Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quais são as conexões criminosas do vereador gaúcho acusado de racismo?

Virou moda usar o desaforo para atrair a atenção do eleitor Foto: Reprodução

Foi no mesmo berço bolsonarista em que nasceram as 1.028 pessoas envolvidas nos atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília (DF) e os mais de 30 mil garimpeiros que invadiram as terras dos yanomami em Roraima (RR), levando às aldeias a fome que transformou homens, mulheres e crianças em pele e ossos, que nasceu o vereador de Caxias do Sul (RS) Sandro Fantinel (sem partido). Ele se transformou em personagem nacional ao ofender com palavras racistas os 194 baianos safristas da uva submetidos a trabalho análogo à escravidão e resgatados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), Brigada Militar e Ministério Público da Justiça do Trabalhado. Os terroristas, os garimpeiros e o vereador apostaram que teriam sucesso na carreira política colocando em prática as ideias racistas, homofóbicas e de extrema direita do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Há uma abundância de vídeos na internet que mostram as histórias dos atos terroristas em Brasília e da tragédia dos yanomami. A história do vereador ainda está rolando e o seu desfecho está longe do fim. É sobre isso que vamos conversar.

Vamos começar pela história conhecida de Fantinel para contextualizar o assunto, como exige a velha e boa escola do jornalismo. Até a eleição de Bolsonaro, em 2018, apenas um punhado de pessoas conhecia o vereador de 53 anos. E muito menos se sabia dele nas cidades ao redor de Caxias, como Bento Gonçalves. Não foi o ex-presidente que o convenceu a ser de extrema direita. Ele já era e viu no sucesso popular de Bolsonaro uma chance de ganhar visibilidade e, com isso, ascender à vida política. Lembro que, em 2018 e 2022, o ex-presidente elegeu dezenas de parlamentares (deputados federais, estaduais e senadores) e governadores. A maioria desses eleitos são pessoas polêmicas, que se envolveram com atos de extrema direita. Fantinel tinha tentado se eleger deputado estadual e falhou. Em 2020, se elegeu vereador pelo Patriota. Finalmente tinha um palco de onde podia chamar a atenção da imprensa. E o fez seguindo o roteiro traçado pelo ex- presidente, que o manteve na vida política nos últimos 40 anos, que é o seguinte: “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. Fantinel conseguiu cavar espaços nas manchetes dos noticiários disparado xingamentos contra a memória do deputado constituinte Ulysses Guimarães, morto em 1992, num acidente aéreo, e ofensas homofóbicas contra o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB). No final de fevereiro, terça-feira (28), veio a público o seu discurso na Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul, em que disparou ofensas racistas contra os trabalhadores baianos resgatados em condições de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves – há vídeo e muitas matérias disponíveis na internet sobre o assunto. A situação atual do vereador o mantém nas manchetes dos grandes jornais do Brasil. Em Caxias, há três pedidos de impeachment contra ele na Câmara, além de investigações em andamento na Polícia Civil e na Polícia Federal. Ontem, Fantinel deu a sua versão sobre o que aconteceu. Tentou convencer a opinião pública que tinha sido mal-entendido. O vídeo da fala do vereador não deixa dúvidas sobre o que aconteceu. Dentro da lógica política bolsonarista, cabe a pergunta: a visibilidade ganha por Fantinel pode elegê-lo prefeito ou deputado nas próximas eleições?

Para responder a essa pergunta vamos ter que caminhar pela história ainda não contada do episódio do vereador de Caxias do Sul. A região que os gaúchos chamam de Serra é formada por vários municípios, sendo os principais e mais conhecidos Caxias do Sul, Gramado e Bento Gonçalves, importantes polos metalmecânico, moveleiro e turístico. Nessa região operam grupos de bolsonaristas bem organizados e com abundância de dinheiro, formados por empresários e profissionais de vários setores. Ganharam visibilidade nacional em maio de 2022, quando conseguiram boicotar e impedir a realização de uma palestra do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, no Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves. Essa história dos trabalhadores baianos começou justamente em Bento. Esses trabalhadores fazem parte de um grupo de 204 safristas, de vários cantos do país, que foram trazidos pelo empresário Pedro Augusto de Oliveira Santana, 43 anos, natural de Valente, uma pequena cidade no interior da Bahia, que se mudou para Bento. Santana não só submeteu os safristas a trabalho escravo como fez um acordo com um grupo de PMs que vigiavam e torturavam os trabalhadores. A história dos policiais militares é contada em uma matéria dos repórteres Humberto Trezzi e Flávia Terres, publicada na Zero Hora e no Pioneiro, jornais do Grupo RBS. Essa matéria é importante para começar a entender o que acontecia entre as quatro paredes dessa história. Esses fatos serão demonstrados pelos resultados das investigações sobre a participação do PMs. Fato é o seguinte. A existência de grupo de apoio ao ex-presidente na Serra não é crime, muito pelo contrário, é um direito constitucional de todos os brasileiros ter simpatias políticas e trabalhar pelo seu candidato.

Aquestão é outra. Esses grupos de apoio ao ex-presidente na Serra se envolveram com os atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília? O que já se sabe é que se envolveram com o financiamento de ônibus que levaram manifestantes para a Capital Federal. Há indícios de que não seja só essa a participação nos atos terroristas de Brasília. Eles têm poder econômico e capilaridade para agir. Por exemplo, na quarta-feira (01/03) foi descoberto outro grupo de safristas, com 20 pessoas, trazidos por Santana. A polícia está investigando o caso. Lembro aos colegas que é importante tirar a limpo toda essa história para evitar as generalizações nas matérias. É importante estabelecer as ligações entre Santana, Fantinel e os grupos de empresários bolsonaristas. É normal que tenham ligações políticas. Mas não na prática de crimes.

Texto originalmente publicado por Histórias Mal Contatas

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.