É pensamento corrente que brasileiro gosta de televisão e consome freneticamente enorme variedade de conteúdos transmitidos todos os dias nos mais diferentes horários, fato comprovado por pesquisas, como o levantamento da SECOM/2015, segundo o qual a televisão é o meio de comunicação predominante no país com percentual de 95%.
O estudo mostra os motivos que levam as pessoas a verem TV e o principal é a busca por informação. Os dados apontam que 79% da audiência usam a televisão para se informar.
Esse quadro demonstra, assim, a importância do jornalismo televisivo no âmbito da comunicação brasileira, ao mesmo tempo em que indica o papel primordial que desempenharia no que se refere à garantia de acesso à informação de qualidade como componente essencial ao exercício pleno da cidadania para parte expressiva da população.
O direito à informação, garantido constitucionalmente, é elemento fundamental tendo em vista a vida em sociedade, e o telejornalismo vem sendo instrumento valioso para afiançar a condição necessária para os brasileiros exercerem essa prerrogativa.
Apesar do grande alcance e penetração da TV junto ao público em geral, e mais ainda junto à parcela que procura na televisão um meio de obter informações relevantes, parece que o telejornalismo está empobrecendo, sobretudo em seu conteúdo, na linguagem empregada, na escolha dos assuntos componentes dos noticiários, na seleção das informações priorizadas em reportagens e no tratamento dado as informações transmitidas.
Pelo menos é isso que se observa no telejornalismo paranaense, particularmente no jornalismo praticado pela maior rede de comunicação do Paraná (RPC) em seu noticiário veiculado na hora do almoço, o Paraná TV primeira edição.
Junto com a tendência positiva de apresentar reportagens com duração um pouco maior, saindo da fórmula dos tradicionais um minuto e meio a dois minutos adotados até tempos atrás, verifica-se por outro lado quantidade elevada de matérias e reportagens com temas banais, empregando uma linguagem de pieguice exacerbada, principalmente nos textos como cabeças, offs, e notas pé, assim como em comentários simplórios e melosos de âncoras e repórteres.
O apelo gratuito à emoção nos textos, sem contar imagens igualmente apelativas como personagens chorando ou com voz embargada, tem se tornado a tônica de boa parte de notícias e reportagens.
Como exemplo pode-se citar o retorno de um dos âncoras da emissora, em Curitiba, que volta ao trabalho após meses afastado em licença para atender ao pai enfermo, o qual acaba falecendo. O profissional é entrevistado em estúdio com direito à entrada ao vivo de outro repórter que estava em cobertura externa naquele momento, saudando o retorno do colega. Fala da volta, conta a situação vivida e faz várias referências às pessoas que manifestaram solidariedade. Ao mesmo tempo o apresentador opina e faz comentários a respeito. Esta matéria chega a quase 5 minutos de duração.
Outra característica que atesta a produção de um jornalismo piegas é o quadro “redação móvel” integrante do noticiário todas as segundas feiras. Por si só a idéia da redação móvel com uma equipe transmitido diretamente de diferentes pontos da cidade, onde estejam ocorrendo fatos de real importância, com agilidade, determinação, e boa apuração de informações, é ótima. Mas acontece que a tal “redação móvel” serve tão somente para descobrir e mostrar pessoas, geralmente de baixa condição financeira e pouca formação, que procuram por parentes desaparecidos.
Da maneira como é produzido, e pelo tom de linguagem empregada, tal quadro seria mais adequado como parte de um programa popularesco, desses que são transmitidos em finais de semana por apresentadores que exploram a miséria humana, promovendo encontros de pessoas que não se viam há décadas, levando outras de volta a seus locais de origem, só para ficar em duas das inúmeras ações pseudo-sociais que tais programas realizam.
Também contribuindo para firmar mais a pieguice do jornalismo da RPC estão matérias e reportagens que têm como personagens animais, de preferência cães, ora abandonados e/ou maltratados. Volta e meia está lá a pauta que traz aos espectadores a história de um animalzinho, logicamente produzida mediante a veiculação de imagens ternas, visando impacto emocional acompanhadas de um texto melodramático, mais meloso do que dramático.
Em 38 edições do Paraná TV primeira edição acompanhadas nos meses de maio, junho e início de julho de 2015 puderam ser identificadas diversas matérias e reportagens que demonstram sem dúvidas a pieguice como uma das normas norteadoras do jornalismo praticado nesse programa.
No dia 18 de maio, dos 45 minutos de duração do noticiário, 21 minutos (47%) corresponderam ao quadro “redação móvel”/desaparecidos, junto com a entrevista com o âncora que retorna após morte do pai e mais a história da cachorrinha Mona abandonada e maltratada; esta última reportagem totalizando, sozinha, exatos 9 minutos e 13 segundos.
Já em 16 de junho uma terça feira, portanto fora do dia em que vai ao ar a “redação móvel”, um minuto e 59 segundos foram dedicados a chamadas e depoimentos referentes ao quadro das segundas feiras, que parece ter se tornado um dos carros chefe do telejornal. Outros 2 minutos e 30 segundos foram usados em reportagem sobre falsas acusações de maus tratos a um cachorro. As matérias emocionais têm sequência com uma reportagem de 4 minutos e 21 segundos, sobre o reencontro de um policial com um homem salvo por ele em acidente de carro em estrada do litoral do Paraná. E completando o panorama de pieguice jornalística explícita o noticiário tem seu fechamento feito com a previsão do tempo fundida com um fala povo (totalizando 8 minutos e um segundo) em uma das ruas do centro de Curitiba abordando o frio intenso daquela manhã, onde aparece até uma senhora que comemora aniversário naquele dia e duas garotas tomando sorvete. Coincidentemente, esse fala povo é realizado pelo mesmo repórter que comanda o quadro “redação móvel”, e tem por final um clipe com música condizente com o “clima” piegas expressado pela linha do telejornal.
Finalmente, no dia 6 de julho, dos 44 minutos e 32 segundos da edição, nada menos do que 10 minutos e 45 segundos (24%) foram destinados ao quadro “redação móvel” com novos desaparecidos sendo procurados, bem como mostrados os reencontros promovidos a partir da ação “jornalística” do programa.
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João Somma é professor da UFPR