuasivo da família: o apresentador de TV. As conversas tornaram-se dispensáveis e se transformaram em breves comentários sobre os fatos narrados com duvidosa imparcialidade pelos dublês da onisciência divina.
Não bastasse informar, a televisão também divertia, poupando a todos da dura tarefa física de ler um livro, virar páginas, imaginar cenários e outras tão ou mais desgastantes.
A TV consolidou-se assim como uma presença sempre muito bem-vinda em nosso lar, pois possuía duas qualidades inestimáveis: informava e divertia.
Não demorou muito para que alguém tivesse a ‘fantástica’ idéia – as aspas são inevitáveis – de unir as duas funções da TV, buscando trazer ao telespectador o que poderíamos chamar de uma informação divertida.
Aos poucos, o jornalismo-farsante involuiu e se tornou um jornalismo-trágico, numa versão ao avesso do postulado de Marx de que a tragédia precede a farsa.
O fantástico mundo da vida foi substituído por notícias de tragédias particulares.
Ratinho, Datena, João Kleber, Gugu e inúmeros outros justiceiros televisivos representam a antítese de tudo o que se poderia esperar de um programa razoável de TV, pois não informam e nem divertem, ainda que paradoxalmente garantam significativos índices de audiência.
A informação televisiva que deveria fundar-se num mínimo interesse público cede espaço a tragédias particulares cujo interesse limitar-se-ia a seus até então anônimos personagens, não fosse o sadismo doentio de telespectadores cujo entretenimento diário é assistir a dramas privados expostos em rede nacional de televisão.
Crimes bárbaros, em sua maioria absolutamente distantes da realidade do telespectador e improváveis de serem vivenciados por ele, longe de informarem sobre a real situação da segurança pública nacional são apresentados como exemplos dos limites da perversidade humana, num misto de reality show e filme policial de quinta categoria.
É arriscado sair
A função social da televisão, enquanto concessão pública estatal, prevista nos artigos 221 e seguintes da Constituição Federal, que em tese seria a de informar e entreter, cede espaço a sua função no sistema capitalista: vender ilusões.
Ilusão de informação quando oferece notícias privadas ao custo da alienação das questões de real interesse público; ilusão de entretenimento quando oferece o terror da criminalidade à custa de demônios particulares e, finalmente, ilusão de status quando oferece a todos sonhos de consumo acessíveis a poucos.
Não se discute desemprego, educação, saúde e outras questões sociais, pois tais temas talvez fossem um desestímulo ao telespectador a se tornar consumidor dos patrocinadores televisivos.
Àqueles que, convencidos pelos anúncios, estiverem dispostos a furtar, roubar e matar para adquiri-los reserva-se espaço no cárcere, para os que forem discretos, e nos programas televisivos para os que praticarem seus crimes com requintes de crueldade, passando de consumidores frustrados a anti-heróis nacionais.
Enquanto isso, em casa, a família brasileira se reúne em torno da televisão para consumir os produtos dos comerciais e, principalmente, para consumir mais e mais o medo do bandido da TV.
Afinal, nestes tempos de violência, é muito arriscado sair às ruas, ir ao teatro ou ao cinema. Seguro mesmo é ficar em casa e assistir na TV a novas e assustadoras notícias de tragédias particulares.
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Professor de Direito Penal da PUC Minas <www.tuliovianna.org>