O texto do antropólogo Antonio Risério sobre “racismo de negros contra brancos” publicado na Folha de S.Paulo, citando fatos ocorridos nos EUA embora querendo se referir à sociedade brasileira, provocou forte reação entre intelectuais. Não só isso: houve abaixo-assinado de jornalistas da própria Folha (seguido de explicações do diretor da redação, Sérgio Dávila), e outro abaixo-assinado, este de favoráveis à visão de Risério.
Por um momento, que esperamos seja longo, pois logo estará em discussão a reformulação das cotas raciais e a mudança do nome da Fundação Palmares para Fundação Princesa Isabel, o linguajar chulo seguido de argumentos rasteiros e destituídos de inteligência do presidente Bolsonaro e seus ministros foi substituído, enfim, por um debate de nível universitário.
Teria Risério descoberto na Bahia a versão brasileira de Marcus Garvey, o jamaicano sindicalista que, nos anos 30, se tornou líder dos negros norteamericanos, denunciava a segregação e os lichamentos, criou a United Negro Improvment Association e se intitulou “o porta-voz da raça negra”? Ou encontrou algum descendente de Emiliano Munducru, o anti-segregacionista brasileiro pioneiro na luta contra a segregação nos Estados Unidos, desconhecido no Brasil mas citado na França e na África como exemplo, por ter processado um capitão de navio, em 1833, por segregação?
Ou existe algum Bobby Seale ou Huey Newton brasileiros querendo organizar uma versão dos Panteras Negros no Brasil?
Ao que se saiba, nenhum movimento anti-brancos, dirigido por negros existe no Brasil. Se os brancos são os alvos preferidos nos assaltos não é por motivo racial, mas por possuírem mais dinheiro ou viverem em propriedade com bens de maior valor.
Bem ao contrário de incitar um racismo contra brancos, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, está empenhado em acabar com a legenda do herói negro Zumbi, para transformar a abolição da escravidão não numa conquista dos abolicionistas, mas numa dádiva da princesa Isabel, um tanto tardia, pois o Brasil foi o último país americano a acabar com a escravidão. Camargo nada tem de contestador do racismo no Brasil, pois está empenhado numa depuração da Fundação Palmares, equivalente a uma limpeza destinada a apagar da memória brasileira todos os nomes de negros conhecidos por terem denunciado o racismo, num processo absurdo de branqueamento dele e de nossa história.
A provocação feita por Risério já havia recebido aqui no Observatório devida contestação, assinada pelo professor Fabrício César de Oliveira. O retorno ao tema se fez necessário diante da evasiva resposta do diretor da redação da Folha, Sérgio Dávila e da alegação indevida do editor Marcos Augusto Gonçalves, de que esperavam reações e argumentos para um debate, entretanto “infelizmente, não houve debate algum, mas um tsunami nas redes sociais para tentar silenciar e punir, como de hábito, o divergente.”
Ora, houve debates, e muitos, e mesmo o elogio do autor da visão do racismo reverso, no numeroso abaixo-assinado de seus apoiadores, que passou considerá-lo, “no momento” uma das vozes mais importantes do país, sobretudo por fazer oposição a uma ideologia intolerante e autoritária” (mas não identificada e nomeada!) A cor do texto desse abaixo-assinado é tão evidente, que nele faz falta a assinatura de Sérgio Camargo, se é que já não assinou…
O racismo nas Américas vem de longe, vem do colonialismo europeu, do tráfico de escravos dos negros africanos. Por isso, diante da tese sociológica de um antropólogo, nada mais aconselhável do que buscar na imprensa de um importante país colonialista, a França, o que existe sobre o debate do racismo reverso ou anti-branco.
Em linhas gerais as expressões “racismo anti-branco” ou “racismo reverso” são contestadas pelos pesquisadores franceses em ciências sociais. O racismo dominante está inscrito na organização social, é sistêmico e estrutural. No campo político, essas expressões são utilizadas e instrumentalizadas pela extrema-direita ou direita nacional populista. De acordo com a professora de filosofia política na Universidade Panthéon-Sorbonne, Magali Bessone, a noção de racismo anti-brancos não é pertinente “nas sociedades onde os brancos estão em posição de dominação”, podendo haver casos isolados, mas considerados ódio racial.
O site TV 247 retirou do ar entrevista com a jornalista Lúcia Helena Issa
Coisa rara, o site TV 247 retirou do domínio público, por isso não pode ser mais acessado até uma análise mais aprofundada, o vídeo Youtube do programa Um Tom de Resistência, do dia 20 de janeiro, no qual é entrevistada a jornalista e escritora, Lúcia Helena Issa, ex-correspondente colaboradora da Folha em Roma.
O tema da entrevista, que ficou no ar durante dois dias, é Tráfico de mulheres brasileiras para Israel. Diversas entidades e associações judaicas, inclusive a Conib, Confederação Israelita do Brasil, denunciam a entrevista como veiculando afirmações antissemitas. O fato de o vídeo ter sido bloqueado e não permitir acesso impede outras informações.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.