Monday, 16 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Eu não tenho asas

(Foto de Vlada Karpovich/Pexels)

As imagens de George Floyd rodaram o mundo suplicando I can’t breathe (eu não consigo respirar) enquanto era asfixiado até a morte por um policial, ajoelhado sobre seu pescoço, em Minnesota, nos Estados Unidos.

Logo em seguida surgiu a campanha Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) com denúncias de racismo por parte da polícia americana.

Racismo nos Estados Unidos é algo claro como a luz do sol desde a Guerra de Secessão (1861/1865), divergência sobre a escravidão no país entre o Norte, desenvolvimentista, e o Sul, que lutou para manter a mão de obra grátis dos escravos.

A sentença de morte de George Floyd foi a suspeita de usar dinheiro falso para comprar cigarros. Floyd era negro, o policial branco.

Em abril de 2021, apenas onze meses após o homicídio, Derek Chauvin, que matou George Floyd, foi considerado culpado de assassinato em segundo grau, assassinato em terceiro grau e homicídio culposo em segundo grau.

O crime ocorreu em maio de 2020. Chauvin foi condenado a 22 anos e meio de prisão. Foi recepcionado no presídio com 21 facadas dentro da biblioteca. Só não morreu porque os guardas o salvaram a tempo.

Se tudo der certo e tiver cuidado e sorte, Derek Chauvin sairá da cadeia em 2043. Após, ainda será supervisionado por mais cinco anos até quitar sua dívida com a célere e eficaz Justiça americana.

A pena podia ser pior para ele e melhor para a sociedade. Chauvin declarou-se culpado pelo crime, o que evitou um segundo julgamento federal e a possibilidade de cumprir prisão perpétua, caso tivesse sido condenado no Tribunal Distrital dos EUA.

Corta para o Brasil.

Domingo, dia 2 de dezembro de 2024, Marcelo do Amaral, de 25 anos, foi jogado de uma ponte pelo soldado da Polícia Militar de São Paulo Luan Felipe Alves Pereira, 29 anos.

Repercussão nacional e indignada em todos os veículos de comunicação, como se não soubéssemos o estado de calamidade pública e impunidade que vivemos.

Assim como nos incêndios recorrentes no pantanal, a imprensa mira a fumaça sem buscar a origem do fogo. Afinal, como são treinados efetivamente os jovens policiais militares do Estado de São Paulo que vão às ruas para proteger a população?

O crime de Marcelo do Amaral foi conduzir uma motocicleta sem placa em Diadema, no ABC. Foi perseguido por dois quilômetros e abordado pela PM. Nada de ilícito foi encontrado com ele.

O soldado foi preso preventivamente na quinta-feira (5 de dezembro), a pedido da Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo.

Assim como George Floyd, o ato de selvageria somente tornou-se público porque havia gente filmando com celular. Marcelo do Amaral foi levado ao hospital e sobreviveu à queda.

O I can’t breathe de George Floyd poderia ser adaptado por Marcelo por “Eu não tenho asas”, antes de ser arremessado da ponte como um saco de batatas sem valor de mercado.

Entre os dois casos, há diferenças e semelhanças gritantes. Racismo lá, despreparo aqui. Um branco matando um negro sufocado nos Estados Unidos. Um justiceiro solto nas ruas sob as vestes da Policial Militar paulista.

Protesto nos EUA que repercutiram no mundo em plena pandemia. Aqui, silêncio absoluto da população, cada vez mais sob a trincheira anônima das redes sociais.

Neste país, um simples inventário pode se arrastar por anos devido à morosidade da Justiça. Nos presídios superlotados, milhares aguardam por julgamento.

A certeza da impunidade está arraigada na base da cultura da nossa sociedade. O soldado que joga alguém de uma ponte é apenas mais um exemplo da nossa condição cotidiana de barbárie e salve-se quem puder.

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Paulo Renato Coelho Netto é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O Globo, Claudia/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”.